Ratched é a mais nova produção de Ryan Murphy para a Netflix. Terceira da lista, o streaming já conta com as séries The Politician e a minissérie Hollywood. No geral, posso dizer que esta nova série conta com uma excelente produção, cenários maravilhosos e um elenco incrível. Já a história é instigante, que ganha um desenvolvimento cujo ritmo é mais lento, mas não tão cansativo. A ideia é que a série seja assistida aos poucos, ao invés de fazer uma maratona, com o intuito de não cansar e absorver melhor a trama.
Posso dizer que, no geral, Ratched agrada, mas há decisões tomadas na trama que acaba afastando um pouco o telespectador e, no meu caso, a reta final desta 1ª temporada ganha desfechos que não me agradam. É ruim? Não. Mas acredito que isso irá da opinião de cada um. Até agora, nenhuma produção do Ryan Murphy me agradou 100%. Gostei da 1ª temporada de The Politician, mas não muito da 2ª temporada; Hollywood apenas me agradou da metade para o fim. Já Ratched me agradou até a reta final, mas me afastou pelas decisões finais. Mas vou destrinchar os pontos positivos e negativos da série.
Se preferir, você pode conferir a crítica em texto ou em vídeo.
Qual é a trama?
Ratched conta a história de origem da enfermeira Mildred Ratched, interpretada por Louise Fletcher no filme Um Estranho no Ninho, de 1975, estrelado por Jack Nicholson. Caso você queira saber mais, assista ao filme, mas não é uma obrigação assistir para entender a história da série.
A série se passa em 1947 e conta a história de Mildred Ratched, que chega no norte da Califórnia para procurar um emprego em um hospital psiquiátrico, onde novas e perturbadoras experiências sobre a mente humana são feitas. Em uma missão secreta, Mildred se apresenta como a enfermeira perfeita, antes de se infiltrar no sistema de saúde mental que as pessoas que participam. Mas não se deixe enganar: o exterior elegante de Mildred, como revelado nas imagens, esconde uma escuridão crescente e perigosa.
******CONTÊM SPOILERS******
A série conta com oito episódios de 1 hora de duração e, como disse anteriormente, é uma série que deve ser degustada aos poucos, ao invés de optar por uma maratona, o que é apenas uma dica.
A cada episódio vamos descobrindo aos poucos tudo o que se passa dentro do hospital psiquiátrico, desde a chegada de Mildred ao local, a razão dela estar lá, quem trabalha no local, as intenções dos personagens, a verdade sobre o Dr. Richard Hanover, que comanda o hospital, as técnicas utilizadas para tratar a saúde mental de seus pacientes, os segredos que as paredes escondem até o desfecho de toda a trama.
Outro ponto interessante é que a série trabalha com assuntos importantes e que se tornam polêmicos dentro dessa atmosfera de horror. O hospital trata a homossexualidade, por exemplo, como um problema mental que precisa ser curado. Há tratamentos que chocam (naquela época), como a lobotomia com o paciente semiacordado e a hidroterapia – um banho extremamente quente e frio para atingir o sistema nervoso da pessoa a fim de que ela passe a acreditar que a homossexualidade é uma doença. Inclusive, a homossexualidade é um assunto que fica na série até o final, pois também é desenvolvida na trama de Mildred.
Além disso temos casos de esquizofrenia, transtorno de dissociação de identidade (múltiplas personalidades), imaginação que faz ver coisas, entre outros.
Produção
Antes de destrinchar sobre a trama, é preciso dizer que Ratched ganha cenários lindos e amplos, especialmente o hospital em que boa parte da série se passa. Mas mais do que isso, Ratched trabalha muito bem com cores fortes e vibrantes que tem muito a dizer sobre a atmosfera da história e seus personagens.
A série trabalha com as cores verde e vermelho que ganham um significado específico para uma compreensão maior e melhor sobre as ações dos personagens. Usa-se a cor vermelha para representar o perigo, o alerta e a presença da morte que ronda a todos, ao mesmo tempo que a cor pode significar a excitação das emoções. De exemplo, temos a cena do Dr. Hanover se drogando, uma vez que ele é dependente químico. Tal cena ganha uma luz vermelha forte indicando excitação por estar ingerindo a droga, ao mesmo tempo que aquilo é perigoso. Entendem?
Já a cor verde é vista em diversos momentos, uma vez que é a cor do uniforme das enfermeiras. A cor representa a saúde, relaxamento, bem-estar e segurança, características que são vistas naqueles que ajudam e curam os enfermos. Na série, elas são chamadas de anjos da misericórdia, mas que acaba ganhando um significado dúbio, assim como a cor verde. Há cenas de Mildred que ganham uma luz verde mais forte, o que pode indicar o contrário do significado do verde: indica a ambição e a ganância da protagonista em fazer de tudo para trabalhar no hospital. No caso, a gente pode questionar: ela seria um anjo aos pacientes ou um perigo a eles?
A mescla do vermelho e verde usado na série pode transmitir sentimentos negativos. Ou seja, a trama se passa em um local onde as pessoas procuram por ajuda, segurança, bem-estar e cura, ao mesmo tempo, que o perigo, o alerta, a excitação das emoções ronda elas. Este é apenas uma leitura do que fiz, mas pode ser que outras pessoas que assistam a série façam outras interpretações.
Quem é Mildred Ratched?
A Sarah Paulson entrega uma ótima atuação que faz a gente duvidar o tempo todo sobre as intenções da Mildred. Ora ela faz o público acreditar que suas ações tem um objetivo bom; ora ela manipula friamente para deixar as peças do seu jogo em seus devidos lugares; ora ela se mostra ser amorosa e complacente; ora ela mostra ser fria e calculista. Mas à medida que a história da protagonista é contada, o público compreende a razão dela agir assim.
O primeiro episódio apresenta uma cena chocante do assassinato dos padres cometido por Edmund Tolland que, por sinal, ganha uma interpretação ilustre do Finn Wittrock. Edmund se torna um dos maiores assassinos do país e é levado para o hospital para uma avaliação psiquiátrica para saber se é possível levá-lo ao tribunal para uma condenação justa. É aqui que descobrimos a razão de Mildred ir trabalhar no local. Ela é a irmã de Edmund, uma vez que eles são abandonados pelos pais e adotados por famílias ao longo dos anos.
O 6º episódio relata a história da infância de Mildred e Edmund por meio de uma peça de teatro com fantoches, entregando uma história sombria e macabra, o que faz a gente compreender perfeitamente quem é Mildred e Edmund e a razão deles se tornarem quem eles são hoje. Nos dias atuais, a protagonista reencontra o irmão para tentar libertá-lo e se livrar de uma condenação brutal.
Além destes episódios, os outros também trazem pitadas sobre o passado e a identidade de Mildred, como por exemplo, quando ela trabalhou como enfermeira durante guerra, o que faz a gente entender perfeitamente o significado de ‘anjo da misericórdia’.
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Aliás, o episódio 5 intitulado ‘Baile’ traz cenas muito boas, além de boas reviravoltas que vão dar aquela balançada na relação de Mildred e Edmund.
Outros personagens
Enquanto acompanhamos a protagonista, Ratched também desenvolve outras subtramas, com destaque para o Dr. Hanover que ganha uma boa interpretação de Jon Jon Briones. Ele passa a ser manipulado pela Mildred, uma vez que ela descobre sobre o passado do médico, como por exemplo, a identidade falsa que ele usa.
Antes de vir a se tornar o chefe do hospital psiquiátrico, ele perde o contato com a esposa e a filha por se importar mais com o trabalho do que com a família. Assim ele foca mais em sua carreira e aceita o caso de um paciente cujos sintomas é machucar as pessoas ao ponto de tentar matá-las. Tal paciente é Henry (Brandon Flynn), filho da ricaça Lenora Osgood, interpretada por Sharon Stone. Durante o tratamento, uma tragédia acontece, uma vez que o Henry arma para o médico ficar drogado, e quando o efeito passa, ele vê que o garoto cortou os próprios braços e, por conta de uma gangrena de uma cirurgia malfeita, ele também perde as pernas. Tudo isso faz Lenora iniciar uma caçada vingativa, contratando pessoas para matar Hanover.
Por conta dessa história e de outros pequenos fatores, a gente vê o médico se encurralando cada vez mais, não só para fugir da fúria de Lenora, como também para atender as manipulações de Mildred, o que acaba levando o personagem a um desfecho trágico.
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Além dele, outros personagens ganham destaque como a enfermeira Betsy Buckles (Judy Davis) que inicia uma rivalidade com Mildred; a enfermeira Dolly (Alice Englert) que se apaixona por Edmund o perigo que ele representa; a secretária do governador Gwendolyn Briggs (Cynthia Nixon) que se apaixona por Mildred; e o próprio governador George Wilburn (Vincent D’Onofrio) que se torna um dos personagens mais repugnantes da série. Não tem como não sentir raiva e ranço dele, especialmente por ele ser a favor e entusiasta da sentença de morte por cadeira elétrica.
Desfecho
Por mais que Ratched tenha apresentado um bom desenvolvimento da trama e com atuações ótimas, a série derrapa nas decisões na reta final da temporada que ficam a desejar, na minha opinião.
Mortes importantes acontecem – algo que se choca, mas é possível esperar – porém a forma como acontece não agrada tanto. Após ser obrigado a deixar o hospital sob manipulação de Mildred e Betsy, Hanover foge junto com sua paciente Charlotte (Sophie Okonedo), que sofre de múltiplas personalidades, uma personagem muito interessante, mas que teria sido melhor se continuasse apenas como participação especial. Ao fugir da polícia, Charlotte muda para uma personalidade forte e vingativa e acaba matando o médico em um quarto de hotel. A cena é boa? Sim, mas não gostei do fato desta personagem ser a responsável pela morte de Hanover. Ela recebe a ajuda de Mildred e foge, enquanto a enfermeira entrega o médico morto para Lenora, satisfazendo a ricaça.
Em contrapartida, o filho acaba matando Lenora como vingança, mas perde tudo ao descobrir que a mãe deixou a herança para um museu e sua macaca de estimação, enquanto o filho será levado para viver em uma clínica psiquiátrica para sempre.
Outro ponto que desagrada é que a série torna a personagem Charlotte como a responsável em libertar Edmund do hospital e livrá-lo da sentença de morte. Ela gera um caos no hospital ao incorporar a personalidade do Dr Hanover, faz Betsy de refém, mata o enfermeiro Huck (Charlie Carver), o que dá muita raiva, e os demais seguranças.
A partir daqui a série dá um salto no tempo para 1950, com Mildred no México ao lado de Gwendolyn. Aqui vemos que Mildred ainda se preocupa com o irmão que não vê há anos, ao mesmo tempo que uma rivalidade entre eles nasce, uma vez que um deseja matar o outro. Assim, a série termina com Mildred declarando guerra contra Edmund, que segue ao lado de Charlotte e da Louise, dona do hotel, algo que ficou completamente fora de contexto e sem noção.
Particularmente, achei esse desfecho um pouco forçado e não gostei da Charlotte no final da série com o Edmund. Além disso, o final fica em aberto para uma 2ª temporada que ainda não foi oficializada pela Netflix até o momento em que este vídeo foi para o ar, mas acredito que a série será renovada.
Considerações finais
Ratched traz uma história inquietante e instigante, com cenas chocantes e boas, produção e cenários impecáveis, uma ótima protagonista nas mãos de Sarah Paulson, e um elenco formidável. No entanto, a série derrapa em sua reta final entregando desfechos que tiram a graça de uma história que poderia ter tido um final melhor.
Ficha Técnica
Ratched
Criação: Ryan Murphy
Elenco: Sarah Paulson, Cynthia Nixon, Jon Jon Briones, Judy Davis, Sharon Stone, Finn Wittrock, Charlie Carver, Sophie Okonedo, Alice Englert, Amanda Plummer, Corey Stoll, Vincent D’Onofrio, Brandon Flynn, Hunter Parrish, Alfred Rubin Thompson, Teo Briones, Michael Benjamin Washington e Joseph Marcell.
Duração: 8 episódios (60min aprox.)
Nota: 7,8