Chega aos cinemas mais um filme que não é só para assistir, levantar da cadeira e ir embora e, sim, para sentir, refletir e interpretar os elementos vistos na tela. Um projeto realizado pelo coletivo 300 ml (formados por diretores, especialmente ligados à publicidade), Soundtrack vai falar sobre a vida e a arte por meio da história de Cris (Selton Mello), um fotógrafo que viaja até uma estação de pesquisa polar para tirar fotos e realizar a sua tão sonhada exposição. A ideia é se isolar e tirar as famosas selfies para capturar as sensações causadas por uma série de músicas pré-selecionadas por ele mesmo. Cris divide o espaço com o botânico brasileiro Cao (Seu Jorge), o especialista britânico em aquecimento global Mark (Ralph Ineson), o biólogo chinês Huang (Thomas Chaaning) e o pesquisador dinamarquês Rafnar (Lukas Loughran). Nesta jornada fria, os cinco precisam aprender a conviver juntos em meio ao ambiente branco, além de descobrirem diferentes perspectivas sobre a vida e a arte.
Do ponto de vista técnico, Soundtrack é um prato cheio de elementos para análise e estudo sobre a construção de uma história para o cinema. Extremamente sensorial, o filme vai fazer com que o público use alguns dos sentidos não só para entender como também para fazer parte da história que está sendo contada. A visão faz o espectador enxergar a imensidão do cenário branco e gélido; o tato faz a gente mergulhar no frio e tremor e sentir o mesmo que os personagens estão sentindo; a audição é o principal sentido a ser usado aqui, pois a trilha sonora é o elemento X que conduz o espectador, fazendo-o compreender os sentimentos do protagonista e do grupo em meio ao deserto branco, bonito e solitário. Durante a coletiva de imprensa, que aconteceu em São Paulo, o produtor Júlio Uchoa explicou que não há uma criação incidental para a trilha sonora. “Já havia uma métrica pronta lá no começo do projeto. A ideia era não ter canções prontas e cantadas e, sim, apresentar as músicas que estavam no iPod de Cris, o que ele estava escutando para aquele momento que ele estava vivendo”. Ou seja, a música ajuda a pessoa a enxergar o mesmo que o Cris enxerga. É a trilha sonora alimentando a imaginação e complementando a visão.
Por que estou explicando tudo isso? Por que são esses elementos que ajudam o público a interpretar a trama que fala sobre a existência, o convívio e a sobrevivência sobre o ponto de vista da arte e da ciência e a importância destes na vida do homem. Aqui, a história nos joga a seguinte pergunta: até que ponto o homem iria para a realização de um sonho audacioso? É dessa forma que se pode compreender as atitudes de Cris que, no início, o propósito não é nada nítido, mas à medida que caminhamos junto com ele e, com a ajuda dos diálogos do grupo, compreendemos melhor a sua jornada, além de descobrir que o personagem é um cara solitário, carente, triste e que carrega uma dor que há muito tempo se dissipa dentro dele.
Aliás, não são só os sentimentos de Cris que enxergamos. O filme se expande e faz o público notar o que os demais também estão sentido. Ralph Ineson (A Bruxa) interpreta um cara amargurado e irritado por estar em meio ao gelo e longe de sua família, o que o leva a descontar tal frustração em Cris. Mas à medida que o convívio cresce, Mark desconstrói sua casca dura e passa a compreender melhor o companheiro e a se emocionar com sua história e as músicas, uma vez que essa é a proposta do trabalho do Cris: visualizar e despertar um sentimento através do som. Os demais personagens também seguem essa linha, mas não ganham um desenvolvimento maior como Mark ganha. Infelizmente não é possível saber nitidamente a razão de Huang ter raiva e certo desprezo por Cris no começo do filme. Seria por que ele atrapalha o momento em que todos já estão prestes a ir embora da estação de gelo? Por que é difícil conviver com mais pessoas em um lugar imenso, porém claustrofóbico? Despreza por pura desconfiança e insegurança em ter um estranho no grupo? Aqui, cabem inúmeras interpretações, pois cada um irá ver a relação desse grupo de um jeito diferente.
O que pode incomodar muitos (me incomodou um pouco) é a narrativa ter um ritmo lento em que quase nada acontece. Pouquíssimas ações ocorrem na trama e, quando acontecem, elas são logo solucionadas ou ganham um “ponto final” mesmo que não tenha uma solução mais concreta. Outra coisa que o filme poderia ter feito é ter dado mais espaço aos demais personagens como Mark teve. A relação dele com Cris é densa e gostaria de ter visto mais disso com o personagem de Seu Jorge (Cao), além de saber mais sobre o que se passa na cabeça de Huang e a razão do seu desprezo por Cris até a metade do filme.
Considerações finais
Soundtrack é um filme de estudo que mostra como é feita a construção de uma história por meio dos sentidos humanos, abrindo portas para diversas interpretações. A narrativa é lenta e sem muitas ações, o que pode incomodar aqueles que esperam por brigas, discussões, tiros e bombas. Esse não é o propósito do filme. Por meio do tato, da visão e da audição, o espectador compreende melhor a intensidade da história e os sentimentos aflorados ali, como a solidão, carência, raiva, frustração, tristeza e felicidade, e questiona sobre o propósito do protagonista e até onde ele é capaz de ir para realizar o seu sonho. Soundtrack não é um filme que vai fazer você sair do cinema agitado, mas bastante reflexivo.
E aí, o que acharam do filme? Deixem nos comentários!
Ficha Técnica
Soundtrack
Direção: 300ml
Elenco: Selton Mello, Seu Jorge, Ralph Ineson, Lukas Loughran, Thomas Chaaning, Gustavo Falcão e J.G Franklin.
Duração: 1h52min
Nota: 6,0