Eu Nunca (Never Have I Ever) retornou em uma 3ª temporada ainda mais deliciosa, com episódios fluídos e dinâmicos, como sempre foi, sem as famosas “barrigadas” em um desenvolvimento que aborda evolução e maturidade dos personagens que engrenam para um novo capítulo de suas vidas rumo a o início da fase adulta.
A série soube distribuir bem o tempo e espaço aos personagens, em que alguns coadjuvantes ganharam destaque surpreendente, enquanto os protagonistas tiveram suas identidades ainda mais exploradas, seja nos relacionamentos amorosos e familiares, nas amizades, em alguns conflitos pessoais e, principalmente, nos próximos passos que querem dar ao futuro sem deixar de aproveitar o que a vida tem a oferecer no presente. Sem dúvidas, Eu Nunca continua sendo uma das melhores séries teens da Netflix dos dias atuais.
A 3ª temporada de Eu Nunca continua no seu bom e velho ritmo de 10 episódios de 30 minutos e sem enrolações, uma vez que a série parte dos eventos finais da 2ª temporada, mostrando a Devi e o Paxton no auge do namoro e da popularidade na escola, um ponto que, a princípio, assusta um pouco, pois indica que cairá no mesmo clichê adolescente com as mesmas problemáticas. No entanto, a série surpreende ao mostrar tamanha evolução dos personagens na forma como lidam com os problemas que surgem a frente, uma vez que certas situações se tornam repetitivas, mas as ações, reações e resoluções são diferentes e amadurecidas.
Nestes novos episódios, Devi continua sendo a grande protagonista, mas soube dividir os holofotes com absolutamente todos do elenco, o que é um ponto extremamente positivo ao programa, com destaque para Ben – que, mais uma vez, ganhou um episódio solo – Paxton que cresceu absurdamente e, é claro, toda a família e as amigas de Devi.
Confira a crítica da 2ª temporada de Eu Nunca
Se a temporada passada abordou os conflitos amorosos de Devi que, acabou dividida e envolvida com duas pessoas ao mesmo tempo, e ainda entrou em conflito com a nova garota da escola, nesta 3ª temporada, a personagem surpreende pela forma como ingressa no namoro com Paxton em meio às inseguranças, uma vez que ela se sente julgada pela aparência e personalidade ao se relacionar com o garoto mais popular da escola. Tal conflito interno se divide em dois caminhos, em que ora ela ajuda o rapaz a amadurecer e saber o que realmente quer em uma relação, além de reconhecer o quão babaca já foi com outras garotas no passado; ora ela se sente com baixa autoestima para manter o namoro, acreditando que outra pessoa sempre será melhor que ela.
O namoro não dura tanto quanto eu gostaria, pois a série poderia ter explorado um pouco mais o casal em uma relação duradoura, mas a forma como a trama lida com esta situação surpreende, pois o espectador passa a ver uma Devi em ascensão, menos impulsiva e teimosa como na 2ª temporada. A personagem compreende o término da relação, sofre com o rompimento (o que é normal), mas sua evolução começa neste ponto ao saber lidar com perdas e dar a volta por cima, um ponto recorrente desde a 1ª temporada com a morte do pai que, por sinal, é um detalhe que vem à tona novamente.
Se tem algo que não se pode reclamar é a evolução da protagonista nesta 3ª temporada, afinal, ela sai daquela atmosfera egoísta e rebelde e parte para uma fase jovem adulta em que necessita aprender a lidar com as dores e a trabalhar pontos vulneráveis provocados por pessoas ou gatilhos. Devi acredita ser uma garota muito intensa, “uma panela em ebulição” na qual ninguém quer lidar, o que a faz pensar que não terá o amor que tanto deseja e merece, uma discussão bem realizada tanto nas sessões de terapia (as cenas continuam sensacionais) quanto nas conversas com a mãe que, finalmente, diminui o excesso de controle e proteção e passa a entender melhor os sentimentos e a fase que a filha está passando.
Ela ainda passa por mais algumas situações conflitantes, como um novo relacionamento na qual a julgam de forma precipitada; a ideia de estudar em outra escola e terminar o último ano longe de casa e dos amigos; a famigerada tentativa de perder a virgindade, algo que ela deseja desde o início; e, é claro, o luto e o medo de esquecer essa dor por se sentir feliz atualmente.
Devi está mais leve, sorridente e grata, um ponto que a faz se sentir culpada por não estar sofrendo pelo pai, algo que acontece desde o começo. O mais interessante é que a série mostra o crescimento dos sentimentos da protagonista e que a dor da perda não precisa, necessariamente, ser descartada, mas pode ser minimizada a fim de que seja feliz e vire uma página sem esquecer o passado e quem faz ou fez parte de sua vida. Eu Nunca trabalha o luto de um jeito gracioso, formidável e até divertido a fim de que o espectador consiga absorver um assunto tão pesado e, às vezes, indigesto e com gatilhos.
Time Ben ou Time Paxton?
Esta é a pergunta que não quer calar desde a temporada passada, mas é uma questão que continua em aberto. Devi inicia e termina um namoro com Paxton, mas o grande carinho e a amizade entre os dois permanece forte, mostrando o quanto um influencia positivamente na vida do outro. Assim como ela evoluiu diante dos seus relacionamentos, Paxton mostra um ótimo crescimento nesta 3ª temporada de Eu Nunca, desde o reconhecimento dos seus erros nas relações anteriores, a importância aos estudos, especialmente à faculdade já que este é o seu último ano na escola; o valor às amizades; e, é claro, o tipo de pessoa e relação que deseja ter futuramente, algo que ele aprende no namoro com Devi.
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Não se pode negar que Paxton ganha um arco de amadurecimento nestes novos episódios e, mesmo com alguns tropeços, o saldo é positivo e o espectador fica feliz por acompanhar um personagem que soube aprender com os seus erros.
Enquanto isso, Ben não fica para trás e também faz uma grande curva na sua caminhada de evolução, mas antes disso, alguns erros são cometidos, como a sua arrogância em achar que é mais inteligente do que todo mundo, o que acaba afetando o seu namoro com Aneesa (Megan Suri), que se sente diminuída pela prepotência de Ben, além das amizades em que a própria Fabiola bate de frente para mostrar que ter cérebro é bom, mas não às custas de menosprezar os outros. A cena da disputa dos dois na festa é muito boa.
Aliás, Ben ganha um episódio solo que traz de volta Andy Samberg como narrador da vida do personagem. É aqui que vemos Ben cair, reconhecer os seus erros, se abrir para o novo e, finalmente, relaxar. O rapaz é inteligente e entraria em qualquer faculdade, mas o fato de querer conquistar o orgulho do pai fala mais alto, o que faz ele até descuidar da saúde e parar no hospital por “esqueceu de cagar”. O plot da internação é simplesmente formidável com direito ao Paxton ser o responsável por Ben, enquanto faz a lavagem intestinal. O mais interessante é ver os dois se reaproximar em que ambos estendem as mãos, provando amadurecimento diante de tudo o que rolou entre eles e a Devi.
Este episódio especial de Ben leva o espectador do riso à emoção quando vemos uma conversa franca, doce e sentimental entre pai e filho. O rapaz finalmente tem o reconhecimento e amor paternal que sempre desejou, o que o faz dar um passo para trás para avaliar suas atitudes, seu excesso de estudo e novas oportunidades, como por exemplo, as artes. Pois é, Ben ingressa nas aulas de artes e desenhar é a sua mais nova terapia. Aliás, uma nova personagem surge, o que mostra ser um novo potencial para o amor. Mas será que Ben esqueceu Devi? Não, afinal, o teste de afinidade mostra que os sentimentos ainda são fortes para Ben. Será que são para Devi também?
Coadjuvantes em destaque
Outro acerto desta 3ª temporada de Eu Nunca são os personagens coadjuvantes que ganham um destaque bom e equilibrado, como o arco de Fabiola que, após a partida de Eve para outro lado do mundo, encontra um novo amor de forma acidental e nos braços de Aneesa. A torcida é de imediato e o espectador gosta de vê-las juntas, porém a química não bate e o encaixe só confirma que a amizade é o que realmente prevalece.
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Na temporada passada, Fabiola conseguiu descobrir sua identidade e sexualidade, revelando-se ao mundo e, agora, a personagem explora isso melhor, ganhando oportunidades de conhecer outras pessoas e ter novas e boas experiências. Já Aneesa sofre um pouco nestes novos episódios, como o desdém de Ben e o fato de que ele ainda gosta da Devi, o que faz Aneesa abrir os olhos imediatamente por querer alguém que saiba valorizar quem ela é de verdade. Apesar de ter o menor destaque, a personagem ganha um espaço satisfatório na tela, cuja ausência é sentida na reta final da temporada, mas espero que ela retorne com maestria para a 4ª temporada.
Falando em destaques, um casal que rouba as cenas tanto juntos quanto separados são Eleanor e Trent (Benjamin Norris) que, para mim, foi uma grata surpresa por gostar dos personagens. Eu Nunca explora a relação divertida dos dois que, a princípio, começa a trancos e barrancos já que o namoro não é levado à sério por ambas as partes, mas à medida que um reconhece e valoriza a personalidade e os feitos do outro, o relacionamento se torna mais sincero e gostoso de acompanhar.
Sem dúvida, ver Trent ganhar espaço na série é algo positivo, saindo da zona de conforto como amigo figurante do protagonista e ganhando um arco mais independente, mas contando com a presença dos demais, afinal, o público acompanha melhor a amizade dele com Paxton e a forma como Trent lida com a partida do amigo rumo à universidade em outro estado; o relacionamento com Eleanor que não esconde a felicidade de ter o namorado mais um ano na escola, já que ele repetiu o ano. Sim, teremos mais Trent na 4ª temporada e espero que continue interessante como foi nesses episódios.
Família mais unida e divertida
Outro grande destaque nesta 3ª temporada equilibrada é a família de Devi, mas o destaque mais divertido do arco familiar, sem dúvidas, é Nirmala (Ranjita Chakravarty), a avó das meninas, uma personagem antenada, afiada, despretensiosa que deseja o que há de melhor para suas netas, como o casamento ideal para Kamala – que, por sinal, se torna um impasse entre as duas; e que Nalini dê a chance para novas amizades a fim afastar a solidão, como acontece desde a morte de Mohan. Nirmala tem os melhores diálogos com direito a referências à cultura pop para dar e vender. A cena dela e da Devi assistindo Round 6 (Netflix) e vê-la torcer para o único personagem indiano não morrer (mal sabe ela) é sensacional.
Aliás, as discussões sobre casamento fazem Kamala tomar a decisão de sair de casa rumo a uma independência mais concreta, já que casar e ter filhos não está nos seus planos. Mas fechar o coração jamais e a personagem dá uma chance para Manish, professor de Devi, formando um casal divertido e até desestruturado, afinal, ele não tem afinidade com a cultura e os costumes indianos, um ponto que afasta, mas também reaproxima a avó dos dois, tornando tudo ainda mais saboroso de assistir.
Por fim, um dos plots mais gostosos de acompanhar é o relacionamento de mãe e filha e ver o quanto elas se dão bem nesta 3ª temporada, reforçando uma cumplicidade que estava escondida em meio a tantas brigas. Claro que a perda de Mohan faz com que ambas reflitam melhor sobre as atitudes e o que cada uma quer pra si e para outra.
Com isso, Nalini permite que Devi comece a namorar e, até mesmo, termine a escola em outro estado. Quem diria que a mãe mudaria tanto assim! Já Devi passa a enxergar a mãe com mais afeto, justamente por saber que o presente é o tempo mais precioso a se aproveitar, já que tudo passa e o que fica são as lembranças. Por conta disso, Devi decidi terminar a escola na cidade ao lado da família e dos amigos, mesmo que ela tenha sido considerada uma das melhores alunas para estudar nesta nova instituição na qual ela não seria rotulada como ‘nerd’, muito menos se sentiria invisível.
O que fica a desejar?
Uma surpresa e também uma decepção, na minha opinião, é a introdução de dois novos personagens nesta 3ª temporada de Eu Nunca: Des (Anirudh Pisharody) e sua mãe Rhyah (Sarayu Blue). Como fiquei desapontada com estes dois! Impossível não sentir desgosto com o tamanho clickbait na qual somos fisgados e feitos de trouxa pela forma como eles entram na vida da protagonista.
Enquanto Rhyah se torna um grande potencial para ser uma nova e grande amiga de Nalini, Des é o novo interesse amoroso de Devi, após o término com Paxton, o que faz o público se apaixonar por esta dupla imediatamente, afinal, a química é de milhões e o encaixe é perfeito, mesmo com alguns contratempos e um pouco de ciúme.
Tudo o que é bom dura pouco, mas, neste caso, a queda é grande, uma vez que Rhyah vê Devi ter um ataque de pânico por relembrar o exato momento da morte do pai (em sua apresentação na orquestra da escola) e ela simplesmente concluir que a garota é intensa demais para o seu ‘filho perfeito’, que não pensa duas vezes, e acata as ordens da matriarca para terminar o namoro.
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É uma cena triste cujas máscaras caem, mas que fortalece ainda mais o laço de Devi e com a mãe que, novamente, dão a volta por cima e reforçam a maturidade da protagonista.
Rumo ao fim
Eu Nunca encerra a 3ª temporada com tanto quentinho no coração que é impossível não se apaixonar (de novo) por esta história que, por sinal, deixa bons ganchos para a 4ª e última temporada que chegará em 2023.
Paxton finalmente se formou e, agora, vai para a faculdade no Arizona, deixando o amigo Trent triste pela partida, mas feliz por vê-lo crescer. Mas fica a dúvida: será que veremos o personagem na última temporada, já que ele vai embora?
Aliás, por falar em grandes finais, a última cena deixou os fãs de Ben e Devi extremamente felizes, afinal, a personagem decidiu usar o seu ‘vale-transa’ com o amigo. Será que veio aí? Será que Devi teve a sua primeira vez com Ben? Será que, finalmente, os dois vão admitir os sentimentos que um tem pelo outros e ficarão juntos? As respostas só vão vir na 4ª temporada. O jeito é esperar mais um ano.
Eu Nunca entrega uma 3ª temporada divertida e graciosa, que trata de assuntos sérios e relevantes com responsabilidade e leveza, desenvolvendo uma ótima jornada de evolução, amadurecimento, independência e identidade de seus personagens que se preparam para o desfecho de suas histórias. Sem dúvida, Eu Nunca se mantém firme e forte na lista de melhores séries teens da atualidade por todo o conjunto da obra.
Ficha Técnica
Eu Nunca
Criação: Mindy Kaling
Elenco: Maitreyi Ramakrishnan, Poorna Jagannathan, Darren Barnet, Richa Moorjani, Jaren Lewison, Ranjita Chakravarty, Ramona Young, Lee Rodriguez, Common, Benjamin Norris, Sendhill Ramamurthy, Adam Shapiro, P.J Byrne, Martin Martinez, Christina Kartchner, Tyler Alvarez, Rushi Kota, Utkarsh Ambudkar, Anirudh Pisharody, Sarayu Blue, Terry Hu e Deacon Phillippe.
Duração: 3ª temporada (10 episódios)
Nota: 4,5/5,0