A Disney tem um catálogo incrível de vilões e, agora, com a era dos remakes, o estúdio traz uma boa releitura clássica em live-action de Cruella, a icônica vilã de 101 Dálmatas. Estrelada por Emma Stone (La La Land), Cruella chega nos cinemas e no Disney Plus com Premier Access, ou seja, com um custo adicional de 69,90. Após um período de 45 dias, o longa entra no streaming para todos os assinantes em meados de julho.
Se tem personagens que nos despertam curiosidade e intrigam pelo desejo de descobrir a razão que os tornaram maus e indesejáveis, são os vilões e as vilãs. Cruella acerta em cheio ao trazer uma história de origem do zero que explica com detalhes e mexe com as emoções do espectador a respeito de como uma mulher se tornou o grande terror dos dálmatas. Já adianto que a live-action não é um remake da animação, mas arrisco dizer que o filme é uma espécie de prequel em que vamos conhecer a antagonista cuja trama traz referências e easter eggs da história original.
Com ótima direção de Craig Gillespie – conhecido por dirigir Eu, Tonya – Cruella é ambientado na Londres dos anos 70, em meio à revolução do punk rock, e acompanha a jovem vigarista Estella, uma garota inteligente e criativa determinada a fazer seu nome através de seus designs. Ela faz amizade com uma dupla de jovens ladrões e, juntos, constroem uma vida para si nas ruas de Londres.
Um dia, o talento de Estella para a moda chama a atenção da Baronesa Von Hellman, uma lenda fashion que é devastadoramente chique e assustadora. Mas o relacionamento delas desencadeia uma série de eventos e revelações que farão com que Estella abrace seu lado rebelde e se torne na famosa Cruella má, elegante e voltada para a vingança.
Uma história de origem
O primeiro ponto positivo é que o filme relata do zero a história de Cruella desde a infância até a fase jovem adulta com o intuito de explicar com detalhes a construção de uma personalidade dúbia que faz o público conhecer os dois lados da protagonista e compreender a ascensão da persona que carrega o seu lado maquiavélico.
Desde pequena, Estella é uma garota astuta e extremamente inteligente que carrega o talento da moda no sangue por conta da paixão de sua mãe pelos tecidos e designs, algo nutrido na relação das duas. Mas, após um grande evento traumático ainda na infância, Estella encontra refúgio, abrigo e segurança ao lado dos jovens Gaspar e Horácio, que tornam sua família e parceiros de golpes, em que a experiência e a habilidade para o roubo crescem conforme os planos mirabolantes ganham engenhosidade em nome da sobrevivência e do prazer de furtar e adquirir status.
É por conta deste momento triste e marcante do passado que o público começa a entender o sentimento de repulsa que Cruella nutre por dálmatas, mas isso não significa que ela não goste de cachorros, uma vez que ela e os rapazes tem a sua dupla de cachorros de estimação que, por sinal, roubam a cena várias vezes e o espectador se apaixona instantaneamente pelos cãezinhos.
Ser mal ou tornar-se mal? Eis a questão!
A live-action trabalha bem a construção sobre a maldade a partir da dualidade da protagonista. Uma pessoa nasce má ou se torna má conforme o tempo passa? Esta é uma questão desenvolvida e discutida ao longo da trama à medida que o público acompanha as duas facetas da personagem.
De um lado conhecemos Estella que, desde pequena, é agressiva e avessa às regras como vemos nas cenas na escola em que a garota não dispensa uma briga, muito menos deixa de confrontar quem lhe provoca e incomoda. Já adulta, ela usa da sua inteligência e expertise sobre moda para elaborar ótimos golpes, desde pequenos furtos de carteira até roubos de joias. Com a narrativa da própria protagonista, o filme deixa claro que a personagem sempre teve uma inclinação à psicopatia na qual ela lutava contra em nome do amor à mãe, mas era uma questão de tempo e o gatilho certo para que tal semente começasse a crescer.
Quando a busca por uma vingança começa, Cruella aparece em cena aflorando ainda mais as características boas de Estella, mas também despertando a psicopatia da personagem que é desenhada em suas atitudes mais agressivas, em um estilo mais provocativo que manifesta sua rebeldia vingativa e impiedosa.
Outro ponto interessante é que a live-action desafia os sentimentos do espectador e o faz torcer por Cruella em alguns momentos justamente por tudo o que ela passou e quem ela era. No entanto, os eventos traumáticos não justificam a escolha de tornar-se uma pessoa má, muito menos suas ações duvidosas, cruéis e imperdoáveis que viriam acontecer em um futuro que conhecemos na história original.
A vingança está na moda
A princípio, as motivações que levam Estella a se aproximar da Baronesa são profissionais, uma vez que ela tem a chance de mostrar sua paixão por moda e o seu talento em criar designs estonteantes. A química de Emma Stone e Emma Thompson é formidável e o filme cria uma excelente dinâmica das personagens ao estilo O Diabo Veste Prada – de chefe elegante e assustadora e sua assistente trabalhadora e braço direito.
A atriz Emma Thompson está excelente no papel de Baronesa e entrega uma mulher fina, elegante e inalcançável, mas que por trás de toda a riqueza e luxo existe uma pessoa fria e cruel que constrói o seu império com impiedade, colocando-se em primeiro lugar e na frente de todos custe o que custar.
À medida que a busca por status na moda aumenta e uma vingança é nutrida, Cruella entra em cena e inicia uma rivalidade com a Baronesa a partir de uma disputa fashionista que ganha holofotes com o figurino deslumbrante do filme. Os designs de Cruella foram feitos por Jenny Beaven, que ganham uma estética punk fabulosa para manifestar os desejos da protagonista na concorrência, provocar e quebrar padrões – com vestidos chamativos e lindos que ganham as passarelas mais inusitadas, como shows de pirotecnia, caminhão de lixo e fogo, levando Cruella ao auge do estrelado da moda e seu nome nas primeiras páginas dos jornais.
Além do figurino que, provavelmente fará o filme ser indicado às premiações, o cabelo e a maquiagem tornam-se marca registrada de Cruella, desde os penteados clássicos da personagem até a pele branca de porcelana e os lábios vermelho sangue. Outro ponto que não fica a desejar é a trilha sonora em que as músicas casam bem com a cena do momento e complementam a história com músicas das bandas Supertramp, Bee Gees, Florence + The Machine, Queen, The Clash, além de composições originais de Nicholas Britell.
Personagens
A atriz Emma Stone está incrível e encarna com maestria uma personagem cuja personalidade dúbia se encontra em conflito, além de construir um sotaque britânico carregado de forma proposital para dar charme e a entonação perfeita ao lado maquiavélico de Cruella. A atriz consegue interpretar duas personagens em uma e isto é formidável de assistir na tela. A versão mirim também ganha uma ótima atuação de Tipper Seifert-Cleveland.
Se sozinha Cruella brilha, a química com os demais personagens não fica nada a desejar, como é o caso de Gaspar e Horácio, que são uma grata surpresa ao filme e muito bem interpretados pelos atores Joel Fry e Paul Walter Hauser. A dupla traz momentos cômicos no filme com cenas em que bolam planos mirabolantes para golpes e roubos ao estilo desenho animado, o que tornam a trama ainda mais agradável e divertida. Além disso, os dois são responsáveis por trazer equilíbrio para Cruella, especialmente Gaspar que faz questão de lembrar quem ela é de verdade, ressaltando o que há de melhor em Estella e alertando sobre os perigos que Cruella pode trazer para todos. Mesmo sendo contra algumas atitudes da protagonista, a dupla é fiel à amiga do início ao fim, fazendo o público se apaixonar por esta amizade que cresce com a chegada de Artie (John McCrea), aliado de Cruella, e um personagem excêntrico que odeia ser normal, o que o torna ainda melhor na trama.
Já Anita (Kirby Howell-Baptiste) e Roger (Kayvan Novak), o casal clássico de 101 Dálmatas, que servem mais de easter egg da animação na live-action. Os personagens tem cenas pontuais e interessantes que ajudam o espectador a compreender como eles conheceram Cruella, uma vez que sabemos que ela é amiga de Anita.
O ator Mark Strong interpreta John, o braço direito da Baronesa, um personagem intrigante e encarregado de entregar uma ótima reviravolta do filme, o plot twist que faz tudo virar de ponta cabeça. Apenas digo isso, mas também não esperem muito deste personagem.
Considerações finais
Por ter 2h14min de duração, é possível sentir que alguns momentos são um pouco mais arrastados na live-action, mas isso não tira o brilho do filme, muito menos o fato de desconsiderar alguma parte da trama, na minha opinião.
Se esta releitura nos conta como tudo começou e como Cruella se transformou em uma das vilãs icônicas da Disney, o filme finaliza com as portas abertas para a história que já conhecemos em 101 Dálmatas, com referências e a possibilidade de uma sequência acontecer para retratar o mergulho na psicopatia e ascensão à loucura de Cruella.
A live-action Cruella acerta na história de origem da excelente vilã dos contos clássicos da Disney, que ganha ótima química com personagens coadjuvantes, uma trama envolvente e que desafia o sentimento do público, além de um figurino lindo e chamativo e uma trilha sonora que complementam positivamente todo o conjunto da obra. Vale a pena assistir sim.
Ficha Técnica
Cruella
Direção: Craig Gillespie
Elenco: Emma Stone, Emma Thompson, Joel Fry, Paul Walter Hauser, Mark Strong, Tipper Seifert-Cleveland, John McCrea, Emily Beecham, Kayvan Novak, Kirby Howell-Baptiste, Jamie Demetriou, Niamh Lynch, Andrew Leung, Abraham Popoola e Dylan Lowe.
Duração: 2h14min
Nota: 8,0