Se você gosta de filmes repletos de cenas de ação e não é muito fã do excesso de diálogos e narração, A Grande Jogada (Molly’s Game) talvez não seja a melhor opção para assistir. Mas ainda assim, eu insisto que você, caro espectador, assista não só para conhecer a história instigante da ‘Princesa do Pôquer’, mas também para conhecer mais um bom trabalho de Aaron Sorkin (A Rede Social, Steve Jobs, O Homem Que Mudou o Jogo, The Newsroom, 30 Rock) que escreve e dirige este filme.
Baseado em uma história real, A Grande Jogada conta a história de vida de Molly Bloom (Jessica Chastain) desde os tempos em que era esquiadora profissional até a famosa época em que comandava noites de pura jogatina. Após perder a chance de participar dos Jogos Olímpicos devido a um grave acidente, Molly decide tirar um ano de folga dos estudos e ir trabalhar em Los Angeles como garçonete, enquanto dorme no sofá da casa do amigo. É neste tempo que ela conhece Dean Keith (Jeremy Strong), um produtor de cinema que decide contratá-la como assistente. Por trás do mero emprego informal, Molly passa a coordenar jogos de cartas clandestinos, organizados pelo chefe, que conta com uma lista rechonchuda de clientes ricos e famosos. Fascinada com o ambiente e a possibilidade de enriquecer facilmente, Molly começa a prestar atenção a todos os detalhes para que ela própria possa organizar jogos desse nível.
Assim como o pôquer, Aaron Sorkin adapta essa história com muita habilidade, afinal a trama não vai exigir que você preste atenção nas imagens ou ações que virão a seguir e, sim, no extenso jogo de palavras que são expelidos ao longo de 2 horas e 20 minutos de forma eloquente, rápida e eficaz. Assim que o público engata na passeata de frases, o mergulho é profundo e a história fica cada vez mais poderosa e instigante de acompanhar. Os diálogos, monólogos e a excelente narração de Jessica Chastain fazem a história caminhar gradativamente a ponto de o espectador ficar com medo de piscar os olhos e perder algum detalhe dito.
Assim que compreendemos e aceitamos o formato do filme, passamos a prestar mais atenção na narrativa não-linear. A Grande Jogada poderia perder inúmeros pontos, caso a história ficasse extremamente picotada, mal contextualizada ou, simplesmente, sem nenhum sentido. Mas, mais uma vez, Sorkin injeta sua habilidade em contar uma história em três vertentes que se conectam perfeitamente. Os primeiros três minutos de filme já mostram Molly encrencada com relação aos jogos. Ao ficar ciente de sua atual situação, ela vai atrás de Charlie Jaffey (Idris Elba), um dos melhores advogados do país capaz de conduzir este caso no tribunal. É durante esses encontros que o longa volta ao passado para contar a história da personagem principal desde a sua infância no esqui, o relacionamento com sua família até o primeiro jogo de pôquer organizado por ela.
Enquanto vagamos pelo passado de Molly na qual enfatiza o quão difícil é derrubá-la, por mais que a queda seja grave, entendemos melhor a sua afinidade com o esqui, a razão dela não aceitar ficar em uma posição inferior aos demais concorrentes, inclusive seus irmãos e, é claro, o relacionamento áspero com o pai, Larry (Kevin Costner). Ao partir para as cenas em que Molly conhece o pôquer, o público também é inserido ao mundo da jogatina em que, novamente com o auxílio exagerado das palavras, faz ter uma boa compreensão sobre o que é pôquer, como se joga, quais são as regras, quais são os blefes e armadilhas e, é claro, as consequências de mergulhar em mundo que faz perder até milhões em dinheiro com uma única carta. Não se preocupe se você não entende nada sobre esse jogo, pois o filme consegue entregar um breve conhecimento do tema justamente para não boiar na história. A partir daqui, a cada carta virada, a cada rodada, a cada jogo organizado e a cada nota perdida ou ganha, passamos a entender o que, de fato, acontece com Molly até a primeira cena em que a mostra cara a cara com o FBI.
O filme aponta que há muitos famosos na roda de jogos de Molly, porém nenhum nome é revelado, o que aguça ainda mais a curiosidade do espectador. Inclusive o personagem interpretado por Michael Cera é conhecido apenas como Jogador X. No entanto, o livro – que também ajuda a guiar a trama – revela quais são os nomes principais. Por isso, se você tem muita curiosidade em saber quem fazia parte desse mundo, indico que você leia. Aliás, não vou falar tantas coisas sobre o filme, pois o que realmente vale é você assistir e acompanhar palavra por palavra.
Não dá para negar que Jessica Chastain está excelente na pele da princesa do pôquer. A atriz entrega uma Molly que, por muitas vezes, poderia ter perdido a linha diante de certas situações que colocaram sua vida em risco. Mas Molly é inteligente, esperta, eloquente, neutra e tranquila, até mesmo nas horas mais angustiantes. Os momentos mais memoráveis são quando Molly tem que lidar com a grosseria e o machismo de Dean; um encontro nada esperado em sua casa; quase todas as conversas dela com Charlie; e o reencontro com o pai.
O personagem de Idris Elba não existe no livro, porém o advogado ajuda a conduzir a história ao arrancar informações excepcionais da vida de Molly, sobre o jogo e com quem ela se envolveu. Aqui, sabemos mais sobre os jogadores recrutados para sua mesa, se os encontros envolviam drogas e prostituição e, finalmente, quem, além de Molly, poderia perder muita coisa caso ela entregasse todos os nomes da lista e todas as gravações no secreto HD. O personagem de Elba protagoniza um monólogo ao lado de Molly e mais dois promotores que é simplesmente sensacional. É um tiro de palavras que faz o público ficar sem fôlego de tão bom que é. Está entre as minhas cenas favoritas do filme.
Considerações finais
O final não poderia ser diferente e traz o tão esperado veredito de Molly Bloom que, por sinal, não fica a desejar. A Grande Jogada não é um filme de ação. O ritmo da história se encontra nos diálogos, monólogos e na excelente narrativa construída por Sorkin e bem executada por Chastain. Eu diria que A Grande Jogada é um filme ágil e habilidoso tanto nas palavras quanto no bom desenvolvimento e condução dos personagens. Não é um filme que todos irão gostar, mas é um bom filme.
Ficha Técnica
A Grande Jogada
Direção: Aaron Sorkin
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Kevin Costner, Michael Cera, Jeremy Strong, Chris O’Dowd, Bill Camp, Brian d’Arcy James, Samantha Isler, Graham Greener (II), Natalie Krill, Rachel Skarsten, Joe Keery e Jon Bass.
Duração: 2h20min
Nota: 8,5