Espíritos Obscuros (Antlers) é mais um terror que sabe entreter na medida certa, mesmo com algumas observações. O filme apresenta uma criatura medonha que instiga a curiosidade em uma trama interessante que ganha um desenvolvimento lento e premeditado na qual os passos dos personagens se tornam previsíveis levando a um final satisfatório. Apesar de algumas ressalvas e circunstâncias convenientes, a história não fica tão a desejar no fim das contas.
Baseado no conto The Quiet Boy de Nick Antosca, dirigido por Scott Cooper e produzido por Guillermo del Toro, Espíritos Obscuros acompanha Lucas, um garoto do ensino fundamental muito introspectivo e que sofre bullying na escola. Para complicar, o jovem carrega um segredo medonho que chama a atenção da professora Julia que, ao identificar os maus tratos do aluno e o que se passa dentro de casa, ela inicia uma investigação que leva ambos para encontros aterrorizantes com uma criatura que assombra e deixa rastros sangrentos na cidade isolada do estado de Oregon. Para entender e colocar um ponto final nisso tudo, Julia terá que conquistar a confiança de Lucas e contar com a ajuda do irmão Paul, xerife da cidade.
Espíritos Obscuros ganha uma narrativa linear e sem grandes ousadias em seu roteiro cujo desenvolvimento acaba sendo premeditado em determinados momentos, uma vez que a cena inicial já indica o que irá acontecer daqui para frente. Claro que se alguém acompanhou as divulgações do filme (trailer, sinopse e outros detalhes) ficará mais fácil de identificar os elementos utilizados na trama. Além disso, o fato de assistir e conhecer as artimanhas do gênero terror também ajuda a prever uma parte da história.
Por ter uma trama um pouco previsível, Espíritos Obscuros entrega uma narrativa cujo ritmo é gradativo e lento em que vamos ver o passo a passo dos personagens principais rumo à fatídica verdade por trás deste horror que assombra a cidade com circunstâncias convenientes que aumentam os obstáculos e, obviamente, injetam os famosos clichês de horror que, são visíveis, mas não incomodam tanto assim. Mas isto irá da opinião de cada um que assistir ao filme.
Interpretada por Keri Russell, de um lado temos uma professora que passa a se preocupar o aluno da escola de uma forma nada convencional. Por ter um passado sombrio marcado por abusos na infância, Julia acaba se identificando com o problema de Lucas, o que a faz não desistir do menino. Por um lado, tal ajuda é aceitável em determinado ponto, porém, carregar todo fardo que não lhe pertence acaba soando um pouco forçado, tornando-se ainda plausível na forma como a história termina.
Ainda na linha das conveniências, temos o xerife da cidade, irmão da protagonista que ganha uma interpretação satisfatória do ator Jesse Plemons que, ao se deparar com as mortes horrendas pela cidade em um caso que ganha proporções cada vez mais sobrenaturais, o personagem traz aquele viés cético que bate de frente com a lenda por trás do mal que assola o local e deixa vítimas pela floresta de um jeito medonho. Ou seja, temos uma figura mítica se tornando real enquanto o personagem que representa a autoridade e segurança se repele daquilo que não quer acreditar até, de fato, ficar frente a frente com o mal. Interessante, porém clichê.
Já o ator Jeremy T. Thomas entrega uma interpretação muito boa como Lucas. Mais do que introspectivo, o personagem tem um semblante exaustivo de carregar um segredo sombrio nas costas, além dos maus tratos por sofrer bullying na escola do garoto Clint, a solidão constante, uma vez que a mãe já é falecida e o pai e o irmão se encontram em condições completamente fora do normal, adicionando a difícil tarefa de conseguir comidas peculiares para satisfazer tal segredo e evitar que o pior aconteça. É uma mistura de sofrimento mental e físico em que o ator consegue transmitir na tela em suas expressões e com poucos diálogos.
Qual é a lenda?
Afinal, o que realmente desencadeia todo o mal em Espíritos Obscuros? Logo no início, vemos o pai e o irmão de Lucas – Frank e Aiden (Sawyer Jones) – passarem por uma situação sobrenatural. Prestes a terminar um trabalho, Frank (Scott Haze) e o colega são atacados por algo estranho dentro de uma mina. Logo em seguida, vemos o filho mais novo entrar no local, já indicando que o pior irá acontecer com ele também.
Quando o filme entrega que ambos ainda estão vivos, o espectador compreende parte do segredo de Lucas: o garotinho esconde que pai e irmão estão mais do que doentes e, sim “possuídos” por um mal que necessita ser alimentado, o que faz o Lucas caçar por animais mortos pela cidade para evitar que os dois passem fome. Mas qual a necessidade de alimentá-los desta forma e a razão para eles estarem transformados?
Quando o filme entrega a primeira reviravolta em que Frank mata a diretora da escola e come a carne humana, transformando-se em uma grande criatura medonha, o roteiro finalmente descreve toda a lenda por trás deste horror pela explicação que o ex-xerife da cidade, Warren Stokes (Graham Greene), dá para Julia e Paul. Por ser um personagem que apresenta a chave para derrotar o mal, Warren deveria ter sido melhor aproveitado aqui no longa, já que ele é quem realmente conhece tal mitologia, mas infelizmente isso não acontece.
Ao revelar a verdade por trás das mortes macabras na cidade, tanto o público quanto os protagonistas descobrem sobre a Lenda de Wendigo, uma mitologia das tribos indígenas americanas, na qual uma criatura devoradora de homens ganha uma aparência semelhante a um cervo e um espírito maligno. Daí é possível entender o título do filme Antlers e a tradução para Espíritos Obscuros.
É aqui que o toque de Guillermo del Toro é identificado, uma vez que sua produção entrega uma criatura medonha, horrenda e assustadora no formato de um cervo maligno cuja aparência é revelada aos poucos, sendo totalmente vista apenas no final.
Wendigo significa ‘ganância’ e tal mal é conhecido como uma criatura destrutiva e canibalista associada ao inverno, frio e à fome. Ele pode se manifestar de várias formas, mas sempre em primeiro lugar como um espírito que necessita de um hospedeiro para se alimentar e ressurgir, como vemos na cena em que Frank é possuído.
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Wendigo traz a mensagem de que se alguém invadiu um território não autorizado, ele irá consertar a situação. No entanto, Espíritos Obscuros não deixa isso claro na história, apenas citando a cena em que Frank trabalha nas minas. Seria apenas isso? Se for, o que há nas minas ao ponto de não poder ser encontrado ou tocado? Infelizmente o filme não traz essas respostas às claras, fazendo uma conexão mais detalhista com a lenda por trás deste ser espírito maligno.
Final explicado
Espíritos Obscuros entrega um final que caminha em um ritmo previsível, mas acaba surpreendendo um pouco no último minuto. Ao descobrir como eliminar o ser maligno a partir explicação dada por Warren, Julia segue sendo a única a acreditar em tal mitologia a fim de socorrer o Lucas que está prestes a se entregar totalmente ao mal, uma vez que o garoto tenta proteger o irmão, já que o pai morre no instante em que a criatura é libertada.
Somente depois de ser ferido e ver o colega de trabalho morto é que Paul finalmente acredita na lenda e, mesmo muito machucado, ele consegue sobreviver enquanto a irmã coloca um ponto final na situação.
Ciente de como eliminar o mal, Julia protege Lucas e dá um fim no espírito maligno ao atingir e separar corpo e coração pulsante que faz a lenda ficar viva. Para eliminar o mal de uma vez por todas, Julia também mata o irmão mais novo de Lucas, uma vez que ele também se tornou hospedeiro podendo ressuscitar o mal a qualquer momento.
Sem pai e irmão, Lucas fica sob os cuidados de Julia que promete proteger o garoto até ter certeza de que tudo ficará bem, cogitando a ideia de ficar com o menino, uma vez que ambos se identificam com relação à família e a um passado traumático.
No entanto, é a última cena que entrega mais um plot twist dando o famoso final duvidoso. No desfecho, vemos que Paul sobrevive ao ataque do cervo maligno, porém o personagem fica com resquícios do mal dentro de si, já que ele passa a tossir uma gosma preta, indicando que ele será o mais novo hospedeiro deste ser maligno em breve.
Considerações finais
Espíritos Obscuros traz uma história interessante em um ritmo mais lento e um desenvolvimento premeditado e um pouco conveniente, apresentando uma mitologia instigante que poderia ter sido mais desfrutada na trama. Mesmo carregando alguns clichês em suas personalidades, os personagens são bons, mas poderiam ter ganhado uma ousadia maior nas ações, cujo final é previsível, mas ainda surpreende com um desfecho duvidoso.
Mesmo não sendo um excelente filme, Espíritos Obscuros é um bom terror que vale a pena conhecer ao menos uma vez.
Ficha Técnica
Espíritos Obscuros
Direção: Scott Cooper
Produção: Guillermo del Toro
Elenco: Keri Russell, Jesse Plemons, Jeremy T. Thomas, Scott Haze, Graham Greene, Sawyer Jones, Amy Madigan, Rory Cochrane, Cody Davis, Dorian Kingi, Andy Thompson, Glynis Davies, Ken Kramer e Arlo Hajdu.
Duração: 1h39min
Nota: 6,9