Nesta temporada de premiações de 2025, uma grata surpresa entre os títulos está Sing Sing, que mostra a força da arte e seu poder transformador em uma vida. Baseado em fatos, o filme leva o espectador ao palco de uma penitenciária, onde assistimos a montagem de uma peça, enquanto adentramos na metamorfose interna dos personagens, revelando vulnerabilidades e trabalhando as emoções em prol de uma nova chance de reintegração à sociedade.
Com três indicações ao Oscar, este é um filme sensível e com doses cômicas que vale a pena assistir e se adentrar a este mundo real e pouco conhecido.
Com direção de Greg Kwedar, Sing Sing é baseado no programa real Rehabilitation Through the Arts (RTA), que usa o teatro como ferramenta de reabilitação para homens encarcerados. A trama acompanha Divine G, um homem que foi injustamente condenado e tem a sua liberdade interrompida por algo que não fez.
Na prisão, ele encontra um novo propósito ao fazer parte de um grupo teatral formado por outros detentos. E o grupo faz sucesso com encenações de grandes clássicos de Shakespeare e peças autorais, comprovando que o programa funciona e o resultado é positivo.
Prestes a iniciar uma nova peça que será lançada no próximo semestre, o grupo abre vagas para novos integrantes, além de receber novas propostas sobre qual tema irão encenar no palco.

Entre os novatos, está Clarence Maclin, chamado de ‘Divine Eye’, conhecido na prisão por intimidar agressivamente, extorquir outros detentos e vender drogas. Ele encara este novo desafio com bastante desconfiança, mas também faz uma proposta que deixam todos surpresos: realizar uma comédia, uma vez que há muito drama naquele local e todos merecem sorrir para esquecer os problemas e o local onde estão.
A ideia deixa todos animados, desde sugestões até o papel que cada um irá fazer. Quem fica receoso é Divine G, já que tal gênero não é a sua praia. Ainda assim, ele aceita o desafio para sair da zona de conforto, enquanto acompanha e ajuda Divine Eye nesta jornada que mudará os seus próximos passos.
Sing Sing tem como propósito apresentar uma narrativa com foco em destrinchar o funcionamento deste programa e como a arte atinge de formas diferentes cada personagem. À medida que vemos a intenção, atuação e o objetivo de participarem deste programa, o roteiro abre portas para que o público adentre nas emoções e vulnerabilidades de cada um. O espectador fica ciente da razão para a detenção e as chances de, um dia, serem reinseridos na sociedade através da arte.
É quando vemos a animação e o encanto nos olhos dos personagens nos palcos que entendemos o poder que a arte tem para cada um, desde de a introdução, as sugestões do que pode haver na peça, os papéis que desejam interpretar no palco, virando uma mistura que faz o espectador acreditar que vai dar muito errado, mas o contrário acontece.

Enquanto acompanhamos a montagem da peça, as discussões, os ensaios dos diálogos e de postura no palco, a forma como cada um deve encarnar seu personagem, as dúvidas sobre os acontecimentos entre uma cena e outra, Sing Sing adentra nos conflitos emocionais tanto do protagonista quanto dos demais coadjuvantes que se destacam com maestria.
Mesmo em uma ambientação sempre retratada de forma obscura, agressiva e violenta, Sing Sing não traz esta atmosfera para esta prisão, pelo contrário, o filme caminha por um viés mais emotivo e sensível, expondo as vulnerabilidades, dores e sonhos dos integrantes deste programa, o que faz o público torcer para que a apresentação chame a atenção e construa possibilidades futuras para eles.
É interessante acompanhar a dinâmica de Divine G e Divine Eye, uma vez que um oferece a mão para que o outro dê passos em um caminho totalmente desconhecido, dando a chance para algo novo que o mudará completamente. Logo depois, vemos a inversão de papéis, quando Divine Eye estende a mão para Divine G em um momento de dor e desengano, a fim de que ele não se perca nos trilhos que sempre o guiou.

O que faz Sing Sing funcionar e tocar no coração do público é a dinâmica de um elenco muito bom e diferenciado. Por se tratar de uma história real, o filme fez questão de apresentar membros majoritariamente do RTA – antigos e atuais – que já foram encarcerados e reabilitados graças ao programa, como Clarence Maclin e Jon-Adrian ‘JJ’ Velasquez. E isso comprova que a arte motiva, conforta, cria laços e transforma quando realmente é desejado e trabalhado.
O ator Colman Domingo é a escolha certa para interpretar Divine G, cuja história do personagem aconteceu na vida real. Antes de ser acusado injustamente, na juventude, Divine G já tinha contado com a atuação, dança e canto, mas infelizmente o bullying sofrido em sua vizinhança o fez se distanciar deste caminho, algo que ressurgiria com o RTA.
Domingo traz veracidade, calma, força e determinação, assim como balanços, dúvidas, dores e dissabores quando é desafiado fora da zona de conforto e passa por dois grandes abalos. Ao ver sua atuação, é mais do que compreensível, justificável e merecido a sua indicação ao Oscar na categoria de Melhor Ator. Espero que, um dia (talvez em 2025), Colman Domingo ganhe este prêmio.

Clarence Maclin é outra grande surpresa no elenco ao revelar a maior transformação de seu personagem no filme, diante de percalços, preconceitos e provocações que o faz encarar os conflitos internos a fim de se tornar em alguém melhor e modificado.
Assim como Divine Eye e Divine G guiam o espectador no filme, a dupla Divine G e Mike Mike roubam a cena com uma amizade singela, divertida e forte. Há dois momentos significativos em Sing Sing com eles: uma conversa sincera em que Mike Mike adentra em suas emoções revelando pontos de sua vida e seus pensamentos. É um momento importante, mas confesso que o diálogo se torna extenso e um pouco cansativo, perdendo o ritmo e, talvez, a atenção do público. Logo em seguida, temos uma reviravolta que pega todos desprevenidos, trazendo um abalo especialmente ao protagonista.
Outra curiosidade é que o ator Sean San Jose, que interpreta Mike Mike, é um dos melhores amigos de Colman Domingo por mais de 15 anos. Com esta informação, é possível compreender mais a fundo a conversa entre os personagens, o sentimento injetado pelos atores nesta sequência, seguido pelo plot twist.
Assim como eles, todo o elenco chama a atenção e conquista à sua maneira, no momento certo. E mais uma curiosidade é que quando os personagens estão treinando para seus diversos papéis, são usadas fitas reais das audições que a produção usou para escolher o elenco.
Considerações finais

A reta final de Sing Sing mostra o resultado dos ensaios, o dia da apresentação e a transformação que este programa fez aos integrantes, especialmente aos novatos. Sobre o desfecho de Divine G e Divine Eye, vou explicar agora.
Como a prova (uma fita com uma confissão gravada) não foi aceita no processo de Divine G, infelizmente, ele permanece preso e cumpre toda a pena por um crime que não cometeu. Enquanto isso, Divine Eye tem o seu caso reavaliado e recebe a soltura. Os anos passam e Divine G finalmente sai da prisão e é recebido de braços abertos por Divine Eye, que o busca na porta da cadeia.
É possível notar que o tempo passou, uma vez que o protagonista está com os traços faciais mais envelhecidos, enquanto Divine Eye mostra uma grande melhoria em sua vida neste intervalo após a sua saída da prisão.
Sing Sing é um filme sensível, vulnerável, divertido e emocionante sobre o poder da arte e a metamorfose de quem abraça tal força, mais precisamente, na vida de detentos que buscam por modificações e a chance de retornar à sociedade.
Sing Sing poderia facilmente entrar no lugar de Emilia Pérez na categoria de Melhor Filme no Oscar 2025. O merecimento é bem maior.
Ficha Técnica
Sing Sing
Direção: Greg Kwedar
Elenco: Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San José, Paul Raci, David Giraudy, Patrick Griffin, Mosi Eagle, James Williams, Sean Dino Johnson, Brent Buell, Sharon Washington, Dario Peña, Michael Capra e Johnny Simmons.
Duração: 1h47min
Nota: 3,9/5,0