O cinema brasileiro arrisca em apresentar um filme que mistura ação, fantasia, faroeste e drama em um cenário sertão. O ponto alto é a fé que move os personagens em busca do seu objetivo. É assim que Reza a Lenda, do diretor Homero Olivetto, se desenvolve. Na trama, reza a lenda que se a “Santa de Ouro” for colocada em seu altar correto, fará chover na região sertaneja. Quem segue essa crença fielmente é Ara (Cauã Reymond) um homem de poucas palavras e muita determinação que lidera uma gangue de motoqueiros no lugar de um homem chamado “Pai Nosso”.
Muito simples e fácil de entender, a narrativa foca nos personagens em busca do seu milagre. Os diálogos são curtos, secos e diretos, o que não incomoda, muito menos, diminui a compreensão da trama. O cenário seco e deserto é um dos destaques do filme, pois enfatiza a realidade de se viver em um sertão, mas revela uma nova invenção do cinema, misturando as culturas brasileiras e pop (observa-se pela trilha sonora) com os efeitos cinematográficos americanos.
Em conjunto, os personagens criam, com força, a jornada que o espectador acompanha. Porém, há poucas cenas em que temos a história de cada um isoladamente, como, por exemplo, a de Ara. Aqui, descobrimos apenas como foi a sua infância (pouquíssima coisa) e quando ele se juntou ao grupo de motoqueiros. Por isso, não espere ver uma personalidade mais complexa de cada personagem, pois este não é o foco do filme. Mas, tenho que ressaltar a interpretação de alguns deles. Para começar, temos Sophie Charlotte no papel de Severina, líder secundária da gangue e mulher de Ara. O grande contraste foi a delicadeza da atriz, no geral, em um papel masculinizado. Sua personagem é brutal, porém os traços de sentimentalismo vêm à tona quando a situação fica fora do controle. Além disso, ela se sente ameaçada quando outra figura feminina surge entre a gangue. Tenho que dizer que Sophie executou muitíssimo bem seu papel e, em nenhum momento ficou a desejar.
Esta outra figura feminina é Laura, papel de Luisa Arraes. Na estrada, a amiga e ela sofrem um acidente de carro no instante em que a gangue foge da polícia. Socorrida pelo grupo, o espectador não entende o porquê Laura está ali, mas, no decorrer das cenas, compreendemos a função da personagem. O que fica um pouco fora do eixo é a atração que ela sente por Ara. Afinal, como e quando isso aconteceu? Seria proposital apenas para se proteger do pior que está por vir? Foi realmente necessário criar esse triângulo amoroso entre Severina, Ara e Laura? Acho que não.
O vilão da história é o coronel Tenório, vivido por Humberto Martins, um homem sanguinário, autoritário e poderoso que jura vingança quando descobre sobre o roubo da santa. Até agora não entendi a razão da raiva e posse pela santa e, infelizmente, isso não é explicado no filme. A interpretação satisfaz, porém gostaria de ter visto um lado mais obscuro do personagem. Nota-se sua crueldade a partir do método utilizado para eliminar o inimigo: pendurando a cabeça em balões de São João. Porém suas ações maldosas ainda são engessadas no filme. O que se pode notar também é que, por mais que suas atitudes sejam cruéis, o personagem tem um “quê” de covardia quando está sozinho com o seu oponente.
Outro personagem que chama a atenção é o Galego Lorde, interpretado por Julio Andrade. Lorde é a figura mística que explica como executar a lenda da “Santa de Ouro”. Mesmo com poucas cenas, seus gestos e atitudes chamam a atenção nas telas, afinal, é para ele que o “brinde” deve ser entregue para que o milagre, de fato, aconteça.
Reza a Lenda é um filme interessante e simples de compreender, com uma trama que mistura cultura pop e nordestina, tudo isso, elaborado em uma cinematografia ao estilo americano, sem deixar de perder as características reais da história. É um filme dinâmico, com várias cenas de ação, cujos personagens são movidos pela fé e não pela sede de espalhar sangue por onde passam. Porém, faltam explicações, como, por exemplo, a sede de vingança do vilão. Ara, Severina e o resto do grupo podem ser considerados herois? Depende do ponto de vista de cada um. Acredito que são personagens que buscam o milagre em nome da sobrevivência.
E aí, gostaram? O filme estreia hoje nos cinemas e é uma boa opção para assistir.
Ficha Técnica
Reza a Lenda
Direção: Homero Olivetto
Elenco: Cauã Reymond, Sophie Charlotte, Luisa Arraes, Humberto Martins, Júlio Andrade, Jesuíta Barbosa, Silvia Buarque, Nanego Lira e Zezita Matos.
Duração: 1h27min
Nota: 7,0