Posso dizer que a mais nova minissérie da Netflix é simplesmente hipnotizante do começo ao fim, com uma história rica e forte, cenários simples e bonitos, personagens que cativam instantaneamente, uma excelente protagonista e um final que vai te emocionar. Que tal ouvir a palavra de O Gambito da Rainha?
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Adaptado do livro de Walter Tevis, de 1983, com o mesmo nome, e criado por Scott Frank (Godless), O Gambito da Rainha (The Queen’s Gambit) conta a história de Elizabeth Harmon, uma menina órfã que se revela uma garota prodígio no jogo de xadrez. Aos 22 anos, ela precisa enfrentar grandes conflitos internos e seu vício para conseguir se tornar a enxadrista número 1 do mundo. Quanto mais Beth aprimora suas habilidades no tabuleiro, mas a ideia de fuga lhe parece tentadora.
O que torna a minissérie tão fabulosa de assistir? Em primeiro lugar, é importante saber que a série é baseada em um livro e não uma história real. Beth Harmon não existiu, porém, a ideia do autor era criar uma personagem em “homenagem às mulheres inteligentes”, “mulheres que tinham que esconder seus cérebros, mas não mais”.
Aqui, temos uma narrativa quase 100% linear, ou seja, a primeira cena temos Beth correndo para participar de uma grande competição, revelando ser bastante conhecida na mídia, assim como o seu vício. A cena é cortada, voltando para o momento em que a protagonista ainda era jovem.
O Gambito da Rainha se passa nos anos 50 e 60 em um mundo dominantemente masculino, e acompanha as fases de Beth, desde o momento em que é levada para o orfanato, após a morte da mãe, até se tornar uma mulher independente e grande jogadora de xadrez. A série não tem a pretensão em apresentar uma narrativa trabalhosa e enrolada de entender, pelo contrário, o roteiro se mantém na zona de conforto para que o espectador possa, de fato, apreciar o que realmente importa: a história e a construção da personalidade de Beth Harmon.
A minissérie contém sete episódios de quase 1 hora que podem ser assistidos aos poucos, ou em uma maratona, vai da opção de cada um, no entanto, o público não vê o tempo passar de tão hipnotizante que a trama é.
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Assim, os episódios retratam as diversas fases de Beth: sua jornada no orfanato, o que dá início à sua paixão ao xadrez, quando ela passa a aprender a jogar com o zelador Sr. Shaibel, ensinando as técnicas básicas e principais, além de todo o conceito do tabuleiro e das peças, o que é algo fascinante de acompanhar, além da química e relação metafórica de “pai e filha” que cresce na trama; o início do vício da garota, que passa a tomar remédios para dormir; a fase em que é adotada por um casal em que ela cria um laço mais forte de cumplicidade com a mãe adotiva; a progressão da garota no jogo de xadrez, os campeonatos que ela participa, os olhares que Beth atrai, os fortes concorrentes com quem disputa e aprende muito com o jogo deles; o auge e o declínio de Beth Harmon ao se deparar com obstáculos maiores, além de lidar com vício e outros conflitos internos; e, por fim, o grande xeque-mate que define a carreira e a vida de Beth Harmon.
Protagonista
Beth Harmon ganha uma excelente interpretação de Anya Taylor-Joy que não fica nada a desejar. A personagem dá a entender que, em vários momentos, vai se tornar uma grande rebelde diante de tudo o que passou, no entanto, ela se adapta aos estilos de vida ao longo dos anos, e isso é mostrado nas relações que passam na sua vida, como com a amiga do orfanato Jolene, a mãe adotiva Alma, e os concorrentes dos campeonatos que fazem a diferença em sua vida.
Beth tem a sua porcentagem de teimosia e isso é bem retratado na série, mas ela tem ousadia, esperteza e inteligência que torna a sua genialidade única, além de construir uma independência forte que dá gosto de acompanhar ao longo dos episódios.
Mas assim como genialidade, a vulnerabilidade cresce junto a partir do vício de remédios e álcool que caminham com ela praticamente o tempo todo, o que faz o declínio da protagonista aparecer em vários momentos e a luta para tentar sair dessa situação, afim de não perder o seu dom: jogar xadrez.
Beth é uma personagem rica e complexa, cujas camadas vão transparecendo quando não só acompanhamos a sua jornada como jogadora, como também descobrimos sobre o seu passado, a relação com a mãe biológica e quem era a mãe, de fato.
O que é vulnerável também se torna algo forte para Beth, uma vez que o uso de remédio a faz criar o seu palácio mental do jogo de xadrez, criando em sua mente o tabuleiro e estudando cada jogada, cada peça e cada movimento mentalmente, retratado em um excelente visual imaginário que a personagem faz. A atriz Isla Johnston que faz a jovem Beth também está ótima no papel.
Jogo de xadrez
Pode ser que muitos se questionem se O Gambito da Rainha retrata bem o jogo de xadrez. Por ser extremamente leiga no assunto, posso dizer que a dinâmica dos jogos é boa, os cortes das cenas são dinâmicos para mostrar as estratégias e as jogadas rápidas no tabuleiro. Os diálogos explicam bastante o tipo de estratégia, jogo e movimento que estão realizando nos jogos. Por não entender de xadrez, eu gostei da forma como é mostrado, mas também questionei se era do jeito certo.
Talvez quem realmente entenda de jogo xadrez tenha um olhar afiado e capte os erros e acertos dessas cenas e das explicações. O que eu sei é que a minissérie contou com a consultoria de duas lendas do esporte: Garry Kasparov e Bruce Pandolfini.
Personagens
Os personagens coadjuvantes não ficam a desejar e agradam a maior parte do tempo. Alma (Marielle Heller) cria uma ótima química de mãe adotiva e filha, com um laço de amizade, cumplicidade e maternidade. Ela passa a viver uma vida melhor através de Beth e apoia 100% na carreira de enxadrista, mesmo não entendendo nada, e ainda assim, dá os melhores conselhos de vida e percepção para Beth. Infelizmente não curti muito o desfecho da personagem, ela merecia mais.
Thomas Brodie-Sangster é Benny Watts, um dos fortes jogadores e concorrentes de Beth, mas que ao longo do tempo, também se torna cúmplice da protagonista e ótimo mentor. Assim como ele, Harry Beltik (Harry Melling) também cria um laço de amizade com Beth, como também foi o primeiro desafio da garota.
Jolene (Moses Ingram) é a primeira amizade de Beth no orfanato, cria-se um laço no início que fará a diferença no final. Outro personagem que também faz a diferença na vida de Beth é Sr. Shaibel (Bill Camp), o primeiro mentor da garota e uma pessoa que é constantemente lembrada na minissérie, especialmente no último episódio que, por sinal, emociona.
O Townes (Jacob Fortune-Loyd) é quem desperta o lado sentimental de Beth, que a faz ter descobertas sobre o amor e sexo.
Considerações finais
É na reta final que a série chega a fatídica cena que vemos no primeiro episódio e, assim, descobrimos o que de fato aconteceu no campeonato mais esperado da história e, é claro, de Beth.
O Gambito da Rainha entrega um desfecho muito bom, redondo e que emociona bastante, entregando uma última cena que mostra um novo começo, uma nova jornada chegando para a protagonista. Quem sabe, uma segunda temporada? Tudo é possível.
O Gambito da Rainha retrata a vida de uma garota que se torna mulher em meio a genialidade e vulnerabilidade da vida, a dominação masculina da sociedade dos anos 50 e 60, com altos e baixos, mas sempre ressaltando a força e a independência da protagonista em sua jornada para se tornar a número 1 no jogo de xadrez. Uma minissérie em que você dá o xeque-mate instantaneamente.
Ficha Técnica
O Gambito da Rainha
Direção: Scott Frank
Adaptação da obra de Walter Tevis
Elenco: Anya Taylor-Joy, Thomas-Sangster, Bill Camp, Marielle Heler, Moses Ingram, Harry Melling, Chloe Pirrie, Marcin Dorocinski, Matthew Dennis Lewis, Russell Dennis Lewis, Isla Johnston, Jacob Fortune-Lloyd, Patrick Kenndy e Christiane Seidel.
Duração: 7 episódios (60min aprox.)
Nota: 9,0