Criada por Tom Wheeler e Frank Miller, Cursed é a nova produção da Netflix que traz uma releitura da lenda arturiana, sob a perspectiva de uma personagem feminina e com uma linguagem e trama mais jovial e fantasiosa. De fato, o público jovem é o alvo principal e posso dizer que a série é uma espécie de prequel, que vai retratar uma história antes da tradicional história do Rei Arthur. Desta vez, descobrimos a trajetória de Nimue, conhecida como Bruxa do Sangue de Lobo, a razão dela ser um ser poderoso e torna-se símbolo da resistência feérica, uma vez que seu povo é perseguido e morto pela Igreja por serem considerados demônios.
A pergunta que sempre que se faz quando estreia uma nova série é: vale a pena assistir? Até vale, mas há de se levar em consideração vários pontos, algumas derrapadas e o fato da série ser voltado ao público jovem e sobre o universo arturiano, mas não sobre o Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda e, sim, sobre a dama do lago.
Como muitas produções da Netflix, Cursed tem 10 episódios com 1 hora de duração, o que pode tornar a maratona um pouco cansativa. É uma fórmula já batida do streaming, mas que dependendo da temática da série, pode se tornar exaustiva. E Cursed acaba indo para este caminho.
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Antes de mergulhar na narrativa e falar sobre os personagens, quero ressaltar que Cursed entrega uma produção bonita, de encher os olhos, com cenários e paisagens reluzentes. O retrato dos bosques onde povo feérico vive até faz lembrar um pouco os aspectos do País das Maravilhas, da história de Alice. A série entrega uma fotografia com cores fortes e bonitas, CGI e efeitos satisfatórios, mas que em uma cena e outra ficam a desejar. Além disso, a série usa as ilustrações de Frank Miller em pintura tanto na abertura da série quanto nas transições entre as cenas que, para mim, são bonitas o que torna um ponto positivo para o conjunto da obra.
Assim, seguimos para os três primeiros episódios de Cursed, que consegue estabelecer e estruturar os personagens principais e apresentar a grande missão a ser desenvolvida na temporada. Aqui, toma-se conhecimento sobre o povo feérico e suas espécies, a razão deles viverem escondidos, quem os persegue e mata. Entre os feéricos conhecemos nossa protagonista Nimue, a razão dela ser mal vista pela comunidade por carregar uma maldição dada pelo dente do diabo (deus das trevas) e ser a escolhida pelos seres Ocultos para ser a conjurada do seu clã. Logo no primeiro episódio, descobre-se a motivação dos Paladinos Vermelhos em querer dizimar os feéricos. E por fim, é apresentado o Merlin e seus status atual de mago e conselheiro do Rei Uther.
Os três primeiros episódios alavancam a série a história, com cenas de luta e perseguição instigantes e com um tom de violência bom e dosado. O terror religioso aplicado pelos paladinos vermelhos causa repúdio em que está assistindo, no sentido positivo: você torce para que os feéricos sobrevivam (o que pouco acontece) e torce para que Nimue fique fora do alcance do olhar inimigo. O público se impacta com o ódio excruciante e como os paladinos aplicam esse sentimento por um bem maior, destruindo a natureza, as comidas, matando pessoas inocentes por defenderem os “demônios”, as espécies que eles consideram um erro, tudo isso em nome de Deus.
O primeiro ponto que pode ser considerado um probleminha em Cursed é que a história apresenta muitos personagens, em que uns terão uma motivação maior somente mais a frente, enquanto outros acabam tendo um arco desnecessário, um desenvolvimento aquém das nossas expectativas e mal aproveito. Isso acaba tornando a trama inchada, em que há muitos personagens que não fazem diferença, mas que no fim das contas, acabam tendo um objetivo em comum: o desejo de possuir a espada do poder, conhecida como a Espada dos Primeiros Reis, feita com fogo feérico, que a mãe de Nimue lhe dá como missão para entregar nas mãos de Merlin, a pessoa que sabe manusear o objeto e tem conhecimento do tamanho do poder desta espada.
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Outro ponto questionável de Cursed é que a série dá uma estacionada nos episódios quatro ao seis. O objetivo aqui é parar um pouco as perseguições para desenvolver o drama entre alguns personagens que vai servir de estopim para a reta final da história Em parte, o que acaba pesando na trama, pelo menos para mim, é a construção de alguns personagens, que não cativam direito, não faz você se importar com eles.
De exemplo, temos Merlin (Gustav Skarsgard), um mago que a gente espera mais sabedoria. A série nos dá um Merlin mais jovem, rebelde, que perde sua magia, é um péssimo conselheiro de reis e ainda se entrega ao álcool depois passar por tanta conturbação, tornando-se uma decepção e pedra no sapato do Rei Uther. Merlin u sa da barganha e manipulação para conseguir o que quer. Você entende os motivos que o levaram a perder a magia e mergulhar na bebida e no isolamento, mas ainda assim, nos dá a sensação de que o personagem poderia ser melhor, que está faltando algo.
Imagina-se que o encontro de Merlin e Nimue vai acontecer no final, no entanto, isso é concretizado logo no meio da temporada, o que nos entrega uma grande revelação da série que vai influenciar nas ações que serão tomadas daqui para frente, especialmente a relação que Nimue tem com a espada do poder. No entanto, mesmo com revelações até significantes, a série não causa aquela empolgação para continuar assistindo e continua deixando a sensação de que está faltando algo. Entendem o que eu quero dizer?
O penúltimo episódio serve de gatilho para o embate final, o que torna o último episódio o melhor da série, com lutas interessantes, plots twists instigantes e bons ganchos para uma possível 2ª temporada.
Personagens
O ponto que pesa em Cursed e pode fazer o telespectador não se empolgar com a história é tanto o excesso de personagens e a construção de alguns que fica a desejar.
A atriz Katherine Langford mostra um grande esforço e uma dedicação imensa no papel de Nimue e isso é nítido. É uma personagem que carrega o fardo de ter a marca de uma maldição, a tristeza de ser rejeitada pela sua comunidade, a dor de perder a mãe e amigos, o desespero de ser perseguida e morta por aqueles que não aceitam quem ela é e ainda por ser responsável por um objeto desejado por todos. É muito bom vê-la se transformando na líder da resistência feérica e colocando a cara a tapa o tempo todo.
Mas por mais esforço que a atriz faça, sinto que, às vezes, a Katherine Langford não consegue alcançar a grandeza da sua personagem, o que faz perder o seu potencial. Uma coisa que incomoda bastante são as cenas de luta de Nimue e a forma desastrosa que ela segura espada. Se a espada faz o poder de Nimue ficar ainda mais forte e a deixa com mais força, podiam ter melhorado a postura da Katherine para segurar a espada, não é?
Outro ponto que é interessante em Cursed é a relação de poder que a espada tem na protagonista. Além de deixá-la mais forte, a espada desperta o lado sombrio das pessoas e com Nimue não seria diferente. A explicação sobre isso vem do passado de Merlin. Porém, falta uma energia e uma entrega maior da atuação para mostrar como a Nimue muda quando está com a espada.
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Quando Nimue vai para a cidade, ela conhece o jovem Arthur, um mercenário que trabalha com um grupo de capangas que fazem o famoso trabalho sujo. Ele é rebelde, mas mostra ser uma pessoa boa e de coração bom. É um personagem que tem o desejo de se tornar cavaleiro para recuperar a honra de sua família que foi perdida após a morte do pai. Arthur tem falhas e erra com a própria Nimue, mas consegue se redimir. É um personagem que ainda está longe de se tornar um rei e é legal ver o famoso da lenda arturiana ainda no início de transformação.
A relação dele com a protagonista é satisfatória, mas não te empolga a ponto de ficar torcendo para dois, muito menos shippar. A série acaba criando uma relação chatinha de “donzela que precisa ser salva pelo seu cavaleiro” e acaba forçando em alguns momentos, o que torna chato. Por mais que a trama se passe séculos atrás, é possível fazer uma personagem forte e que não precisa ser salva para este cenário. Entendem?
Junto a Arthur, conhecemos sua irmã, Igraine (Shalon Brune-Franklin), que mostra ser uma personagem fundamental e conhecemos a origem de uma figura importante na lenda arturiana. Com ela, a gente conhece a Abadia onde os paladinos ficam para se resguardar e, junto, conhecemos Iris (Emily Coates), que se torna uma arqui-inimiga de Nimue, que fica sempre à espreita.
O ponto forte da série são os paladinos vermelhos, pois são eles que dão aquele gás na trama e entrega bons antagonistas como o Padre Carden (Peter Mullan), o típico líder que só espalha ódio, mas manda os outros fazerem o trabalho sujo; e o Monge Choroso (Daniel Sharman), capanga dos paladinos que vai despertar repúdio no telespectador. A gente fica a temporada inteira sem saber nada sobre ele e descobre não só o nome verdadeiro como quem ele é realmente no último episódio, o que curti bastante.
A Pym (Lily Mewmark) e o Esquilo (Billy Jenkins) são melhores amigos de Nimue e, por mais que eles sejam coadjuvantes, eles conquistam seus espaços na história e cativam o público com sua espontaneidade e um lado cômico.
Em compensação, outros personagens aparecem para causar alvoroço e fazer volume para os exércitos contra e a favor de Nimue e Merlin. O personagem mais desnecessário, na minha opinião, é o Rei Uther (Sebastian Armesto), que mostra ser um rei infantilóide, não reina nada, não comanda nada e você fica boa parte da série sem saber o verdadeiro papel deste personagem na trama. Nem o Merlin o salva e sua subtrama tenta ser relevante, mas no fim das contas, poderia não existir.
Na mesma saga de reis, temos o Rei Rugen (Oláfur Darri Olafsson), rei dos leprosos, e seu único papel foi ser o guardião do fogo feérico que, rapidamente, o Merlin consegue manipulá-lo e roubar o fogo. O rei contrata um assassino para matar Merlin, mas também é um personagem super aleatório só para o Merlin ficar impotente no momento mais crucial da trama.
Por fim temos o Rei do Gelo (Johannes Haukur Johannesson) da família Cumber, que deseja ocupar o trono do Rei Uther e a Lança Vermelha que lidera o grupo dos piratas. Eles acabam sendo um adicional que vai contribuir em algumas cenas, principalmente no embate do último episódio.
Depois me digam o que acharam da nova série Cursed nos comentários e nas redes sociais.
Ficha Técnica
Cursed
Criação: Tom Wheeler e Frank Miller
Elenco: Katherine Langford, Gustav Skarsgard, Devon Terrell, Daniel Sharman, Sebastian Armesto, Matt Stokoe, Lily Newmark, Shalom Brune-Franklin, Emily Coates, Billy Jenkins, Bella Dayne e Peter Mullan.
Duração: 10 episódios (1 hora de duração)
Nota: 7,0
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