Sex Education retorna para 4ª e última temporada na Netflix e não se pode negar que deixará saudades. Uma série que se tornou icônica em sua estreia, arrebatando os corações dos fãs, ganhou a notícia de que seria encerrada em seu quarto ano de exibição. O Pipoca na Madrugada já assistiu aos novos e finais episódios e posso dizer que a série deixa a sensação de que o adeus foi obrigatório, uma finalização por força maior, cuja história fora trabalhada para ter continuidade, pelo menos, por mais uma temporada. No fim das contas, Sex Education termina com cara de temporada final e não como um series finale.
Acabou, mas não parece
Ainda na metade do ano, os fãs receberam a notícia de que Sex Education seria encerrada em sua 4ª e última temporada que já está disponível na Netflix. Acredito que uma das razões que se levou ao término da série foi pelo fato de que boa parte do elenco saiu da trama (muitos já não participaram desta nova temporada), enquanto outros anunciaram sua partida logo após, como é o caso de Emma Mackey e Ncuti Gatwa, intérpretes de Maeve e Eric, personagens importantes da história.
Até aí, tudo bem, afinal, todos têm o direito de dar um novo passo em suas carreiras, como ambos fizeram (Gatwa e Mackey estiveram no filme Barbie; e o ator será o novo doctor na série Doctor Who). Mas acredito que a decisão de encerrar veio depois que a história já estava escrita e boa parte gravada. Eu vou explicar melhor.
Vemos que na 3ª temporada de Sex Education, a escola Moordale foi fechada, fazendo com que os alunos fossem para outras escolas. O elenco principal é transferido para a escola Cavendish, enquanto os personagens ausentes ganharam a justificativa de que foram transferidos para outras escolas ou, simplesmente, foram embora. Já Maeve ganhou a grande oportunidade de estudar nos Estados Unidos e focar na sua carreira como escritora.
Temos um novo cenário, novos personagens enquanto os veteranos se adaptam ao novo, elementos que demonstram grande potencial a ser explorado. No entanto, a narrativa toma decisões que deixam o encerramento da série repleto de prós e contras, o que deixará os espectadores bastante divididos.
É possível notar que a narrativa deixa os personagens principais muito separados, vivendo em suas próprias bolhas e subtramas, sem um envolvimento maior entre eles. De um lado, é possível entender tal escolha, uma vez que esses personagens necessitam se reencontrar, corrigir alguns erros ou buscar novos caminhos para saber quem são. Do outro lado, tal decisão afastou alguns deles da ambientação principal, enquanto outros ficaram distantes demais, sem o entrosamento que gostávamos de ver nas temporadas anteriores. Para uma temporada final, isso pesou e negativamente.
Além disso, há plots cujo desenvolvimento se estende além do necessário, fazendo o personagem viver apenas aquilo, enquanto outros plots demoram para chegar ao seu real objetivo (mas chega e o público compreende) ou, simplesmente, surgem na série repentinamente, sem um background trabalhado no decorrer dos oito episódios, sendo que tinha tempo para realizar isso.
Sex Education: crítica da 3ª temporada
A reta final ganha episódios mais longos (com 1 hora ou mais de duração), cujo equilíbrio não é tão bem aproveitado, com plots ganhando um espaço além do necessário, enquanto outros desfechos são corridos, uma vez que mereciam uma atenção maior, já que estes se tornaram o coração da série e conquistaram os fãs. Acredito que muitos ficarão divididos com as decisões, sendo que alguns ficarão até decepcionados em alguns pontos, o que será aceitável.
O destino de Maeve

Considerada uma das personagens mais importantes de Sex Education, Maeve ganhou a grande oportunidade de estudar nos Estados Unidos, deixar a cidade por um tempo, se distanciar dos problemas (especialmente os familiares) e focar naquilo que ama: a escrita.
No entanto, o plot decepciona justamente porque a série não explora algo apontado como interessante e novo, puxando a personagem de volta para Moordale por algo até relevante, mas que perdura além do prazo. Maeve está empolgada com as aulas, mas logo recebe um balde de água fria por um professor que opta em tirar qualquer esperança de seus alunos desfrutarem dos seus respectivos talentos.
O ator Dan Levy interpreta o professor Thomas Molloy que, a princípio, deveria representar um mentor e guia para Maeve, mas, no fim das contas, nos mostra um professor ranzinza, prepotente e com ego inflado. Pra piorar, ele aparece pouco e somente para colocar Maeve para baixo, algo que ela menos precisava neste momento. Confesso que depositei expectativas altas neste plot e personagem, por isso, a decepção foi maior. Mas acredito que não será assim só comigo.
Além deste novo desafio não sair como imaginava, Maeve recebe a trágica notícia da morte de sua mãe, cuja relação não era boa, nem equilibrada como vimos na 3ª temporada. Isso faz Maeve retornar à Moordale, deixando-a ainda mais confusa, triste e perdida sobre o seu rumo.
No entanto, a morte da mãe é um alívio para a personagem (ela mesma diz), fazendo ela encerrar um ciclo em sua vida que já não lhe fazia bem. Em contrapartida, a despedida da mãe perdura, deixando a personagem ainda mais perdida, diminuindo o seu tempo de tela nos EUA, enquanto gasta tempo com o irmão Sean, um personagem inútil, desnecessário, cujas cenas seriam facilmente descartáveis.
Ainda com estes conflitos ocorrendo, Maeve é resgatada justamente por Jean, mãe de Otis, tornando-se sua rede de apoio emocional temporariamente, fazendo a jovem voltar aos eixos e tomar a decisão de retornar ao curso conquistado por mérito e, é claro, colocando o professor Molloy em seu devido lugar.
Otis e sua trajetória bagunçada

Do elenco principal de Sex Education, Otis também é um personagem importante, independente do espectador gostar ou não. Sua trajetória nesta reta final faz o personagem lidar com várias questões simultaneamente, deixando algumas situações de lado, ganhando um desfecho corriqueiro, enquanto se distancia daqueles que são importantes em sua vida, como o Eric.
Otis é quem mais vive na própria bolha que, por sinal, demora a ser estourada. Ele precisa lidar com o relacionamento à distância com Maeve; a rotina conturbada em casa, com a chegada da irmã recém-nascida Joy, enquanto a mãe passa por uma depressão pós-parto, além de não saber se volta a trabalhar ou não; a ajuda da tia Joanna, que causa com diversão e também ajuda Jean, deixando a trama interessante; a amizade com Eric que, infelizmente, esfria e se distancia por não conseguir dar apoio ao amigo quando precisa; a disputa pelo espaço na nova escola, uma vez que há uma nova terapeuta sexual no local; e a relação estremecida com Ruby.
Se tem um personagem que ganha vários plot é Otis, o que é bom por um lado, mas por outros, falta uma atenção maior em subtramas necessárias. Otis entende o que a mãe está passando e se acerta com ela apenas no último episódio, algo que deveria ter acontecido antes. A distância dele com Eric é o que mais dói nesta temporada, afinal, eles são a unha e a carne da série desde o início, e vê-los “dando um tempo” é dilacerante. A sorte é que esta reconciliação ocorre no último episódio, no entanto, o público fica sem aquele entrosamento divertido entre os dois quase a temporada toda. Mesmo com os seus problemas, Otis poderia ter reconhecido sua falha em não ouvir e entender as mudanças de Eric para, assim, o espectador desfrutar dos últimos momentos dos amigos juntos.

A rixa com a nova terapeuta sexual na escola a, ‘O’/Sarah, serve para apresentar a nova personagem e trazer Ruby com mais força ao enredo, já que Sarah fora uma amiga do passado que causou trauma em Ruby por conta do bullying que sofreu e, agora, deseja fazer justiça. Ruby usa da disputa de ‘O’ e Otis tanto para se vingar quanto para se sentir próxima do amigo. Mesmo sabendo que Otis ama Maeve, no fundo, Ruby ainda tinha sentimentos por ele. Ainda assim, ela o respeita, dá a volta a por cima e conquista o seu espaço na escola ao se tornar uma pessoa melhor a cada dia. Para mim, Ruby se tornou uma das melhores personagens da série, sofri com o seu isolamento nesta 4ª temporada e fiquei feliz com o seu desfecho. Ela encerra sua trama de cabeça erguida.
Já a ‘O’ é uma personagem interessante, tem problemas a serem resolvidos com os demais e cria uma rivalidade com o Otis que, até seria melhor, se o Otis não tivesse tão perdido em sua bolha nesta temporada. Ainda assim, dá para aproveitar.
Com relação à Maeve, é possível notar que o relacionamento à distância é algo difícil de lidar. Otis e Maeve são apaixonados, querem ficar juntos, ao mesmo tempo que Maeve precisa seguir com o seu sonho, dar este passo importante ao ir para os Estados Unidos. No fim das contas, Otis entende isso e a deixa partir, encerrando a trajetória de amor dos dois. Infelizmente, Otis e Maeve não terminam juntos e isso deixará muitos fãs decepcionados. E isso só confirma que esta temporada não foi desenvolvida para ser um final.
Em busca do rumo e da identidade

Um plot que surpreende em Sex Education é o de Eric, que faz novas amizades na escola, além de lidar com conflitos antigos que ganham dimensão e o faz enxergar sobre quem ele quer ser de verdade. Eric dá espaço para o novo trio de personagens – Roman, Abbi – que são os populares da escola e que fazem parte da mesma comunidade. Isso faz Eric criar um vínculo mais forte por conta da identificação, ter um clã para chamar de seu e ser quem ele é de verdade, sem precisar se camuflar. Isso faz ele também se distanciar de Otis temporariamente.
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Além disso, Eric ganha um plot relevante ao tratar de religião e a comunidade LGBTQUIAPN+, uma vez que certas religiões não aceitam a comunidade, algo visto quando Eric entra no impasse em ser batizado ou não, o que faz ele pensar constantemente sobre deixar de ser quem é para ser aceito pelos outros que, por sinal, não aceitam a sua verdadeira essência. A série traz um mix de realidade e final feliz quando a Igreja finalmente “abre a mente” e aceita Eric, enquanto o próprio revela à Otis que deseja se tornar pastor, após a aparição divina (Jodi Turner-Smith) e os sinais que recebeu. A real mesmo é que na vida real poderia ser assim, mas infelizmente não é.
Aliás, reforço que um ponto que vai incomodar a maioria do público é distância de Eric e Otis, a maior amizade de Sex Education. A ausência de desfrutar deste laço na temporada final será sentida, afinal, os fãs foram conquistados por esta cumplicidade. Entendo que ambos precisavam de espaço para resolver suas próprias questões, mas a série não deveria ter esquecido deles por muito tempo.
Maternidade e depressão

Outro plot que chama a atenção e é satisfatório ver abordado em Sex Education é sobre a maternidade e a depressão pós-parto. Jean sofre com a partida de Jakob que, no fim das contas, não aceitou o fato de não ser o pai de Joy. Mesmo Jean querendo dar continuidade na relação, a paternidade pesou demais. Tudo isso, somando a rotina de um recém-nascido, a distância com Otis e o embate em voltar ao trabalho o não, faz Jean mergulhar novamente na depressão por não aceitar que está com o problema, muito menos aceitar a ajuda de terceiros, como é o caso da irmã Joanna.
Aliás, Joanna é uma boa adição à série, pois incrementa a trama de Jean, atrapalha e ajuda a irmã, enquanto ambas reconhecem suas falhas e seus valores para construir um novo caminho. Além disso, conhecemos mais sobre o passado delas, como Jean lidou com a primeira separação e como isso afetou e ainda afeta Otis quando o assunto é amor e sexo. Um assunto bem abordado na série.
Ah, a grande surpresa mesmo fica para a identidade do pai de Joy que, na verdade, é o rapaz que trabalha no banco e, por sinal, se relaciona com Joanna. Achei bem aleatório e confesso que não lembro se este personagem apareceu na temporada passada.
Superação

Sex Education também entrega dois plots de superação: Aimee e Adam. A série coloca Aimee como par de Isaac nesta 4ª temporada, algo improvável e que não havia imaginado. Mas não é que deu certo? Isaac apresenta a arte para Aimee, que explora este potencial através da fotografia para, assim, superar o trauma que viveu ao sofrer o abuso no ônibus. Finalmente Aimee consegue colocar um ponto final, se reencontrar e se enxergar como mulher novamente, empoderando-se nestas questões, deixando o trauma não ser mais o protagonista da sua história. Vê-la queimar a calça jeans como símbolo de ciclo encerrado foi lindo.
Aliás, a relação de Aimee e Isaac dá um upgrade quando esta amizade ganha novos sentimentos. Achei um entrosamento bem diferente, mas que, no fim das contas, funciona, pois Aimee torna Isaac um personagem melhor e menos chato, enquanto ele ajuda Aimee nessa trajetória.

Já o Adam ganha um plot de superação, ao mesmo tempo que se torna o personagem mais deslocado da série, dando a sensação de ser um spin-off. Adam tinha a necessidade de resolver as questões familiares, especialmente com o pai, e encontrar algo que pudesse destacar o seu talento e lhe fazer feliz. No caso, é trabalhar com os animais. Até aí, tudo bem. O grande problema é que o personagem não tem conexão com quase ninguém da série. Ao decidir não retornar para a escola, ele fica isolado em sua trama, sem plots com os demais personagens, o que é injusto para o personagem e para o público que assiste. Era possível trabalhar os conflitos do Adam, sem deixa-lo fora da ambientação escolar e do contato com os demais. Uma pena.
Positividade tóxica

Desde o início da 4ª temporada de Sex Education vemos que os personagens veteranos ingressam na escola Cavendish, um local aberto a conversa, ideias, conceitos e propostas em nome do bem-estar e de um mundo melhor. Seria legal, mas a série faz questão de abordar sobre a positividade tóxica, especialmente pelo ponto de vista de Abbi que camufla os seus problemas e dos demais a fim de transformar o espaço escolar em uma ambientação confortável.
No entanto, o que era para ser bom, se torna irritante, pois os reais problemas são colocados debaixo do tapete, enquanto quem realmente precisa de ajuda, ou não recebe (porque todo mundo olha para o seu próprio umbigo), ou se esconde.
Quem quebra esta positividade tóxica é o Isaac ao iniciar uma paralisação na escola pela falta de acessibilidade quando o único elevador não funciona. Aqui fica claro que as pessoas tentam esconder quem são, juntamente com os seus problemas, e esquecem de ver que a sua volta também tem conflitos e necessitam de apoio, de que olhem para os lados.
Este plot torna-se irritante, mas se salva até a reta final quando o objetivo deste assunto é alcançado com sucesso.
Subtramas aleatórias

Na 4ª temporada de Sex Education também é abordado outros assuntos pertinentes, mas que ganham um desenvolvimento desequilibrado. Nestes novos episódios, Cal foca em sua mudança de gênero, que faz elu transitar em um limbo por ainda desconhecer o seu corpo, lidar com os hormônios masculinos, enquanto se sente sem apoio. Por um lado, este assunto é importante e relevante, mas por outro, o personagem foca somente nisso, sem outras vertentes para a sua subtrama, o que torna cansativo, pois Cal até tem poucas falas, tenta se relacionar com outras pessoas e não consegue e fica em um limbo constante, até ser salvo.
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Inclusive, o último episódio (que tem 1h20 minutos) usa boa parte do tempo para focar em Cal, sendo que isso poderia ter sido resolvido aos poucos nos episódios anteriores, deixando o episódio final para focar em outros desfechos.
Já Viv está focada nos estudos, mas acaba conhecendo Beau, um rapaz que demonstra ser um amor de pessoa que logo se encanta por ela. Mas esta paixão se transforma repentinamente em uma grande obsessão, tornando a relação abusiva. Felizmente, Viv percebe isso a tempo, não prejudica os estudos e conta com a ajuda de Jackson e Aimee. Mas este plot é repentino e a mudança de personalidade de Beau é instantânea, quase um “fragmentado”, sendo que poderia ter sido inserido aos poucos, dando sinais com antecedência.
Por fim, Jackson teme por sua saúde quando descobre um caroço no testículo, acreditando ser um câncer. Isso faz ele ir em busca da identidade do seu pai, algo que suas mães sempre lhe esconderam. No fim, ele tem resultados positivos dos exames e descobre que é fruto de uma relação extraconjugal, já que sua mãe se relacionou com um homem casado. Ele sente raiva momentaneamente, mas não odeia as mães. E fica por isso.
Considerações finais
A 4ª temporada de Sex Education funcionaria muito bem como uma continuação, pensando na possibilidade de mais uma temporada para o seu encerramento. No entanto, como esta é a última temporada, fica a sensação de que a história não terminaria desta forma, mas precisou ser encerrada por força maior e sem tempo para fazer novas mudanças na trama.
No fim das contas, Sex Education acaba com prós e contras que dividirá as opiniões e os sentimentos dos espectadores por conta de certas decisões, um desequilíbrio na narrativa e a falta de uma trama que conectasse melhor personagens tão queridos pelos fãs. O espectador termina a série com saudades e com a sensação de que poderia ter mais uma temporada para acabar com chave de ouro.
Ficha Técnica
Sex Education
Direção: Ben Taylor, Kate Herron, Sophie Goodhart, Alice Seabright e Runyararo Mapfumo
Elenco: Asa Butterfield, Gillian Anderson, Emma Mackey, Ncuti Gatwa, Kedar Williams-Stirling, Aimee Lou Wood, Connor Swindells, Jemima Kirke, Alistair Petrie, Chinenye Ezeudu, Mimi Keene, Jim Howick, Chaneil Kular, Mikael Persbrandt, Rakhee Thakrar, Samatha Spiro, Sami Outalbali, George Robinson, Dan Levy, Thaddea Graham, Marie Reuther, Felix Mufti, Anthony Lexa, Alexandra James e Imani Yahshua
Duração: 4ª temporada – 8 episódios (50 a 60 min)
Nota: 3,0/5,0