Lembro que quando criança, todo final de semana alugava uma fita (sim, sou dessa época), deitava no sofá da sala e assistia, pelo menos, três vezes ao dia até devolvê-la rebobinada, é claro. Entre essas fitas estava A Bela e a Fera e já nem me recordo às inúmeras vezes em que me apaixonei pela história, pelas músicas e pelos personagens. Estamos em 2017 e o cinema me deu a oportunidade de assistir novamente um dos desenhos que marcou a minha infância, em carne e osso, com uma pegada mais moderna e mais conectada com a minha realidade.
A história que tanto me encantou fala sobre a jovem Bela (Emma Watson), uma camponesa que vive em uma pequena aldeia na França, no século XVIII. Uma garota bem a frente de todos, apontada como a “estranha” do vilarejo pelo simples fato de gostar de ler, sonhar, viajar e inventar. Casar não está em seus planos, como é o objetivo das demais donzelas do local. Um dia, Bela vai atrás de seu pai após ser capturado em meio à floresta sombria e fria. Lá, ela descobre que Maurice (Kevin Kline) está preso em um castelo enfeitiçado e esquecido por todos, onde vive uma Fera (Dan Stevens) rancorosa e perigosa, por assim dizer. Para salvar o seu pai, ela coloca a sua liberdade nas mãos de Fera, prometendo ficar no castelo para sempre. Com o tempo e a descoberta de que os objetos podem se mexer e falar, Bela percebe que há muitos segredos naquele lugar, inclusive a identidade da Fera que, para voltar a ser um príncipe, ele precisa despertar o amor verdadeiro com a pessoa certa.
Uma coisa é certa: o roteiro não é só extremamente fiel à animação de 1991 da Disney como ela também vai muito mais além. A narrativa resgata memórias dos personagens principais para o público saber quem é a Bela e quem é a Fera, e não apenas como eles se conhecem. A partir do momento que o passado de cada um é revelado, o espectador cria mais intimidade e ficam satisfeitos por conhecerem melhor os personagens que tanto amam desde a infância.
Bill Condon não se prende também somente a uma história de amor entre uma garota e um príncipe enfeitiçado. O diretor dá uma roupagem moderna à trama, apontando questões sociais e como elas eram tratadas naquela época, mais precisamente, em uma sociedade francesa do século XVIII. Mulher instruída? Claro que não! A mulher era vista como dona do lar, esposa dedicada ao marido e aos filhos 24 horas por dia. Independência? Para quê? Há duas cenas da personagem Bela na aldeia que mostram exatamente isso: a mulher vista apenas para casar e procriar. Não é à toa que a música diz que “Bela é estranha”. Bela, minha amiga, você não é estranha. Você está um passo muito mais a frente do que todos. Você sonha em viajar, conquistar algo que é muito maior do que a aldeia pode lhe oferecer. Você não PRECISA de um amor. Você QUER um amor, desde que seja verdadeiro. Não, Bela, você não é estranha. A sociedade é. É com essa nova roupagem que A Bela e a Fera nos mostra que a mulher do século XXI ganhou o seu espaço, sua independência e seus direitos. O machismo se tornou menos explícito, mas ainda paira sobre nossas cabeças. A Bela que o diga ao ter que aguentar o Gaston.
Aliás, outro elemento surpresa que temos na trama é um personagem gay. O diretor apresenta traços da homossexualidade com sutileza, alegria e muito bom humor. Está perfeito do jeito que está. Sem tirar e nem pôr. Mas vou falar a respeito deste personagem mais para frente.
Magia que transborda
A Bela e a Fera nos entrega um prato recheado de figurinos lindíssimos e coloridos, além de efeitos especiais que enchem os olhos dos espectadores. Lembram-se da cena de Bela andando e cantando pela aldeia? O jantar ao som de “Be Our Guest”? Como se esquecer do épico baile da Bela com a Fera? E Gaston pulando em cima das mesas na taverna? Essas e todas as outras cenas clássicas da animação foram muito bem elaboradas no filme e, sim, você vai se emocionar, pois o seu “eu” mais novo vai sentar ao seu lado e te dizer: lembra quando cantávamos essa música na sala e sonhávamos em, um dia, dançar com alguém especial, ter uma biblioteca gigante em casa ou um jantar mágico?
Claro que todas essas cenas estão muito bem acompanhadas de uma trilha sonora romântica, nostálgica e envolvente. Aliás, novas músicas foram adicionadas no filme. Madame Samovar cantando “Beauty and the Beast” durante o baile vai fazer alguns suspirar, enquanto outros vão querer bater os pés no chão enquanto Gaston canta e dança.
Objetos falantes roubam a cena
O filme não é feito só de personagens em carne e osso. A maior parte da narrativa, dos diálogos cômicos e das soluções encontradas para aproximar a Bela e a Fera, afastar os inimigos e quebrar a maldição se devem aos ilustres objetos falantes. Aqui, você vai se encantar com o charme de Lumière (Ewan McGregor) e o seu romance com Plummete (Gugu Mbatha-Raw). Mas é a amizade e a cumplicidade com o relógio Horloge (Ian McKellen) que vai te conquistar logo de cara. Aliás, a participação de Ian McKellen está sensacional. Ele consegue roubar a cena nas poucas vezes em que aparece, e não é no formato de relógio. Quem também vai fazer o público rir e se divertir são o piano Cadenza (Stanley Tucci) e a guarda-roupa Garderobe (Audra McDonald). Mas quem emociona e traz um lado mais maternal ao filme são Madame Samovar (Emma Thompson) e Zip. Todos eles estão exatamente iguais ao desenho.
Personagens
Emma Watson está perfeita na pele da jovem Bela. Não tenho do que reclamar. Aqui, Emma desconstrói o conceito de “princesa que precisa ser resgatada” e nos dá a sútil ideia de #GirlPower nas atitudes da personagem, na forma como ela pensa e age, sempre com uma opinião forte e pronta para responder quem te provocar. Casar? Só quando ela quiser e com quem quiser. Bela almeja coisas que não cabem na aldeia onde vive. Mas também se vê em um grande impasse quando sacrifica sua liberdade para salvar o pai. Mesmo criando um laço afetivo com Fera, a personagem de Emma questiona algo que vale como reflexão: é possível ser feliz sem ser livre? Uma pergunta válida, até porque podemos dizer que Bela se sentia presa na aldeia por não se encaixar totalmente aos padrões dali. Essa é apenas a minha opinião. Pode ser que vocês pensem de outra forma.
Outro personagem da animação que também chama a atenção é Maurice, interpretado por Kevin Kline. O amor entre pai e filha emociona e o filme consegue dar mais espaço a história deles, especialmente quando somos apresentados ao passado de Bela. Quem já assistiu ao desenho sabe que Bela não tem mãe e aqui, descobrimos o que aconteceu.
Dan Stevens está esnobe como o príncipe e rabugento e encantador como Fera. O personagem está exatamente igual á animação: mal humorado, raivoso e aterrorizante. Mas assim que conhece e se aproxima de Bela, toda a sua feição muda e o ator transmite toda essa emoção perfeitamente através de seus olhos claros e expressivos, e nem mesmo a maquiagem e os efeitos atrapalham sua performance. Assim como Bela, Fera também tem um passado que explica porque ele se tornou um príncipe arrogante e egoísta.
Tenho uma queda por vilões e posso dizer que Luke Evans incorpora um perfeito narcisista e machista Gaston. O personagem representa a figura de um cara babaca, que pensa somente nele, nos seus gostos e vontades, além de querer uma esposa para “massagear os seus pés, enquanto a criançada corre pela casa”. As cenas com Bela são poucas, mas memoráveis. Já a cena da taverna e a luta contra a Fera são um dos melhores momentos do filme, na minha opinião. No quesito vilão, Gaston é nota 10! No quesito ator, Luke Evans também é nota 10. Não colocaria outro ator para interpretar esse personagem.
Agora, vamos falar de outro personagem que ganhou um destaque especial no filme: Le Fou. Interpretado por Josh Gad, Le Fou não é somente o ajudante e amigo de Gaston. Ele traz humor, diversão, alegria e alívio cômico. Por mais que ele esteja do lado do inimigo, Le Fou mostra bondade e arrependimento diante de certos erros. Mas o ponto alto do personagem é sua homossexualidade que, para mim, foi tratada de forma muito natural, sutil e leve. Não vou explicar o que o filme mostra ou deixa de mostrar. Apenas assista e tire suas próprias conclusões. E para quem está fazendo muito barulho porque a Disney colocou um personagem gay na história, apenas pare com isso.
Considerações finais
O final é épico, envolvente e emocionante. É feliz e perfeito como deveria ser. A Bela e a Fera é uma live-action fiel à sua obra original, mas que surpreende com elementos surpresas, trazendo novidades que, com certeza, o público irá adorar. Os figurinos e os efeitos especiais estão espetaculares e a trilha sonora está linda. Mas são as interpretações e o roteiro que vão fazer os espectadores refletirem e se emocionarem a cada diálogo, dança e troca de olhar.
Nem preciso falar que vale a pena assistir né?
Ficha Técnica
A Bela e a Fera
Direção: Bill Condon
Elenco: Emma Watson, Dan Stevens, Luke Evans, Josh Gad, Kevin Kline, Ewan McGregor, Ian McKellen, Emma Thompson, Stanley Tucci, Audra McDonald, Gugu Mbatha-Raw, Hattie Morahan, Adrian Schiller, Gerard Horan, Lynne Wilmot e Michael Jibson.
Duração: 2h14min
Nota: 10