Em 2011, milhões de fãs choraram ao se despedir do bruxinho mais adorado pelo mundo, sem ao menos cogitar que essa magia – que conquistou muitas crianças, adolescentes e adultos desde os primórdios de 2001 – pudesse retornar. Mas ela retornou. J.K Rowling reacendeu essa chama nos apresentando uma nova história, novos personagens e um novo mundo bruxo sem perder aquela essência mágica e nostálgica de Harry Potter. Com isso, fomos apresentados a Animais Fantásticos e Onde Habitam, um filme dirigido por David Yates e totalmente desenvolvido a partir de um simples livro que fez parte da lista de materiais de Hogwarts.
Assim que o logo escurecido da Warner Bros Pictures invade a tela do cinema e nossos olhos, a emoção vai a mil por hora e dá início a uma nova aventura ambientada em Nova York na década de 20. O magizoologista New Scamander (Eddie Redmayne) chega à cidade despretensiosamente, apenas com o intuito de continuar explorando o mundo dos animais fantásticos para escrever o seu livro, além de ajudar um das criaturas a retornar ao seu habitat de origem. Mas Newt chegou em um momento frágil dos mágicos norte-americanos, que passam por uma fase de tensão e terror com os ataques do bruxo Gerardo Grindewald, além de ter que se desdobrar para manter a identidade dos bruxos em segredo dos não-mágicos e lidar com a Nova Salem, um grupo liderado por Mary Lou (Samantha Morton) que prega a necessidade da destruição e extermínio dos bruxos. E é justamente nessa hora que Newt inicia uma aventura perigosa, pois ao trocar de maleta com o não-mágico Jacob (Dan Fogler), algumas criaturas escapam alarmando a cidade. A partir daí o caos é instalado, pois muitos acreditam que os ataques vêm desses animais. Para reverter essa situação, Newt ganha a ajuda de Jacob e também da zelosa e burocrata aurora Porpentina Goldstein (Katherine Waterson) e de sua irmã Queenie (Alison Sudol), uma bruxa com o dom da legilimência.
Animais Fantásticos e Onde Habitam é a estreia de J.K Rowling como roteirista e posso dizer que ela executa esse papel com maestria, conseguindo desenvolver a trama do zero com uma vasta riqueza de detalhes, assim como vimos na saga Harry Potter. Em primeiro lugar, a autora trata o público como “graduados de Hogwarts”. Isso quer dizer que todos aqueles que são familiarizados com HP, sabem (ou tem base) sobre expressões (“pelas barbas de Merlim”) nomenclaturas, feitiços etc. Ou seja, a maior parte do público vai entender quando algum personagem falar “revelio”, “accio”, “alorromora”, “petrificus totalus” ou, até mesmo, quando os bruxos lançam feitiços apenas mentalizando o nome. Quem leu e assistiu aos filmes sabe que essa técnica foi ensinada e J.K Rowling irá testar os seus conhecimentos.
Apesar das referências a saga, Animais Fantásticos aborda uma época totalmente diferente de HP, mas que já foi citado na história do bruxinho. Por isso, quando for assistir ao filme, desapegue um pouco de Harry Potter, pois a trama é mais adulta, sombria, com um toque de diversão, que não se passa mais em uma escola com pequenos estudantes chegando para o seu primeiro dia de aula, mas, sim, bruxos especializados que precisam tomar cuidado em meio a uma onda de terror que ameaça expô-los à comunidade não-mágica.
Por não se passar mais em Londres, a autora constrói um novo mundo mágico, regionalizado de acordo com os costumes e as leis dos bruxos americanos. Por exemplo, a escola de NY se chama Ilvermorny, concorrente de Hogwarts; o Ministério da Magia americana se chama MACUSA; os trouxas americanos são chamados de “no-maj” e todos esses detalhes são elaborados impecavelmente. Também não posso deixar de falar do cenário construído na década de 20 e todo o cuidado que a produção teve com os figurinos da época, a paleta de cores usada no filme, os costumes e lugares típicos. Por exemplo, não temos o beco diagonal em NY, mas temos um bar escondido que carrega um ar noir, comandado pelo duende gângster Gnarlak (Ron Perlman).
Por fim, o mais encantador do filme é quando o público é levado para dentro da maleta de Newt Scamander que, por fora, não passa de uma mala simples e velha, mas por dentro é um vasto espaço dividido em vários ambientes de acordo com a espécie de cada animal fantástico. É lindo de ver e você quer que a cena não termine mais.
O que você não vai ver
Como Animais Fantásticos e Onde Habitam será dividido em cinco filmes, este é apenas uma introdução que apresentará os personagens principais e deixará pontas soltas que serão moldadas nos próximos filmes. Por isso, pode ser que alguns fãs se incomodem com algumas cenas e ações de alguns personagens, pois essas pontas soltas só ganharão melhor compreensão mais pra frente. Mesmo assim, isso não prejudica no entendimento da história, muito menos no seu desenvolvimento. Outro ponto que pode cansar um pouco o espectador é que o filme gasta alguns e bons minutos para apresentar e explorar o mundo dos animais fantásticos na maleta de Newt. Mas, como disse, essa cena é tão linda que é quase impossível você se irritar com essa demora.
Outros pontos que apenas são mencionados e não explorados são a escola Ilvermorny e o Ministério de NY. MACUSA serve de cenário para mostrar as grandes autoridades do mundo mágico, como a presidente do Ministério e o renomado e misterioso auror Percival Graves (Colin Farrell), além de ser o local onde os personagens principais são acusados e julgados por seus atos. Já do lado dos não-mágicos, temos apenas algumas cenas da redação do jornal, liderado pelo Sr. Henry Shaw (Jon Voight), que apoia a candidatura de seu filho mais velho ao senado. Além disso, temos a menção a Nova Salem, um grupo que é contra a existência de bruxos em meio à sociedade, porém esse grupo é pouco explorado e não sabemos ao certo a sua origem. No entanto, esse plot não fica solto na trama e nem o prejudica, muito pelo contrário, os integrantes da Nova Salem são bastante importantes nesta nova jornada.
Por fim, um dos vilões que será o grande antagonista nos próximos filmes é Gerardo Grindewald, interpretado por Johnny Depp, a grande surpresa do filme. Não vou falar o que ele faz e o que acontece, pois seria um grande spoiler, mas fique atento ao personagem, pois ele será importante para a continuação dessa história. E a participação de Depp na trama é curta, mas o suficiente para ser ótima.
Personagens fantásticos
Eddie Redmayne chegou a fazer testes para interpretar Tom Riddle na saga HP, mas graças a deus ele não foi escolhido, pois Newt Scamander estava esperando por ele. O ator executa esse papel com maestria, com trejeitos e expressões faciais que torna o personagem peculiar. Newt é tímido e retraído com as pessoas, mas quando está de com as criaturas, ele se torna outra pessoa, mais descontraída. A forma como ele fala e gesticula com os animais é lindo de se ver e há duas cenas que enfatizam isso e faz com que o público se encante, emocione e até dê risada. Newt fala pouco e suas ações falam muito mais alto que as poucas palavras que saem de sua boca. O passado de Newt também é pouco explorado e apenas sabemos que o bruxo foi expulso de Hogwarts por algo que não fez, sendo defendido apenas por Alvo Dumbledore.
O grande destaque do filme, sem dúvida, é o não-mágico Jacob, interpretado por Dan Fogler. J.K Rowling arrasou ao introduzir um personagem comum dentro deste ambiente mágico, trazendo muitas cenas cômicas com pequenos gestos, expressões e diálogos na dose e na hora certa. Jacob apresenta um arco mais romântico e cheio de flertes com Queenie, mas é com Newt que ele cria o que chamamos de verdadeira amizade. A química entre Fogler e Redmayne funciona extremamente bem. Você não quer que eles se separem nunca e o público fica ansioso por mais aventuras com essa dupla totalmente oposta e igualmente perfeita.
Katherine Waterston dá a vida a Porpentina, conhecida como Tina, uma aurora que teve problemas no trabalho e agora quer retomar o seu posto. No começo ela chega a irritar com algumas atitudes que tem com o Newt, mas aos poucos ela vai conquistando o público. Não é uma personagem 100% carismática igual Jacob, mas ela tem seu lado doce, delicado, determinado e forte quando deseja fazer algo.
Queenie também não fica para trás e Alison Sudol traz uma delicadeza estonteante à personagem que além de bonita, é inteligente, descontraída e ousada nas ações. A legilimência é seu poder principal e ela consegue extrair alguns mistérios do passado de Newt, que só assistindo para você saber do que se trata.
Se por um lado esses personagens são da parte mágica e cômica de Animais Fantásticos, do outro temos aqueles vivem na parte sombria da trama, como Percival Graves, interpretado por Colin Ferrell. Ele está ótimo no papel e traz um personagem que, apenas com o olhar, transmite o seu lado enigmático e misterioso questionando o público sobre qual é o seu plano e as verdadeiras razões para ele estar ali.
Por fim, não posso deixar de falar da interpretação magnífica de Ezra Miller como o embutido e esquisito Credence, da família de Mary Lou que, agora, faz parte da Nova Salem. Credence apresenta peculiaridades sombrias, mas é no decorrer da trama que o espectador entende as razões dele ser assim e torce para que algo de bom aconteça. Não posso dar mais detalhes para não estragar, mas peço para prestar atenção nesse personagem que é tão brilhante quanto os demais.
Considerações finais
Animais Fantásticos e Onde Habitam tem um final muito bom e aberto, ou seja, a cena final apresenta pontas soltas que serão explicadas no segundo filme. Não fique com raiva por causa disso e lembre-se que essas conexões irão acontecer mais pra frente. O filme faz referências a Harry Potter, mas lembre-se também de que esta é uma história bem diferente do que vimos na saga, com um tom mais adulto e sombrio, que também ganha cenas de leveza e humor, principalmente com Jacob, Newt e os bichinhos espertinhos que saem de sua mala. Serão cinco filmes, ou seja, muita coisa ainda vai acontecer e este primeiro é apenas uma introdução a um novo mundo mágico. Não se preocupe, pois assim como a maleta de Newt carrega um mundo de animais fantásticos, a mente de J.K Rowling é um vasto mundo de criatividade, capaz de elaborar uma nova trama cheia de magia e mistério que nos conquistará novamente pela próxima década.
Ficha Técnica
Animais Fantásticos e Onde Habitam
Direção: David Yates
Elenco: Eddie Redmayne, Dan Fogler, Katherine Waterston, Alison Sudol, Colin Ferrel, Ezra Miller, Jon Voight, Samatha Morton, Ron Perlman, Johnny Depp e Carmen Ejogo.
Duração: 2h13min
Nota: 9,5