A primeira aposta da Marvel em 2022 para a televisão é Cavaleiro da Lua (Moon Knight), que será exibida semanalmente no Disney Plus. O Pipoca na Madrugada assistiu aos dois primeiros episódios e pode dizer que a nova produção começa com o pé direito, apresenta grande potencial em termos de personagens, temáticas, ambientação e gênero, provando que é possível trazer algo diferente dentro do universo cinematográfico Marvel. Se o desenvolvimento e o final serão bons, ainda não sabemos, mas Cavaleiro da Lua tem início promissor e vou te dizer o porquê.
******CONTÊM SPOILERS******
Cavaleiro da Lua entrega um primeiro episódio que chama a atenção por despertar a curiosidade no espectador em meio a atmosfera de mistério para entender o que se passa com Steven Grant, o primeiro personagem a ser introduzido na trama. Steven é um gentil e educado funcionário de uma loja de souvenir de um museu de história em Londres. O rapaz fica constantemente atormentado com os apagões e lapsos de memória de uma vida na qual não se recorda como, quando e onde essas lembranças ocorreram, o que faz Steven ser diagnosticado com transtorno dissociativo de identidade de gênero, em que o personagem tem mais de uma personalidade.
O primeiro ponto positivo deste primeiro episódio está justamente no mistério acerca do protagonista, uma vez que a série faz questão de criar um suspense interessante em volta dos apagões que Steven sofre: ora ele aparece no Egito fugindo de um grupo de pessoas que deseja capturá-lo a qualquer custo; ora ele aparece com sangue nas mãos, indicando que uma luta agressiva aconteceu entre ele e estas pessoas; ora Steven aparece dirigindo um carro durante uma perseguição, enquanto segura uma arma; ora ele retorna para sua casa em Londres, acorrentado na cama. Tudo isso, adicionando a voz que ecoa em sua mente que entra em discussão com ele. Tal voz, no caso, é de Konshu.
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Ao brincar com estes lapsos de memória, a série causa estranheza, curiosidade e angústia tanto no personagem quanto no espectador por desconhecer a causa disso tudo, sem ter a noção do tempo que passou, o que torna o transtorno de Steven ainda mais agoniante de acompanhar, criando um suspense muito satisfatório na história.
A série não demora para nos apresentar a segunda personalidade de Steven, chamado Marc Spector, um mercenário implacável e guerreiro de Konshu. Mesmo que já se tenha informações extras sobre este personagem na internet, a série ainda não entregou por completo o background de Marc Spector, apenas revelando que ele é o avatar de Konshu escolhido para realizar uma missão e também para pagar sua dívida com o Deus da Lua e, assim, ter a sua liberdade de volta.
Outro ponto interessante que faz o mistério crescer é a discussão entre Steven e Marc quando suas personalidades se colidem, uma vez que Steven não deveria tomar conhecimento sobre esta vida, de acordo com as palavras de Marc, o que pode colocar a missão e outras pessoas envolvidas em grande risco.
É nesta colisão de identidades que o público se depara com a ótima atuação de Oscar Isaac, entregando um brilhantismo promissor neste papel. De um lado, o ator nos dá um Steven Grant extremamente cansado, abobado, atrapalhado e completamente perdido em sua pacata rotina que envolve o trabalho no museu, falar com a mãe no telefone, alimentar o peixe e lidar com os apagões. Aliás, quando o fator é tentar entender o que está se passando em sua mente e sua vida, Steven entrega um alívio cômico dosado como reação a tudo o que está acontecendo, o famoso ‘rindo de nervoso’, uma vez que ele vai de um lugar a outro, escuta uma voz estranha e é perseguido sem ao menos saber a razão.
A virada de chave na atuação de Oscar Isaac acontece ao incorporar Marc Spector, um mercenário que bate de frente com Steven, tenta acalmá-lo enquanto faz ele compreender que precisa autorizá-lo a controlar o corpo para cumprir as ordens de Konshu, lidar com os inimigos e evitar que o pior aconteça.
O debate entre personalidades faz a série ganhar um tom sombrio, como as conversas de Steven com o reflexo de Marc em qualquer lugar que haja um objeto espelhado, como na cena do banheiro, na rua, dirigindo o caminhão. Os toques de suspense já ficam por conta da aparição de Konshu para Steven, como na ótima sequência do elevador do prédio e no corredor das dispensas onde Marc aluga um espaço para guardar seus pertences e segredos, o grande ponto de virada que faz Steven entender um pouco mais sobre quem habita seu corpo.
No entanto, até este momento, a série não explicou quem realmente é Marc Spector, se o rosto que vemos é realmente dele ou do Steven e qual a razão para ele ter escolhido o corpo do Steven ao ponto dele ter despertado e descoberto tudo.
Outro ponto interessante de Cavaleiro da Lua está nos efeitos especiais que, no geral, são bons. A cena da sequência de luta no museu em que Steven se depara com uma criatura medonha e, finalmente, deixa Marc ficar no controle e invocar o tão esperado traje do cavaleiro da lua é muito bom, deixando um excelente gancho para o segundo episódio. Aliás, dá gosto de ver a transformação do traje no corpo do personagem, um acerto no design e nos efeitos, na qual se pode entender que o figurino é quem dá força e poder à Marc, mas os detalhes sobre os benefícios do traje ainda não foram revelados.
No entanto, o que fica um pouco a desejar neste aspecto técnico é o CGI da criatura na qual Steven/Marc lutam, que parece um cão raivoso, na qual passa a não assustar tanto por conta da sua estrutura ser fantasiosa e falsa demais. Além disso, a construção da imagem de Konshu, o Deus da Lua, amedronta à primeira vista, mas acredito que se a série não transparecesse totalmente o visual desta divindade, mostrasse apenas os contornos que surgissem nas sombras, o suspense seria muito maior e melhor. Outro ponto interessante está na caracterização da voz de Konshu, que é boa por ganhar menos efeito se comparada com a voz de Venom que, por sinal, são bem similares, viu?
Quem é o inimigo?
Cavaleiro da Lua também não demora para introduzir o nefasto Arthur Harrow, um filósofo que transita entre o mundo dos deuses buscando travar uma guerra contra os heróis. Arthur é um representante da Deusa Ammit, que deseja limpar a terra de toda a maldade. Ele dissemina a palavra e a filosofia dela por todo o lado, agregando um número de seguidores fiéis por todo canto do planeta que lhe ajuda a dizimar este mal.
Mas é aí que está a jogada perigosa, pois Arthur tem o poder de ler e colocar em sua balança (inclusive, tatuada no seu braço) quem está propenso a fazer o mal, seja daqui a uma semana ou em 30 anos. Ou seja, ele elimina (mata) aqueles que já despertaram o lado sombrio, mas também os inocentes pelo fato de que eles possam despertar a maldade futuramente. É esta filosofia fanática de Arthur que se tornará o grande antagonismo da série, uma vez que ele deseja desperta a deusa para limpar o mundo, enquanto Konshu deseja evitar que isso aconteça. É por conta disso que o encontro entre Arthur e Steven/Marc acontece, uma vez que Marc tem o escaravelho (uma espécie de bússola) em seu poder, capaz de guiar o caminho até o paradeiro de Ammit, o grande desejo do vilão.
Aqui, o ator Ethan Hawke faz sua grande estreia na Marvel como um vilão que causa temor pela sua calma, seus passos lentos e silenciosos, sem recorrer aos gritos e escândalos. O ator entrega um Arthur Harrow que conquista seus seguidores com um carinho camuflado por espaço, moradia, comida e aconchego em troca do apoio à sua filosofia defensora de um conceito errôneo na qual julga as pessoas por coisas que não aconteceram, por um mal que apenas existe todos, sem dar a chance da pessoa trabalhar isso e não deixar se influenciar pela escuridão. Entendem o que quero dizer?
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Aliás, preciso ressaltar a química entre Ethan Hawke e Oscar Isaac na pele de herói e antagonista que, de primeira impressão, funciona muito bem na tela. Tem potencial para entregar uma temporada muito satisfatória.
Com relação aos demais personagens, até este segundo episódio quem se destaca é a arqueóloga e aventureira Layla El-Faouly (May Calamawy) que, a princípio, surge à primeira vista como forte conexão com Marc Spector, revelando a Steven Grant ser esposa dele, além de parceira nesta missão com Konshu. Até o momento, não está muito claro quais são as intenções de Layla: apenas ajudar Marc nesta missão para impedir a volta de Ammit e reconquistar a liberdade dos dois, ou se tornar o novo avatar de Konshu, uma vez que o Marc a protege a qualquer custo para que ela não se envolva ainda mais nesta espiral perigosa. Vamos aguardar os próximos episódios que, inclusive, apresentará mais personagens.
Já o cenário, Cavaleiro da Lua ganha uma ambientação londrina que logo será complementada pela ambientação egípcia, uma vez que o protagonista viaja para o Egito ao final do segundo episódio. Além disso, a série também conta com referências históricas acerca da iconografia e mitologia egípcia.
A grande pergunta de muitos é: precisa assistir as recentes produções da Marvel para assistir Cavaleiro da Lua? Não precisa. Porém, sabemos que a Marvel Studios não dá ponto sem nó e, em algum momento, a série fará alguma conexão dentro do MCU.
Considerações finais
Cavaleiro da Lua tem início promissor e entrega uma ambientação mais sombria da Marvel com bons toques de suspense que poderiam até ser melhores se certos mistérios fossem mantidos, como o caso da imagem de Konshu. O elenco é ótimo e Oscar Isaac entrega facetas surpreendentes de seu personagem, enquanto Ethan Hawke promete como vilão. Mais explicações irão surgir nos próximos episódios, encaixando melhor as peças e aprofundando mais nas personalidades do protagonista para compreender quem é quem. No mais, Cavaleiro da Lua começa com o pé direito e espero que termine desta mesma forma.
Ficha Técnica
Cavaleiro da Lua
Direção: Mohamed Diab, Justin Benson e Aaron Moorhead
Elenco: Oscar Isaac, Ethan Hawke, May Calamawy, Gaspard Ulliel, F. Murray Abraham, e Sofia Danu.
Duração: 1ª temporada (6 episódios)
Nota: 3,0/5,0 (2 primeiros episódios)