Certas Pessoas (You People) é o novo filme da Netflix, uma comédia romântica que promete agradar e chama a atenção pelo elenco de peso. Há momentos bons, cujo propósito de prender o espectador com os choques sociais e culturais de forma leve e até escrachada acontece, no entanto, tal abordagem é banal em que algumas cenas se tornam sem graça e forçadas, distanciando da diversão e da mensagem a se passar. É um filme até legal de assistir se não criar expectativas.
Com direção de Kenya Barris, Certas Pessoas acompanha Ezra e Amira, dois jovens que se conhecem ao acaso e se apaixonam. Após meses de relacionamento, os dois tem a certeza que a relação está concretizada e, agora, precisam dar mais um passo. Assim, eles decidem se casar e conhecerem as respectivas famílias. No entanto, os dois pertencem culturas totalmente diferentes e, além de lidar com as diferenças, precisam saber se vão conseguir a aprovação dos pais.
Certas Pessoas é uma comédia romântica com uma atmosfera que tem o seu clichê enraizado e sai da curva ao abordar questões sociais e culturais de ambas famílias. De um lado, temos Ezra que vêm de uma família judaica; do outro lado temos Amira cuja família é afro-americana muçulmana. Mesmo o amor falando mais alto, o casal precisa lidar com as crenças conflitantes, as expectativas sociais inesperadas e diferenças geracionais, especialmente vindo dos seus pais.

Todo o ar romântico, fofo e leve da história se concentra em todas as cenas em que apenas Ezra e Amira aparecem causando calmaria e tranquilidade em estar assistindo apenas um romance clichê. Os atores Jonah Hill e Lauren London formam uma dupla improvável e surpreendente ao funcionar bem na tela. A química é simples e a conexão é automática em que o espectador até acha que pode não dar certo, mas passa a torcer por eles logo em seguida.
Crítica: Todo Dia a Mesma Noite
Toda comédia romântica não tem a necessidade de se embasar apenas no clichê, tendo a total liberdade para abordar temáticas relevantes em uma construção mais leve. Certas Pessoas tem a boa intenção ao fazer isso, mas a execução não alcança tanto quanto se espera.
A ideia de mostrar o choque cultural e social de ambas famílias é ótima, apontando para os típicos erros que, infelizmente, acontecem com frequência na vida real. De um lado, vemos a família de Ezra eufóricos com o casamento do filho, especialmente por ele se casar com uma mulher negra. O filme faz questão de abordar o preconceito a partir de comportamentos, comentários e ações, como é o caso de Shelley (Julia Louis-Dreyfus), que sempre faz algum comentário não bem-vindo sobre a futura nora, seja sobre o seu cabelo, a forma como se expressa, a comparação com outras mulheres negras, entre outras coisas. Neste caso, isso se torna um ponto positivo ao apontar o desconforto, constrangimento e desrespeito sobre quem passa por essa situação seja pela cor da pele, a cultura ou religião.

Assim como Amira, Ezra também não foge dos comentários e de certas humilhações de seu futuro sogro Akbar, interpretado por Eddie Murphy, que não fica à vontade com o fato da filha se casar. Com isso, ele decide ir a fundo para encontrar alguma maneira de rebaixá-lo e, assim, fazer Amira enxergar com quem realmente pretende passar a sua vida.
De um lado, Certas Pessoas acerta ao mostrar tais situações desconfortáveis e sem respeito diante do preconceito racial e cultural, que bate de frente com a realidade em que essas circunstâncias são vistas com frequência. O que era para ser e soar com naturalidade, se transforma em algo desagradável, atingindo negativamente quem passa por isso. No filme, quem mais passa por essas situações é Amira que, na minha opinião, equilibra muito bem a paciência e segura as rédeas com maestria até onde o seu limite permite, o que a faz se impor.
Porém, o filme erra ao aprofundar essa questão, tornando-a banal. O que era para ser algo reflexivo ou até divertido, fica sem graça ou extremamente forçado, como é a sequência do jantar na casa do casal, em que ambas famílias se encontram pela primeira vez. A conversa chega ao ponto em que os dois lados tentam comparar qual evento histórico foi o pior: holocausto ou escravidão, acreditando que o toque de humor seria bem extraído quando, na verdade, a vergonha alheia fala mais alto, além da infeliz comparação (os dois são horríveis). Não tem como esboçar um sorriso neste momento.
As cenas de conflito entre Ezra e Akbar é outro ponto que o filme poderia ter trabalhado de forma melhor. Já vimos em outras comédias românticas, o pai ou a mãe não gostar do pretendente da filha ou do filho à primeira vista e, no decorrer da história, apresentar as motivações e analisar o que poderia mudar ou não para a relação melhorar ou não.

Aqui, o filme apresenta um Akbar carrancudo, arrogante e prepotente, que deixa óbvio a razão para não gostar do futuro cunhado, não confia na filha, muito menos acredita nas escolhas que ela é capaz de fazer. No entanto, ele não explana o que realmente sente e isso dá a sensação de que Ezra está na posição de vítima, sendo que também não é. Falta equilíbrio e um desenvolvimento mais coerente ao se passar a mensagem aqui. Não achei justo com dois personagens que mostram potencial, mas pouco explorado. Fica apenas uma rixa em que a comunicação e a temática abordada ficam superficiais.
No elenco também temos a atriz Nia Long, que interpreta a mãe de Amira e tem poucas e satisfatórias cenas; e David Duchovny que é o pai de Ezra, mas que também pode ser facilmente confundido com um figurante, de tão irrelevante que o personagem é.
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Outro ponto que pode ser um incômodo são as piadas americanizadas que funcionam perfeitamente para quem é dos Estados Unidos. Já para as pessoas de fora, talvez esse humor mais pontual não cause diversão ou um sorriso esboçado.
Considerações finais

Apesar das observações, Certas Pessoas se recupera em uma sequência final que volta a se concentrar nos protagonistas e entrega um desfecho doce, fofo, harmonioso e feliz, e se você gosta e torce para os dois, vai curtir o final do filme.
Certas Pessoas é uma comédia romântica que acerta na leveza e no desenvolvimento da relação amorosa dos protagonistas. O filme tem a boa intenção ao introduzir os conflitos culturais e sociais, mas a execução falha em pontos, tornando alguns momentos constrangedores e sem graça, esquecendo a diversão e a mensagem que realmente poderia se passar.
Entre salvas e ressalvas, Certas Pessoas é legal, tem um elenco forte e uma trama OK. O filme é assistível se você não criar expectativas.
Ficha Técnica
Certas Pessoas
Direção: Kanya Barris
Elenco: Jonah Hill, Lauren London, Eddie Muprhy, Julia Louis-Dreyfus, Nia Long, David Duchovny, Sam Jay, Molly Gordon, Travis Bannett, Elliott Gould, Andrea Savage, Rhea Perlman e Mike Epps.
Duração: 1h57min
Nota: 2,9/5,0