Toda Luz Que Não Podemos Ver é a nova minissérie da Netflix que traz uma história de amor e resistência em tempos de guerra. É uma trama singela e honesta ao trazer um recorte específico cujo cenário histórico é real, que chama a atenção pelos personagens cativantes, o elenco magistral, a melancolia em meio ao medo e esperança, mistérios e um desfecho sensível. Vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
Adaptado da obra do autor Anthony Doerr, publicado em 2014, Toda Luz Que Não Podemos Ver é criado e escrito por Steve Knight e dirigido por Shawn Levy (Free Guy). Com quatro episódios, a trama é ambientada na Segunda Guerra Mundial e conta a história de Marie-Laure, uma adolescente francesa cega, e seu pai, Daniel LeBlanc, que fogem de Paris dominada pelos alemães nazistas. Junto com a filha, Daniel leva consigo um diamante lendário para evitar que caia nas mãos do inimigo.
Perseguidos implacavelmente por um oficial cruel da Gestapo, que deseja a pedra preciosa para fins pessoais e egoístas, Marie e Daniel vão para Saint Malo, onde passam a morar com a tia Madame Manec e o tio Etienne, um homem recluso que faz transmissões por rádio clandestinamente, como ato de resistência.
Paralelamente a esta história, conhecemos a trajetória de Werner Pfennig, um menino órfão apaixonado por rádio. Na adolescência, ele é alistado à força pelo regime nazista para ser um expert em rastreamento ilegal de ondas de rádio. No entanto, Werner estabelece uma conexão secreta de fé e esperança com Marie quando passa a escutar suas transmissões, colocando sua vida em risco por acobertá-la.

Toda Luz Que Não Podemos Ver é baseado em um livro, mas como não li, não farei comparações. Mas mesmo sem ter tido contato com a obra original, é possível enxergar que a série apresenta uma trama bem enxuta e resumida em apenas quatro episódios, em que é possível sentir vontade de conhecer outros personagens, enquanto os holofotes estão voltados ao elenco principal.
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Como são apenas quatro episódios, a minissérie foca totalmente em sua trama central, sem dar abertura para subtramas, trazendo um recorte bem específico de uma história ficcional cuja ambientação faz parte da história real da humanidade. Desde já, aviso a vocês que o cenário é real, mas a trama contada não é, beleza?
Ainda assim, Toda Luz Que Não Podemos Ver consegue prender a atenção do público com uma história de amor, resistência, força e esperança em tempos de horror. A narrativa transita entre passado e presente, a fim de que o público compreenda um trecho de como era a vida dos personagens antes até a imposição do nazismo; e como está a vida atualmente até o momento em que americanos chegam para dar o fim à guerra.
Cada episódio fisga o espectador com bons cliffhangers (ganchos), a fim de que vejamos o próximo episódio imediatamente, estabelecendo alguns mistérios acerca dos personagens, como a identidade do Professor em que Marie e Werner escutam pelo rádio desde crianças; a maldição em torno da pedra preciosa; a razão para Etienne ser um homem recluso e, assim, fazer parte da resistência contra os nazistas; o que aconteceu com Daniel, já que vemos que o personagem não se encontra nos dias atuais; e o destino de Marie e Werner.

Um dos pontos mais incríveis e sensíveis que a série constrói é a conexão direta ou indiretamente dos personagens, sendo familiar ou não e, especialmente, através do rádio em tempos cuja comunicação era vista ilegalmente, enquanto a tecnologia era usada para fortalecer a resistência e, assim, conseguir ajuda e fornecer informações para os americanos atingirem os nazistas; e para o mal, na qual o lado inimigo localizava os alvos para eliminação.
Aliás, Toda Luz Que Não Podemos Ver não fica explicando minuciosamente tudo, mas deixa claro o quanto somos privilegiados por termos a tecnologia na palma da mão, capaz de falar com alguém do outro lado do mundo através de um pequeno aparelho que podemos carregar para qualquer lugar. Nesta época, o rádio foi uma forma de conectar as pessoas não só para formar a resistência, mas para dar uma ponta de esperança e luz em meio ao medo e ao terror que muitos viveram.
Além disso, o rádio deu entendimento e sabedoria à Marie, que conseguiu viajar pelo mundo através da voz do Professor, com ensinamentos filosóficos e científicos, assim como para o Werner, que encontrava paz, luz e compreensão pelas palavras que ouvia em seu aparelho favorito.
Outro ponto positivo de Toda Luz Que Não Podemos Ver é a excelente produção com cenários reais de uma França em paz e prestes a ser dominada pelo mal; e uma cidade francesa em ruínas e bombardeada para “dedetizar” o nazismo de uma vez por todas e, consequentemente ao renascimento da paz.
Personagens incríveis

Toda Luz Que Não Podemos Ver funciona também pelo excelente elenco que segura todas as pontas de uma história simples, singela e honesta.
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A maior e grata surpresa é a atriz Aria Mia Loberti que faz a sua grande estreia nas telas na série como Marie. E sim, a atriz é cega na vida real, assim como a sua personagem. Aliás, durante a audição para o papel, a produção estava à procura de atrizes com deficiência visual para interpretar as versões jovem e criança da protagonista. Aliás, Nell Sutton também faz a sua estreia como a pequena Marie, que é simplesmente adorável.
Marie pode não enxergar, mas ela vê o mundo com os seus demais sentidos e com muito sentimento, o que aumenta ainda mais a sensibilidade da história. Ela entrega uma Marie forte, entusiasta, alegre, determinada, honesta, amorosa. Ela questiona verdades e superstições; ela não acredita veemente em uma única coisa; ela abre a sua mente para as possibilidades e os dois lados de tudo; ela compreende o certo e o errado e suas ramificações, como é o caso da história de Werner.
A química dela com todos os personagens é tocante, dinâmica e muito emocionante. Você sente vontade de ser amigo da Marie e lutar ao lado dela. O rádio é a sua fonte principal para espalhar a paz e esperança em meio à escuridão; para fortalecer a resistência; para não desistir mesmo quando já não há mais o que fazer; para mandar mensagens ao pai que está distante.

Se você já adorou o ator Louis Hoffman em Dark, prepare-se para se apaixonar e sofrer com ele novamente nesta minissérie. Ele entrega um Werner cuja inocência tenta ser manipulada, estragada e moldada pelo nazismo, mas ele jamais permitiu que isso acontecesse, resistindo a todo o mal e pressão à sua volta, mantendo a frequência da sua verdadeira essência.
Mesmo sendo obrigado a estar onde não queria, Werner viu e fez coisas horrendas, sempre ciente de que o sangue inocente também estava em suas mãos e que, um dia, teria que pagar por isso.
E vamos combinar que o Werner sofre, hein? O personagem passa por maus bocados o tempo todo, desde a sua saída forçada do orfanato, sua formação na escola de nazistas – que é horrenda – até os momentos finais da guerra. Impossível não sentir pena de um garoto que só queria ter paz, ser feliz ao lado da irmã Jutta (Luna Wedler) e seguir com o seu sonho de trabalhar com rádio e tecnologia e conhecer o mundo, ao invés de usar suas aptidões para o mal. No entanto, uma coisa que deixa a desejar é que eu queria ter visto um pouco mais das relações dele com outros. A série dá a entender que outro soldado ajuda Werner nos tempos da escola, mas fica apenas algo subtendido. Inclusive, ele aparece como parceiro de posto, mas tem pouco tempo de tela.

O ator Mark Ruffalo está deslumbrante em Toda Luz Que Não Podemos Ver. Na trama, Daniel é o zelador do museu natural de Paris, conhecendo cada canto do local. Ele é os olhos de Marie e faz questão que a filha aprenda tudo e adquira sua independência. Ele ensina cada canto da cidade e, quando fogem para St. Malo, ele constrói uma maquete para que ela conheça e aprenda a andar pela cidade, especialmente quando for para fugir.
A química de pai e filha é sensível, natural, doce e encantadora demais. Por trás dessa dinâmica, conhecemos o mistério da pedra preciosa Mar de Chamas, cuja lenda diz que quem toca na pedra tem sorte e imortalidade, mas o azar fica para aqueles ao redor, que a pessoa ama. Por ser um homem da ciência e da verdade, Daniel nunca acreditou na maldição, mas as circunstâncias mostram que, talvez, Marie seja cega por conta do azar da pedra. Seria maldição ou uma grande coincidência? Daniel, no fundo, acreditava no poder da pedra e, por isso, o amor pela filha era redobrado? Jamais saberemos.

A família e resistência também era formada pela Madame Manec (Marion Bailey), que é simplesmente incrível; e o tio Etienne, que ganha uma excelente interpretação de Hugh Laurie que, a princípio, parece que o personagem será ranzinza (e teria motivos), mas é um homem recluso por ter visto e vivido horrores na guerra. Ele tem a chance de reviver e tomar posição frente à resistência com a chegada de Daniel e Marie, que faz Etienne enxergar a esperança e luz novamente.
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A dinâmica de Etienne e Marie é formidável, especialmente por dividirem o amor ao rádio, que sempre fora um escape e conhecimento para ambos. Aliás, é aqui que temos a primeira grande resposta de um dos mistérios apresentados pela série.
O rosto que mais representa o nazismo na história é do general Reinhold von Rumpel (Lars Eidinger), que exemplifica suas expressões faciais e corporais todo o ódio, egoísmo e maldade. Ele é apenas um recorte do antagonismo histórico que busca pela pedra preciosa para obter imortalidade. Para isso, ele passa por cima de quem for para ter o que quer. E é exatamente o que o espectador acompanha na série e torce para o encontro ele e Marie não se transforme em algo pior. Ainda assim, este encontro causa momentos de tensão que prende a atenção minuciosamente.
Considerações finais

O último episódio de Toda Luz Que Não Podemos Ver traz um desenvolvimento final muito tocante e que mexe com as emoções. A reta final traz as respostas que almejamos desde o início, como o que aconteceu com Daniel e com a pedra preciosa e, é claro, o possível encontro de Marie e Werner, cujos destinos sempre estiveram entrelaçados desde o início.
Ao mesmo tempo, é um final que deixa a sensação de que a história poderia continuar um pouco mais, a fim de mostrar o futuro e como sucedeu as vidas que sobreviveram a um dos grandes marcos da história da humanidade. Mas, mesmo com este gostinho deixado de ‘quero mais’, a série se encerra de forma gratificante.
Toda Luz Que Não Podemos Ver é uma história de amor, esperança e resistência em tempos de escuridão. Uma minissérie bem feita, com um elenco incrível e um desfecho singelo e aberto à nossa imaginação sobre o futuro.
Ficha Técnica
Toda Luz Que Não Podemos Ver
Adaptação do livro do autor Anthony Doerr
Criação: Steve Knight
Direção: Shawn Levy
Elenco: Aria Mia Loverti, Louis Hoffman, Mark Ruffalo, Hugh Laurie, Lars Eidinger, Marion Bailey, Jakob Diehl, Luna Wedler, Nell Sutton, Rosie Hilal, James Dryden, Corin Silva, Ed Skrein, Rhashan Stone, Pascal Ulli, Annabelle Berridge, Andrea Deck e Felix Kammerer.
Duração: 4 episódios (60 min aprox.)
Nota: 4,0/5,0