O ponto forte de qualquer história que envolva assassinato, segredos e investigação é a sensibilidade de como se cria a atmosfera de suspense e como a trama desenvolve o mistério e o entrega com o objetivo de causar surpresa e impacto no espectador.
Infelizmente, A Mulher na Janela (The Woman In The Window) não tem tato suficiente para construir esta rede misteriosa e erra a mão ao não valorizar os plots twists da trama, deixando os detalhes cruciantes aleatórios e sem uma base explicativa que levantaria o fator duvidoso aos olhos do público. O filme é razoável e sem graça, justamente por não causar a euforia de saber os segredos sobre a vida da protagonista e o que se passa na casa vizinha.
Com direção de Joe Wright, A Mulher Na Janela é uma adaptação do livro do autor A.J Finn. O thriller apresenta e acompanha Anna Fox, uma mulher que mora sozinha em uma bela casa que, um dia, abrigou sua família feliz. Separada do marido e da filha e sofrendo de uma fobia que a mantém reclusa, ela passa os dias bebendo vinho, assistindo a filmes antigos, conversando com estranhos na internet e, é claro, espionando os vizinhos.
Quando a família Russell (pai, mãe e filho adolescente) se mudam para a casa do outro lado do parque, Anna conhece o jovem Ethan e a mãe Jane e cria uma aproximação com os dois. Certa noite, bisbilhotando através de sua câmera, ela vê na casa deles algo que a deixa aterrorizada e faz seu mundo – e seus segredos chocantes – começar a ruir. Mas será o que ela testemunhou aconteceu mesmo? O que é realidade? O que é imaginação? Existe realmente alguém em perigo? E quem está no controle?
A sinopse deixa claro que a trama contém segredos, um passado trágico e um novo acontecimento que fará tudo vir à tona. A adaptação até que faz jus à obra original em vários aspectos como personagens, cenários, além dos plots principais. No entanto, a ausência de uma conexão maior entre alguns personagens, a falta de tato para trabalhar o mistério e o jogo da ‘realidade vs alucinação’ ficam superficiais, o que faz o espectador não se importar tanto com os personagens, muito menos ficar curioso ao que realmente está acontecendo dentro e fora da casa de Anna.
O filme entrega bons elementos para brincar e jogar tanto com os personagens quanto com o público que está pronto para montar o quebra-cabeça, porém, o roteiro esquece de trabalhar as peças e fazer boas ligações que surpreendam.
A protagonista
A Mulher Na Janela entrega pontos interessantes que ajudam a discorrer os demais mistérios. O primeiro é o fato de Anna ser agorafóbica, um transtorno de ansiedade que faz a pessoa ter medo de estar em lugares abertos ou atravessar/passar por lugares públicos, causando a sensação de impotência e pânico.
As sessões com o psicólogo e os remédios fortes prescritos, misturados ao consumo constante de álcool, indica que alguma coisa pode não dar certo. A primeira grande dúvida que paira é saber qual o motivo que desencadeou tal transtorno na personagem. Outro fato curioso é a razão para o marido e a filha não estarem presentes, conversando apenas por telefone. O que aconteceu no passado que separou a família? Por que o marido Ed (Anthony Mackenzie) não está por perto e afastou a filha Olivia? O motivo da separação seria o transtorno, ou existe algo a mais por trás disso?
A atriz Amy Adams entrega uma boa atuação e faz o melhor que pode dentro do que o roteiro propõe. Anna é desleixada com a casa e com ela mesma, sem se importar com a vaidade, ficando apenas com “roupas para dormir”, o que indica o nível preocupante de ansiedade e depressão, causados pelo isolamento e os remédios. Além disso, Anna é psicóloga infantil e gosta de conversar com pessoas na internet, como a própria sinopse revela.
A obra original retrata que, mesmo com o transtorno, Anna não deixa de trabalhar e atende os seus pacientes virtualmente, além de conversar com outras pessoas a respeito do seu problema. Já o filme não faz questão de mostrar isso, um ponto que seria fundamental para complementar o mistério que viria pairar sobre a cabeça da protagonista mais tarde.
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As cenas em que apenas ouvimos as conversas de Anna e Ed, mas não vemos os personagens, de fato, conversando no telefone, já levanta algumas suspeitas, mas o filme não sustenta essa dúvida e não cria um bom suspense em cima disso. No livro, o passado de Anna e sua família é o primeiro grande plot twist que pega o leitor de surpresa e faz as dúvidas com relação à protagonista aumentar ainda mais, brincando com a realidade e a alucinação.
Infelizmente o filme joga esta informação na cara do público sem cuidado e sem se preocupar com o mistério, reduzindo drasticamente a atmosfera de suspense, o que faz o espectador diminuir suas expectativas e se importar menos com a história.
Qual o mistério?
Por não sair de casa, Anna observa todos os seus vizinhos e o que acontece em suas casas. Assim, ela conhece a família Russell e, logo descobre, que o pai Allistair é controlador e agressivo com o filho e a mulher.
As cenas em que Anna conversa e conhece tanto Jane quanto Ethan já apontam alguns segredos e omissões destes personagens, que indicam algo duvidoso e que se transforma em tragédia quando Anna vê, pela janela, Jane ser esfaqueada. Todo o mistério começa a surgir ao ver que o assassinato está sendo encoberto quando outra mulher aparece se passando por Jane, além de Ethan negar tudo e Anna perceber que tudo isso pode ser uma grande alucinação.
O maior erro de A Mulher Na Janela é não ter desenvolvido melhor os detalhes que rodeiam este assassinato, muito menos a conexão entre os personagens, como a de Anna e Ethan, uma vez que ela enxerga que o rapaz está com problemas e deseja ajudá-lo, mas o filme não desenrola tal aproximação, que poderia ser de psicóloga e paciente ou, até mesmo, maternal.
Além disso, o roteiro opta em ressaltar o lado agressivo de outros personagens para diminuir a credibilidade de Anna e colocar toda a culpa em sua doença. Um exemplo é o temperamento arredio de Allistair (Gary Oldman), que faz de tudo para esconder algo, afastar sua família e taxar Anna de ‘louca’.
Já David (Wyatt Russell) é o inquilino de Anna, que tem ações suspeitas e usa da agressividade para se esquivar e omitir informações importantes. No livro, David é um homem prestativo e bastante reservado, justamente por saber da condição de Anna, um ponto que teria sido um ótimo complemento ao mistério se a adaptação tivesse explorado melhor. Aliás, tudo isso poderia funcionar se o filme tivesse brincado melhor com as possíveis alucinações da protagonista na trama.
Tanto Julianne Moore quanto Jennifer Jason Leigh não têm tanto espaço na trama e, por conta disso, as interpretações não têm muito a oferecer na história. Já o investigador interpretado por Brian Tyree Henry não ajuda em nada, uma vez que ele não dá um voto de confiança ao que Anna diz, muito menos se dá ao luxo de suspeitar e investigar a família Russells, o que diminui e relevância de todo o mistério. Infelizmente este é um ponto que incomoda tanto no livro quanto no filme, mas acho que a adaptação poderia ter modificado esta parte.
Considerações finais
Mesmo com algumas diferenças do livro, A Mulher Na Janela entrega um final razoável e coerente que, mesmo sendo um desfecho até aceitável, o espectador termina de assistir com a sensação de que poderia ter se surpreendido mais com a trama se o próprio filme tivesse se importado mais com os personagens e explorado melhor os detalhes para causar um impacto melhor.
A Mulher Na Janela é um thriller para assistir apenas uma vez e, logo, esquecer. O livro vale mais a pena.
Ficha Técnica
A Mulher Na Janela
Adaptação da obra de A.J Finn
Direção: Joe Wright
Elenco: Amy Adams, Gary Oldman, Julianne Moore, Jennifer Jason Leigh, Wyatt Russell, Anthony Mackie, Bryan Tyree Henry, Fred Hechinger e Jeanine Serralles.
Duração: 1h40min
Nota: 5,0