Anatomia de um Escândalo (Anatomy of a Scandal) é a nova produção da Netflix que chama a atenção por uma premissa instigante e uma narrativa direta e sem firulas, mesmo que transite entre passado e presente para conectar os pontos. Mesmo sendo uma minissérie curta e, até então interessante, há chances do desenvolvimento não agradar 100% a todos.
O Pipoca na Madrugada separou cinco motivos para dar ao play na série para compreender os pontos positivos e negativos desta trama que, no geral, sabe cativar a curiosidade seja pela empolgação e o mix sentimentos gerados no espectador. Confira:
Qual é a história?
O primeiro motivo desta lista, obviamente, é a história que já começa com dois questionamentos: e se o seu casamento não é realmente como você imaginava? E se o seu marido não é exatamente a pessoa que achou que conhecia este tempo todo?
Anatomia de um Escândalo acompanha Sophie e James Whitehouse, casados há 12 anos e com dois filhos. Sophie é uma ótima mãe e esposa, enquanto James é um bom pai e marido, além de um respeitado e renomado ministro no Parlamento Britânico até que, um dia, um segredo chocante é revelado iniciando uma série de efeitos colaterais que irá desenterrar mais segredos do passado.
Tudo muda quando James conta à Sophie que teve um relacionamento breve de cinco meses com sua assessora Olivia, e que tal fato virá à tona nas mídias para chacoalhar tanto sua vida pessoal quanto sua carreira no meio político. Mas a situação piora quando James é acusado de estupro, dando início a um grande embate em um julgamento na qual a advogada Kate Woodcroft juntará forças e fatos para confirmar que James é realmente culpado.
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Enquanto Kate inicia uma busca incessante para que a justiça seja feita, Sophie terá que saber lidar com todo o escândalo, enquanto informações do passado surgem para mudar tudo. Assim, vemos Sophie dividida entre manter a família unida e saber a verdade sobre o marido.
Narrativa sem rodeios
Anatomia de um Escândalo é baseada no livro de mesmo nome da autora Sarah Vaughan, uma adaptação feita por David E. Kelley e Melissa James Gibson, criadores das séries The Undoing e Big Little Lies, e se você já assistiu uma destas produções sabe o que esperar desta atmosfera na nova minissérie.
Assim, um ponto interessante é que a minissérie apresenta uma narrativa direta em apenas seis episódios de quase 50 minutos cada na qual o espectador não sente o tempo passar, assimila os fatos aos poucos enquanto cada episódio entrega bons ganchos que instigam a curiosidade.
A narrativa desenvolve o tempo presente em que o público acompanha a formação do escândalo, como isso afeta os personagens enquanto absorvem e lidam com uma informação atrás da outra, seja na investigação para saber quem está falando a verdade; a imprensa que busca pela notícia quente que envolve figuras políticas renomadas na qual a reputação e o privilégio são abalados; o julgamento que detalha o passo a passo do escândalo para determinar quem é inocente e culpado; e o abalo emocional que molda as atitudes dos personagens, um ponto crucial para o desenrolar da história.
Enquanto se acompanha o presente, a série entrega cenas flashbacks para que o público compreenda quem é quem, como Sophie e James se conheceram na juventude e como o relacionamento vingou, quem mais faz parte do grupo de amigos do casal e, por fim, quais são os segredos sujos desenterrados nos dias atuais, um ponto que faz o espectador começar a encaixar as peças do quebra-cabeça para entender o atual escândalo.
Passado e presente se complementam bem nesta narrativa por não fazer rodeios, muito menos entregar episódios vazios que não levam a lugar nenhum, tornando a trama enxuta e direta ao ponto. Além disso, a série utiliza de momentos metafóricos em que o personagem recebe uma informação chocante, servindo de gancho para o próximo episódio. Por exemplo, ao final do primeiro episódio, James recebe a informação de que está sendo acusado de estupro, o que faz o personagem levar um “golpe” metafórico que o faz até voar e cair no chão. A cada final de episódio vemos uma performance diferente com o respectivo personagem envolvido, o que é uma técnica brega e interessante de assistir.
Personagens
Anatomia de um Escândalo apresenta um ótimo elenco com Siena Miller, Rupert Friend, Michelle Dockery e Naomi Scott nos papéis principais. E é no desenvolvimento e nas atitudes dos personagens que a problemática da série se encontra, um ponto que dividirá as opiniões chegando ao veredito se é boa ou não. O que posso sugerir é que assistam todos episódios para tirar uma conclusão plausível, pois as coisas mudam até o último minuto, salvando-se alguns pontos.
A atriz Sienna Miller entrega uma personagem que balança as expectativas do público com a forma como lida com toda a situação. Apesar de demonstrar mágoa com a traição, Sophie é apática em vários momentos da história, como se não quisesse enxergar o que está acontecendo, muito menos ter interesse em buscar a verdade sobre James, especialmente por ser acusado de estupro.
Talvez o espectador (assim como eu) espere que a personagem faça um barraco, esbraveja e exponha sentimentos mais fortes na tela, mas isso não acontece uma vez que a Sophie precisa manter a calma não só para diminuir as fofocas para não afetar a vida pessoal mais ainda, como também precisa manter as aparências por conta da reputação política do marido. Ainda assim, os sentimentos com esta personagem ficam divididos até o fim, pois o público descobre que Sophie nunca mostrou interesse em saber quem realmente é o marido no início do relacionamento, tornando-se inerte em várias ocasiões, além de desfrutar dos privilégios e do conforto que sempre teve em um casamento aparentemente perfeito.
Ainda assim, é compreensível a postura da protagonista que, muitas vezes, engole calada informações que mexem com sua mente que, aos poucos, faz ela tomar pequenas atitudes a fim de se proteger junto aos filhos.
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O ator Rupert Friend também se destaca em sua performance e entrega um James Whitehouse convicto de sua inocência sem deixar de admitir o caso extraconjugal que teve. No entanto, a cada episódio, cada segredo revelado, as camadas deste personagem ficam expostas para o espectador fazer uma análise sobre o seu caráter e como ele lida com a situação, já que, aos poucos, ele relembra de alguns fatos que faz mudar a sua visão e sua narração dos acontecimentos, um ponto que também mexe bastante com os sentimentos do público, o que é normal.
A atriz Michelle Dockery (Em Defesa de Jacob) está ótima como a advogada Kate Woodcroft, mas também é outra personagem que dividirá opiniões por conta de certas atitudes e suas motivações para liderar a acusação no julgamento de James. Esta é uma personagem que apresenta bons elementos surpresa e uma ótima reviravolta ao final do 4º episódio que fará a visão do espectador mudar radicalmente diante da trama, assim como a análise sobre esta personagem que consegue equilibrar os erros e acertos mostrando que não é perfeita, tem problemas e que a justiça pode ser questionável.
Já atriz Naomi Scott (Aladdin) é Olivia, assessora e amante de James, uma personagem colocada como centro do escândalo em que seu ponto de vista bate de frente com James, na qual a série brinca com as narrativas em que temos a mesma cena contada por perspectivas diferentes sobre o fatídico dia do estupro. No entanto, Anatomia do Escândalo simplesmente esquece esta personagem na reta final, como se ela não fosse mais importante ao caso, sendo que ela é uma peça importante que deu início a tudo. Infelizmente este é um erro que não passa despercebido e que poderia ter sido retratado. Uma pena.
Temática importante
Enquanto Big Little Lies e The Undoing retratam sobre estupro e feminicídio em um mistério investigativo, Anatomia de um Escândalo segue a mesma linha para tratar de uma temática polêmica, de extrema importância e como ela é moldada quando o poder e o privilégio protegem o elo mais forte.
Na minha opinião, os momentos mais interessantes e fortes da série são as cenas do julgamento em que o estupro é dissecado pelas advogadas de defesa e acusação durante os depoimentos, um momento delicado, constrangedor e necessário na qual expõe as vulnerabilidades da vítima que relata minuciosamente o que aconteceu, enquanto o público recebe outra versão sobre o mesmo ocorrido por parte do réu.
Outros pontos interessantes destas cenas do julgamento são a discussão sobre o significado de consentimento sexual e a forma como a advogada de defesa encontra lacunas para contradizer a vítima diante de sua própria versão, seja questionando a vírgula em cada frase, a forma como as palavras foram ditas na ocasião, o significado da palavra ‘não’ neste contexto e os sentimentos em jogo. São cenas que comovem e constrangem tanto a personagem quanto o espectador que consegue se colocar diante desta situação.
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Enquanto isso, vemos como a cultura do estupro é tratado em meio aos privilégios sob uma forte atmosfera política em que o poder e a reputação estão em jogo e falam mais alto. Até que ponto a justiça pode ser feita quando uma figura pública e renomada é acusada de algo grave? A justiça é para todos ou faz vista grossa quando convém?
E o final?
Com todas as cartas colocadas sob à mesa, os segredos revelados, os nomes envolvidos e as atitudes julgáveis, Anatomia de um Escândalo entrega um desfecho que causará conflitos de opiniões justamente por entregar um final realista e até bom, mas que não será 100% agradável, talvez nem todos irão gostar ou se sentirão divididos em apreciar as últimas ações dos personagens, enquanto outros enredos ganham um final questionável. E sim, estou tentando falar sem dar spoilers. Assista e descubra.
Se você gostou das séries Big Little Lies, The Undoing, acredito que Anatomia de um Escândalo é uma boa dica tanto pela premissa instigante, o ótimo elenco, a forte temática abordada, cenas vulneráveis que impactam, personagens imperfeitos e atitudes questionáveis e um final realista. Para mim, esta minissérie é até melhor que ‘The Undoing’ nos quesitos desenvolvimento, ritmo e desfecho.
Se você gosta de série britânica, curta e com um suspense satisfatório, Anatomia de um Escândalo é uma boa dica.
Ficha Técnica
Anatomia de um Escândalo
Criação: David E. Kelley e Melissa James Gibson
Elenco: Sienna Miller, Rupert Friend, Michelle Dockery, Naomi Scott, Josette Simon, Ben Radcliffe, Violet Verigo, Jonathan Coy e Kudzai Sitima.
Duração: 6 episódios (50 min.)
Nota: 3,0/5,0