The Crown é uma das séries mais belas, requintadas e refinadas que a Netflix já produziu. Além de nos contar a história da Rainha Elizabeth desde o momento em que é colocada a coroa em sua cabeça, a série caminha por momentos grandes e íntimos que marcaram o seu reinado. Enquanto a 1ª temporada mostra a morte do Rei George, o casamento de Elizabeth com Philip (Duque de Edimburgo), as aventuras da princesa Margaret, os conflitos dentro da monarquia e a administração do primeiro-ministro Winston Churchill, a 2ª temporada traz tempos um pouco mais obscuros ao Palácio de Buckingham, como escândalos, solidão, corações partidos, conflitos históricos e mudanças na monarquia. Mas em meio à comemoração aos 10 anos do reinado da rainha Elizabeth, a série tem os seus momentos mais leves, mais cômicos e bonitos, como a nova gravidez da rainha e um casamento bastante esperado pelos fãs.
Nessa 2ª temporada de The Crown, mais uma vez Claire Foy traz uma interpretação exuberante, delicada, forte e mais madura da Rainha Elizabeth que é comprovada especialmente nos episódios em que a personagem precisa controlar os sentimentos, a impulsividade e a raiva quando escândalos explodem e repercutem em diversos jornais de toda parte. Eu simplesmente achei formidável a performance da atriz ao incorporar uma rainha que precisa lidar com tantos problemas sem perder a classe e o requinte. No lugar dela, eu jamais teria a plenitude que ela teve. Mais uma vez, Foy está de parabéns.
Narrativas diferentes
Composta por 10 episódios, a segunda temporada de The Crown apresenta alguns episódios que podem ser assistidos isoladamente, pois a história tem a sua resolução ao final dos seus 60 minutos, enquanto outras necessitam de mais de um episódio para serem solucionadas. A série aproveita das narrativas lineares ou não lineares para contar aos telespectadores os famosos momentos históricos que chacoalharam a história da monarquia, como quando o Presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, toma o controle do canal Suez; as mudanças feitas na monarquia a partir de recomendações feitas por um jornalista que ousou criticar fortemente a rainha; o encontro inesperado e repleto de surpresas da rainha Elizabeth com o governante de Gana; o primeiro encontro da rainha com o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, e a primeira-dama, Jacqueline Kennedy; e um escândalo envolvendo os nazistas que foi abafado na época do reinado do Rei George que, agora, veio à tona sob as mãos da rainha.
Os três primeiros episódios (Desventura, Uma Companhia Masculina e Lisboa) desenvolvem um arco em uma narrativa não linear. Logo no primeiro minuto, o primeiro episódio mostra Elizabeth e Philip em um momento um pouco conturbado, com uma conversa bastante franca, levando o telespectador a pensar no que poderia ter acontecido. A resposta começa a vir assim que a série volta ao final da 1ª temporada, quando Philip sai em uma turnê mundial de cinco meses tanto para se apresentar formalmente em alguns países para representar a rainha, quanto para sair com a tripulação da Marinha da qual faz parte. Esses três episódios não só contam sobre a turnê como também mostra as suas consequências que rendeu no escândalo do divórcio do casal Mike (Daniel Ings) e Eileen Parker (Chloe Pirrie), algo que era inaceitável naquela época e que acaba refletindo no Palácio de Buckingham, gerando rumores de uma possível traição que você só vai saber se realmente aconteceu se assistir a série.
Philip: amá-lo ou odiá-lo?
Mesmo com Claire Foy tomando conta da série, a 2ª temporada focou bastante em dois personagens: Philip e a princesa Margaret, mostrando um ótimo crescimento dos personagens, junto com suas complexidades e conflitos internos, matando a curiosidade dos telespectadores sobre o passado e intimidades de cada um.
Matt Smith, mais uma vez, se faz grande na série e a história do Duque de Edimburgo rende bons plots, inclusive dois bons episódios focados no personagem. Não podemos negar que Philip gera vários sentimentos que vai do ódio ao amor, de acordo com as suas atitudes. Logo no começo, criamos certo desprezo pelo personagem, justamente pelos indícios que nos levam a crer que ele cometeu um grande ‘deslize’ com Elizabeth. Mas, logo em seguida, com os seus argumentos e a cara de ‘não fiz nada’, ameniza a situação tanto com a rainha quanto com quem está assistindo. É difícil ficar com raiva dele por muito tempo, justamente pelo fato da série apresentar as suas falhas, seguida de um bom argumento ou de um bom abafo na situação. Acredito que muitos ficam receosos com o personagem, justamente por ver o incômodo que ele sente ao saber do grande poder que sua esposa carrega, deixando-o sempre a um passo atrás dela. Também me pergunto a razão dele ser assim e porque ele não apoia mais a esposa, já que carregar uma coroa pode ser um fardo bem pesado em alguns momentos. Ao mesmo tempo em que tento entender a situação dele, o personagem entra no conflito de ‘morde e assopra’ em que ele desencadeia um problema, mas consegue sair dela. Assim, fica a pergunta: amá-lo ou odiá-lo? Sinceramente, eu fico bem dividida.
Mas a série não para por aí e traz um pouco mais sobre o passado de Philip, como no episódio em que ele decide mandar o filho Charles para a escola na Escócia onde ele estudou. Aqui, vemos um lado bem triste e obscuro do personagem que, na adolescência, sofreu com a distância do pai, a doença da mãe e uma tragédia que envolveu o restante de sua família que morava na Alemanha na época do nazismo. Não tem como você não se emocionar e sentir um pouco de pena de Philip.
Margaret reinou
Outra personagem que ganha mais holofotes nessa temporada de The Crown é a princesa Margaret. Que interpretação ousada e magnífica que Vanessa Kirby nos deu! A atriz incorporou uma Margaret que, em meio à riqueza, os mimos por pertencer a uma família real e as repulsa pelas responsabilidades que a coroa lhe dá, traz solidão, tristeza, raiva e medo em olhar e coração. Desde que foi proibida de se casar com o amado Peter Towsend (Ben Milles), Margaret entrou em um mundo solitário em que cigarros, bebidas e a cama já lhe bastavam. O seu maior medo é de não encontrar um amor verdadeiro que lhe rendesse um casamento e uma família duradoura. Sim, mesmo com a ousadia peculiar, a princesa deseja realizar os costumes tradicionais, pois é dessa forma que ela quer se sentir: livre e feliz. Mas claro que essa solidão não poderia ser para sempre e, assim, a 2ª temporada logo desenvolve um bom arco da personagem ao lado do misterioso e ardiloso fotógrafo Tony Armstrong-Jones, interpretado por Matthew Goode. As cenas desses dois são sensacionais. Não vou dizer mais coisas para não da spoiler. Assista e acompanhe essa história maravilhosa.
Episódios favoritos
Não posso deixar de falar sobre dois episódios que se tornaram os meus favoritos dessa temporada e que vale uma atenção maior. O episódio Marionetes traz a história do jornalista Baron Altrincham que ganha os holofotes ao escrever artigos audaciosos sobre a rainha Elizabeth, criticando desde a sua compostura até a sua voz que, segundo ele, é esganiçada. Ao mesmo tempo em que o episódio traz um leve alívio cômico, a gente se diverte com a reação da rainha e também se surpreende com a forma como ela lida com a situação que, para mim, é sensacional. Além disso, o episódio revela certa hipocrisia que permeia pelos corredores do palácio, justamente por eles se aterem tanto às tradições da monarquia, enquanto o mundo cresce, avança e evolui.
Outro episódio que é simplesmente formidável é o Cara Sra. Kennedy, que conta a história do primeiro encontro da rainha com o presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy (Michael C. Hall), e a primeira dama, Jackie Kennedy (Jodi Balfour). O encontro é excelente, pelo fato de render boas farpas e provocações entre Elizabeth e Jackie, além de fazer a rainha ter atitudes ousadas que ninguém espera, mas que traz bons resultados. Além disso, a série não deixa de falar sobre um dos fatos tristes da história dos EUA que é a morte de Kennedy e como ele repercutiu no mundo, com foco na Inglaterra. Esse é um episódio que também merece total atenção.
Considerações finais
Diferente da primeira, a 2ª temporada de The Crown apresenta o reinado de Elizabeth mais maduro, com uma rainha mais ciente do chão onde pisa e dos problemas que podem surgir a qualquer momento. A performance de Claire Foy está incrível, mas desta vez ela divide os holofotes com Matt Smith e Vanessa Kirby que entregam interpretações ótimas e histórias que prendem a atenção do começo ao fim. Aliás, outro ponto positivo da 2ª temporada são os roteiros bem escritos, que trouxe não só os problemas internos e mais íntimos do palácio, como também momentos históricos que marcaram a monarquia nos anos 60 que, de novo, conquistam a atenção do telespectador de imediato.
Com um desfecho redondo e bem satisfatório, o elenco de The Crown se despede nessa 2ª temporada, pois a série terá um salto no tempo, revelando os personagens mais velhos e, com isso, um novo elenco na próxima temporada.
Ficha Técnica
The Crown
Criadores: Peter Morgan e Stephen Daldry
Elenco: Claire Foy, Matt Smith, Vanessa Kirby, Matthew Goode, Jeremy Northam, Victoria Hamilton, Greg Wise, Daniel Ings, Chloe Pirrie, Michael C. Hall, Jodi Balfour, Jared Harris, John Lithgow, Anton Lesser, Alex Jennings, Sylvestra Le Touzel, Patrick Ryecart, Lucy Russell, James Laurenson, Jonathan Newth, Pip Torrens, John Heffernan, Lia Williams, Oliver Maltman e Ty Hurley.
Duração: 10 episódios (60 minutos apróx.)
Nota: 10 (2ª temporada)