Dois Papas (Two Popes) é mais do que um filme sobre duas grandes figuras intocáveis do Vaticano, é uma aula de interpretação muito bem ministrada em tela por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce, trazendo o auge de suas performances sobre os bastidores de uma das mais dramáticas transições de poder nos últimos 2000 anos. É um filme longo, mas não cansativo, que prende a atenção do público não só pela excelente atuação de uma dupla imbatível do cinema, como também entrega um ótimo roteiro cujo trabalho de diálogos é de excelência.
Dirigido por Fernando Meirelles (Cidade de Deus), Dois Papas detalha o que há por trás das paredes do Vaticano desde a escolha do Papa Bento XVI, sua renúncia e, finalmente, o novo Papa Francisco. Na trama, frustrado com a direção da Igreja, o cardeal Bergoglio pede permissão ao papa Bento XVI para se aposentar em 2012. Em vez disso, enfrentando escândalos e sua própria insegurança, o introspectivo papa chama seu maior crítico e futuro sucessor a Roma para revelar um segredo que abalaria os alicerces da Igreja Católica. O que se vê dentro dos muros do Vaticano, então, é a disputa entre a tradição e o progresso, a culpa e o perdão, e dois homens muito diferentes confrontando seus passados em busca de terreno comum para forjar o futuro de um bilhão de seguidores em todo o mundo.
Dois Papas se engrandece como obra de arte por saber fazer dar certo um filme que se apoia em apenas dois personagens, um roteiro íntimo e detalhado e diálogos que dão a entender que o público está acompanhando dois grandes amigos que conversam, trocam confidências, confessam culpas e inseguranças, enfatizam escolhas, pensamentos, conceitos e opiniões, mas a verdade é que estamos diante de duas figuras inatingíveis em que o longa aproxima o telespectador e mergulha com intimidade, veracidade, dureza e simpatia, retratando o lado humano de dois homens com grande poder sobre a fé e a humanidade nas mãos.
Logo no primeiro ato, o público acompanha os acontecimentos que antecedem à nova escolha do Papa. Com a morte de João Paulo II, o Vaticano se prepara para a votação e a cena traz um bom esclarecimento visual sobre como é feita tal escolha, os nomes a serem votados, as conversas e manejos sobre os votos entre os cardeais e o mecanismo de votação que são pontos interessantes e curiosos de acompanhar. Se você nunca soube como é isso, o filme lhe dá a chance de tomar este conhecimento. Sendo assim, eis que temos Joseph Aloisius Ratzinger, o Papa Emérito e Romano Pontífice Emérito da Igreja Católica, que ficou no posto de 2005 a 2013, sendo que o cardeal Bergoglio ficou em segundo lugar, com uma pontuação mínima de diferença.
A partir daqui o filme dá um salto para 2012, em que acompanhamos problemas, protestos, escândalos e discrepâncias dentro do Vaticano e como a população enxergava tudo isso. É aqui que o público adentra pelos corredores do local e da Casa de Verão, na Itália, para saber de verdade quem é Joseph Ratzinger e Jorge Mario Bergoglio.
Crítica – O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio
Muitas das cenas de Dois Papas se passam apenas com Anthony Hopkins e Jonathan Pryce que, como havia dito no início, dão uma aula de interpretação. Com a câmera sempre focada em seus rostos e olhares, e caminhando junto a eles (faz lembrar da forma como a série The Office era gravada) – entre os modos zoom in e zoom out – acompanhamos toda a jornada de cada um por meios de várias conversas divididas entre discussões sobre valores, progressos, conservadorismos e diferenças, em que o cardeal Bergoglio se assume crítico do Papa, enquanto Bento XVI o questiona, indaga sobre a forma como ele enxerga o progresso, o que faria caso fosse o escolhido, o que mudaria ou não, o tipo de força que ele teria diante do futuro de milhões de seguidores.
Mas quando a conversa curva para o lado mais íntimo e revelador, o público se depara não só com o passado dos personagens que o moldaram para serem o que são hoje, mas também se depararam com camadas em desconstrução, retirando o poder e enfraquecendo o termo da ‘figura inalcançável’ para conhecer o lado humano e vulnerável deles.
A partir do segundo ato, o público volta ao passado para saber quem é Jorge Bergoglio, como ele escutou a voz de Deus e escolheu o caminho para servir à Igreja e espalhar a fé aos demais. Bergoglio passou pela ditadura na Argentina, um momento que mudou por completo sua vida, seu rumo e, é claro, um fato que ele carrega em suas costas até hoje, algo que o faz pensar e repensar sobre suas ações nos dias de hoje. Não entrarei em detalhes para não dar spoiler. Entre uma confissão e outra, o público também se depara com as inseguranças de Joseph/Bento XVI, seus arrependimentos, erros e pecados durante o seu papado. Infelizmente o filme não mostra mais detalhes sobre o passado de Bento, como fez com o de Bergoglio, mas também não fica a desejar.
Por se estender nestas cenas mais significantes e profundas tanto em discussões sobre valores e pensamentos distintos, quanto o passado conturbado e forte, para que o filme não entrasse em modo cansativo, a história traz mais pontos informais e pessoais, justamente para aproximar ainda mais o público dos personagens, como por exemplo, o amor que o cardeal Bergoglio tem por futebol, especialmente pela seleção argentina; sua admiração pelas músicas do grupo ABBA; o talento para dançar tango; o dom de Bento XVI ao tocar piano e seu excelente conhecimento sobre música; ambos se deliciando com uma boa pizza e um copo de refrigerante comprados na rua. São esses detalhes que, por mais simples que sejam, aproximam para criar um laço afetivo e de empatia com o público, além de trazer um alívio cômico brando e na medida certa.
A partir do momento em que o roteiro fortalece a química entre os personagens, aproxima o público, revela o passado de cada um, mergulhando nas inseguranças e nos questionamentos, é que o filme vira a chave e mostra que tudo o que vimos não é uma mera coincidência. Para tudo há um motivo e são estas circunstâncias que levam os protagonistas aos rumos definitivos em que já sabemos como termina na história real.
Considerações finais
Dois Papas faz um retrato sincero sobre os bastidores do Vaticano e as figuras do Papa Bento XVI e o futuro novo Papa Francisco. Mas o que encanta, emociona e prende a atenção é o retrato sincero, íntimo, verdadeiro e vulnerável sobre o lado humano e a amizade de Joseph Ratzinger e Jorge Bergoglio. É um filme para conhecer, ganhar conhecimento e admirar.
Ficha Técnica
Dois Papas
Direção: Fernando Meirelles
Elenco: Anthony Hopkins, Jonathan Pryce, Juan Minujín, Sidney Cole, Thomas D Williams, Federico Torre e Lisandro Fiks.
Duração: 2h5min
Nota: 8,9
*O filme foi assistido durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Estreia dia 20 de dezembro na Netflix.