Mindhunter já pode entrar para a lista de ótimas séries para assistir, pois a nova leva de episódios só prova o quanto esse programa é refinado e traz um roteiro inteligente e impecável. Mesmo com dois anos de hiato, é possível garantir que a espera valeu a pena.
Baseado no livro Mind Hunter: Inside the FBI’s Elite Serial Crime Unit, escrito por John E. Douglas e Mark Olshaker, a nova série original da Netflix produzida por David Fincher e Charlize Theron nos entregou uma 1ª temporada formidável e, agora, a 2ª temporada de Mindhunter se aprofunda no estudo da mente do criminoso não só para dar continuidade à construção do perfil dos assassinos em série, mas também para colocar tal conhecimento em prática, ponto principal desta nova trama.
A narrativa de nove episódios de quase uma hora continua propondo em dar aos telespectadores uma visão acadêmica e científica em criar uma metodologia para entender o comportamento e a mente dos psicopatas/assassinos. No entanto, o manual iniciado na 1ª temporada ganha mais desenvolvimento e é utilizado para a nova subtrama da série, no caso, a investigação das mortes em Atlanta.
Crítica da 1ª temporada de Mindhunter
Vale lembrar que Mindhunter é uma série que não tem ação, cenas agitadas, com lutas, tiros e bombas. Seu desenvolvimento é lento, mas não quer dizer que seja cansativo. A ideia é desenvolver uma história a partir do estudo de uma mente específica, algo que a produção, o roteiro e o elenco fazem com maestria. A ação se encontra na investigação e nos métodos diretos que o FBI utiliza para encontrar o culpado e traçar o seu perfil, um olhar não muito bem aceitável pelas demais autoridades e governos nesta época, tornando-se um ponto muito interessante que a série sabe construir, sendo importante para o telespectador tomar conhecimento.
Outro fator que a série não perde a mão são os diálogos complexos e intrigantes, desde uma conversa entre os personagens dentro de um carro ou tomando café, até as entrevistas pesadas com os assassinos na prisão.
Novas entrevistas
Nesta 2ª temporada o público acompanha novas entrevistas mediadas por Holden, Bill e, desta vez, também com a Dra. Wendy Carr. No entanto, tais entrevistas ficam em segundo plano, servindo de apoio para o caso de Atlanta. Novamente temos mais uma ótima conversa com Ed Kemper (Cameron Britton) e novas entrevistas com David Berkowitz (Oliver Cooper) – conhecido como ‘The Son of Sam’, Elmer Wayne Henley Jr (Robert Aramayo), William ‘Junior’ Pierce (Michael Filipowich) e a famigerada entrevista com Charles Manson e Tex Watson. Todas as conversas chamam a atenção, desenham cada situação moldada pelo assassino, seus métodos, pensamentos e manipulação, além de contribuir cada vez mais à construção do manual do perfil. Destaque para as entrevistas de Junior, Manson e Tex. Apenas assistam.
A mente de Charles Manson
Um momento bastante esperado desta temporada de Mindhunter é a entrevista com Charles Manson, que ganha uma interpretação formidável de Damon Herriran que, por sinal, também interpreta o mesmo personagem no filme Era Uma Vez Em Hollywood. O fator que leva os detetives a entrevistá-lo, além do assassinato brutal Tate-LaBianca, é tentar entender a sua mente e como ele se encaixa neste manual, uma vez que seu perfil é de mentor e mandante dos assassinatos e não, de fato, de um assassino, um ponto bem interessante a se pensar. Durante a entrevista, o personagem inicia a conversa com calma, progredindo para exaltação, excesso de palavras e manipulação da mente a ponto de deixar os agentes desconfortáveis, especialmente Bill. Impossível não ficar preso a este episódio.
Já a entrevista com Tex Watson (Christopher Backus), um dos seguidores de Charles Manson e, de fato, a pessoa que tem o sangue das vítimas nas mãos, entrega uma entrevista calma, nua, crua e minuciosa que ajuda o telespectador a desenhar toda a história real na mente, o que é algo medonho e, ao mesmo tempo, fascinante. Caso você não conheça a história, sugiro que você pesquise e leia sobre o caso do assassinato de Sharon Tate e Leno e Rosemary LaBianca.
Caso Atlanta
Uma das tramas que começa engatinhando e ganha bastante espaço nesta 2ª temporada é o caso dos 28 assassinatos de crianças e adolescentes afro-americanas, que ocorreram em Atlanta, capital da Geórgia, entre 1971-1981. A série não entrega detalhes explícitos nas cenas, mas descreve pelos diálogos a brutalidade das mortes e as pistas deixadas que desenham a assinatura e o possível perfil do assassino. Quando o FBI é chamado para ajudar no caso, tanto a polícia local quanto outras autoridades, como o prefeito e, até mesmo, a população da cidade, têm dificuldades de entender e aceitar os métodos e a forma sem filtro de Holden e Bill ao lidar com o caso, introduzindo os conhecimentos sobre serial killers. Enquanto eles acreditam que um perfil em específico esteja por trás das mortes, as mães, familiares e amigos em luto acreditam que a Ku Klux Klan (KKK) sejam os responsáveis, o que o deixam com sede em achar o culpado, batendo de frente constantemente com as autoridades. Sinceramente? Não tem como não ficar do lado da população e não se solidarizar com a dor e o sofrimento e sentir irritação com a manobra política ao tentar encobrir os assassinatos a fim de não atingir a economia e o turismo da cidade.
E é possível saber que o FBI – mesmo tendo aceito o caso apenas por status – está traçando um caminho certo, mas sem saber quando chegará ao fim. Quem conhece está história real sabe que não há um desfecho muito agradável e justo, inclusive a série relata isso ao final da temporada, com um suspeito preso, mas deixando no ar muitas dúvidas e questionamentos.
Quem é BTK?
Afinal, quem é BTK? As iniciais são ‘Bind, Torture, Kill’, que significa ‘amarrar, torturar e matar’, apelido criado pelo próprio assassino Dennis Rader, sobre o seu padrão de ataque que fazia parte da sua assinatura. A história do serial killer ganha mais cenas, mas não progride tanto quanto se espera. O público descobre qual é o seu desvio – pelo olhar perturbado de sua esposa – que o faz matar mulheres, traçando mais um pouco o seu perfil e ajudando a entender melhor os demais assassinos como, por exemplo, o fato deles retornarem ao local onde matou a vítima, e também que eles conseguem se infiltrar na sociedade, tornando-se invisível aos olhos da polícia e retratando um perfil com caráter pleno, um homem de família e trabalhador.
Progressão dos mindhunters
Jonathan Groff retorna como o agente Holden Ford que ganha um pouco menos de notoriedade, se comparado ao seu destaque na 1ª temporada. Mas nem por isso ele fica para trás e entrega um Holden persistente, teimoso, sem filtro, insistente e com opinião forte. Isso o pode torná-lo um pouco irritante e perigoso para os casos, a ponto de Bill e Wendy terem que ‘cuidar’ dele? Sim, mas são essas características que fazem os casos e as entrevistas progredirem, ganharem conteúdo e status que, consequentemente, dá um grande gás no estudo da mente do criminoso. Holden é uma pessoa que precisa ouvir as coisas ‘na lata’ para mudar sua visão e pensamento, um ponto que ajuda a entender melhor o personagem.
Quem se destaca nesta 2ª temporada de Mindhunter é Bill Tench, interpretado por Holt McCallany. A série destrincha o personagem ao dividi-lo em várias tarefas dentro do FBI – como viajar para as entrevistas, dar aulas, ser contratado para falar com as demais autoridades, cuidar do caso de Atlanta, vigiar Holden e, ainda, lidar com um caso muito estranho em sua casa. Bill descobre que seu filho presenciou a morte de uma criança, criando o questionamento sobre o garoto ser inocente ou cúmplice desta tragédia. As cenas do menino são inquietantes, perturbadoras e um pouco sombrias, uma vez que ele não fala e nem reage, regride no comportamento e tem um olhar penetrante. Será que a proposta da série é mostrar o perfil de um psicopata que inicia ainda na infância? A visão embaçada da mãe em não querer aceitar toda a verdade e o medo de Bill também podem ser aspectos deste possível perfil? Fica aí algo a se pensar.
Anna Torv ganha mais espaço nesta temporada, revelando mais o lado pessoal, a sexualidade e o crescimento profissional da Dra. Wendy Carr, uma vez que ela passa a fazer as entrevistas enquanto Holden e Bill estão em Atlanta. No entanto, o FBI tenta podá-la, algo que pode ser visto negativamente, já que tal progressão no trabalho e o engate com as entrevistas ganham um olhar feminino e novas perspectivas para a vida pessoal de Wendy. Vamos ver como essa situação vai ficar, caso a série tenha uma nova temporada.
Considerações finais
A 2ª temporada de Mindhunter é menos introdutória e mais crua na narrativa ao usar os conhecimentos sobre serial killers nos novos casos desenvolvidos. Mesmo lenta, a trama continua prendendo a atenção do público com as entrevistas complexas, os diálogos instigantes, as subtramas sombrias e misteriosas e um elenco de ponta que não fica a desejar em nenhum momento. Agora é torcer para que a série seja renovada para 3ª temporada.
Ficha Técnica
Mindhunter
Criado por: Joe Penhall
Direção: David Fincher, Carl Franklin, Andrew Douglas, Asif Kapadia, Tobias Lindholm e Andrew Dominik.
Elenco: Jonathan Groff, Holt McCallany, Anna Torv, Stacey Roca, Zachary Scott Ross, Albert Jones, Cameron Britton, Sonny Vallicenti, Damon Herriman, Lauren Glazier, Sierra Aylina McClain, Joe Tuttle, Michael Filipowich, Oliver Cooper, Corey Allen, Christopher Backus e Robert Aramayo.
Duração: 2ª temporada – 9 episódios (60min apróx.)
Nota: 9,0