Quatro irmãos. Um pai autoritário e rude. Uma morte. Um mistério. Que segredo é esse que destruiu de vez essa família um tanto quanto disfuncional? Essas são as perguntas trabalhadas em Neve Negra, um filme argentino dirigido por Martín Hodara. Com a recente morte do pai, Marcos (Leonardo Sbaraglia) retorna a gelada Patagônia para realizar o último desejo do patriarca: ser enterrado ao lado de seu filho mais novo Juan (Ivan Luengo), morto em um trágico acidente na neve. Ao lado da esposa grávida Laura (Laia Costa), Marco também precisa tomar a decisão de vender as terras da família para uma empresa canadense que pretende pagar um preço alto. Para isso, ele terá que convencer o irmão mais velho, Salvador (Ricardo Darín), um homem rude, misterioso e nada afetuoso que se esconde há anos nessas terras devido ao passado triste que carrega nas costas. O que pode acontecer quando o passado e presente se encontram novamente?
O arco principal do filme é o mistério que assombra essa família. Afinal, que mistério é esse? Tanto no trailer quanto no início do filme, o espectador já toma consciência de que Juan não morreu e um trágico acidente e, sim, foi assassinado. Logo de cara podemos pensar que a trama girará em torno da pergunta ‘quem matou Juan?’, porém, o roteiro vai mais além dessa pergunta e traz os personagens de volta ao cenário não só para desvendar esse mistério, mas também para mostrar suas verdadeiras facetas. No começo, o público até consegue classificar quem é o protagonista e o antagonista, mas à medida que o roteiro cria camadas da identidade de cada um, fica claro que em Neve Negra não há heróis ou vilões, apenas pessoas que omitem verdades para se proteger e alcançar o que almeja.
Aliás, um ponto positivo da trama é que o roteiro apresenta duas linhas temporais que caminham juntas na narrativa. Enquanto o presente é a base principal do filme, acompanhamos flashbacks do passado que se passa no mesmo cenário e crescem à medida que o mistério é desenrolado. Porém, por se tratar de tempos diferentes, pode ser que alguns se sintam confusos com a história, já que as cenas se misturam. Em determinado momento você verá o personagem relembrando de algo do passado, mas alguns elementos farão com que o espectador crie certa confusão. Por exemplo, temos as atrizes Laia Costa e Dolores Fonzi, intérpretes de Laura e a irmã Sabrina, que apresentam características físicas semelhantes que, quando vistas rapidamente ou em cenas escuras, torna-se muito fácil confundi-las. Não sei se todos irão perceber isso, essa é uma observação que fiz quando assisti ao filme.
Outro ponto que pode dividir opiniões (depende de como você vai considerar o contexto) é o plot twist do filme que envolve um assunto polêmico e pesado. Achei essa virada de jogo bem envolvente, mas até que ela aconteça, a narrativa se torna estendida demais e até sonolenta, justamente por construir pouco a pouco as camadas de cada personagem e apresentar o passo a passo desse mistério que ganha energia e repercute apenas no terceiro e curto ato.
Em termos técnicos, Neve Negra não deixa a desejar. O filme é todo emoldurado em uma bela fotografia repleta de neve, deserto e solidão. Isso até ajuda a criar um filme sensorial, ou seja, você é capaz de sentir muito frio enquanto acompanha os personagens em meio à violenta nevasca.
Personagens
Como disse anteriormente, não há heróis e nem vilões e sim, personagens que mudam de posição na trama com o intuito de sobreviver, guardar a verdade e tirar proveito daquilo que quer. Marcos, papel de Leonardo Sbaraglia é o nosso primeiro exemplo. Ele nos é apresentado como o mocinho da trama, aquele realiza o último desejo do pai, tenta vender as terras, cuida da irmã que está internada em uma clínica psiquiátrica, ama e protege a esposa grávida, tenta ajudar o truculento irmão mais velho que se esconde na neve. Mas, à medida que passamos o tempo dentro da cabana, vemos uma faceta mais duvidosa de Marcos, e quando a verdade vem à tona, sabemos qual personalidade escondida por diversas camadas é a verdadeira.
Ricardo Darín não fica para trás e nos entrega um Salvador frio, rude, teimoso, agressivo, encardido e largado, mas que carrega um fardo nas costas de um passado triste e assombroso em que era menosprezado pelo pai. Além disso, ele faz parte do segredo da família, por isso a razão dele se esconder nas terras isoladas há anos. Assim como Marcos, Salvador também inverte o seu papel e passa a ser visto não só como antagonista, mas como vítima e cúmplice, poderia dizer. Essas pequenas conclusões vão depender da forma como cada um interpreta o contexto da trama.
Para mim, a personagem Laura, interpretada por Laia Costa, surpreende no filme. Ela chega na surdina, como uma simples acompanhante do marido, mas que infla entre dois grandes atores assim que passamos um tempo com ela na cabana e vemos quais são suas intenções, mostradas de forma sutil no início, mas que se tornam estrondosas quando ela age por impulso. Ou seria tudo planejado? Outra conclusão que cabe a cada um tirar da forma como enxerga tanto a personagem na história. Pra mim, Laura apresenta um pouco de inocência que some completamente em meio a sua perspicácia, esperteza e ambição, passando por cima até de assuntos realmente difíceis de lidar.
Considerações finais
Depois de dois atos um pouco maçantes, a trama surpreende no terceiro ato que ganha uma reviravolta empolgante, mas que é cortada bruscamente com o objetivo de fazer o público refletir e tirar as suas próprias conclusões. Neve Negra não se prejudica com o roteiro um pouco arrastado, mas tem uma história que intriga, apresenta personagens que ganham a nossa atenção com a desconstrução de suas camadas, uma reviravolta um pouco polêmica e um desfecho bom e bruto. É um filme que vale a pena assistir.
Ficha Técnica
Neve Negra
Direção: Martín Hodara
Elenco: Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia, Laia Costa, Federico Luppi, Dolores Fonzi, Mikel Iglesias, Ivan Luengo e Andrés Herrera.
Duração: 1h30min
Nota: 7,5