Emilia Pérez é um filme estranho em todo o conjunto da obra. Em cartaz nos cinemas, o longa com o maior número de indicações ao Oscar é assistível (acredite, há filmes piores), mas não se pode negar que sofre de uma série de problemáticas por conta de decisões ruins e uma direção que não sabe para onde ir com a história.
E o que era apenas um filme estranho, torna-se um grande desgosto devido a uma série de polêmicas nos bastidores e em torno de sua divulgação. Mas deixando o burburinho externo de lado, o longa pouco se salva e entrega um desfecho que pode não agradar a todos. E vou explicar todos estes pontos.
Com direção de Jacques Audiard, Emilia Pérez acompanha Rita, uma advogada que trabalha em um escritório de advocacia que defende e liberta criminosos levados à justiça. Um dia, ela recebe uma proposta inesperada e atraente. O líder do cartel, Manitas a contrata para ajudá-lo a sair de cena mundo de seu negócio e realizar o plano que vem preparando secretamente há alguns anos: tornar-se uma mulher que sempre sonhou ser.
Rita aceita a proposta e desenvolve todo este desafio com destreza, cuidado e organização, desde a busca por um hospital e cirurgião renomados para realizar a transição de gênero, até a mudança da família de Manitas para a Suíça, cuja esposa Jessi, acredita que o marido morreu devido a uma retaliação por conta do cartel que comanda. Os anos passam e o destino coloca Rita e Manitas, agora como Emilia Pérez, juntas novamente em uma nova jornada de mudança, redenção e a tentativa de reunir a família de Emilia novamente.
Emilia Pérez adapta livremente o romance ‘Ecoute’ de Boris Razon e o filme inicialmente apresenta uma premissa interessante que chamou a atenção nos festivais internacionais em 2024. Mas quando vemos o desenrolar da obra, percebe-se um desenvolvimento superficial com decisões problemáticas em quase tudo.

O primeiro ponto a se questionar é o roteiro que, no fim das contas, não sabe o tipo de história que quer contar. De um lado temos uma advogada insatisfeita com a profissão, que ganha uma oportunidade improvável que a faz mudar de vida; do outro lado, temos o retrato sobre a transição de gênero feita por um chefe de cartel que chama a atenção aos nossos olhos, propondo vertentes interessantes a serem abordadas, mas que não são aproveitadas. No fim, temos uma história cujo desenvolvimento oscila fora da frequência, colocando pequenas tramas que se conectam, mas não ganham profundidade e significância. Afinal, qual é o propósito de contar esta história?
Emilia Pérez tinha a excelente chance de abordar um drama envolvente sobre a transição de gênero envolvendo uma figura forte e polêmica, mas é tratado com superficialidade, tornando-se pejorativamente cômico diante de como fora retratado nas cenas.
Quando Manitas se transforma em Emilia, automaticamente a história sofre uma virada de chave junto com a personagem, que transita para um caminho de redenção, tentando ressignificar as decisões de Manitas e buscar por justiça àqueles que foram afetados por seus atos. Mas novamente, temos um bloco superficial, mal desfrutado e interrompido quando outras subtramas surgem.
Há também a tentativa de Emilia de se reaproximar da ex-esposa Jessi e seus filhos que, em momento algum, não desconfiou que ela era Manitas. Engraçado que a advogada Rita reconheceu Manitas imediatamente, mas a esposa não? Além disso, Jessi se envolve romanticamente com Gustavo Brun, um personagem que surge do nada e o filme não faz questão de contar como eles se conheceram, sendo que a ex-esposa de Manitas morou na Suíça nos últimos anos até retornar ao México.

Já a trama de Rita caminha para uma narrativa de experiência e crescimento ao lado da trama de Emilia e sua transformação. Uma vez que Rita odiara defender criminosos e, agora, ajuda alguém que já fora um criminoso, ela abraça a redenção de Emilia com o intuito de fazer justiça para aqueles que sofreram e ainda sofrem por serem afetados pelas decisões cruéis dos chefes de cartéis. Mas até esta trama que começa a prender a atenção do espectador, é interrompida constantemente, desviando para outras tramas mal executadas.
Acrescenta-se também o envolvimento romântico de Emilia com Epifania (Adriana Paz), uma das vítimas afetadas pelo cartel. A princípio, o público até compra a ideia deste romance que poderia se conectar com a trama da família de Emilia. Mas novamente temos mais um plot mal contado que fica a ver navios.
Emilia Pérez também sofre com a decisão de ser um musical. Não é exatamente o que vemos nos filmes musicais tradicionais ou aqueles em que o elenco apenas canta em harmonia sem serem profissionais da área, como é o caso de La La Land. O filme entrega performances duvidosas, em que os personagens dialogam cantando, tornando algumas cenas sofríveis e vergonhosas, como a sequência do hospital e a conversa entre advogada e cirurgião. E isso quebra demais o ritmo do filme, pois há momentos em que a cantoria começa de forma brusca e completamente desnecessária.

Outras decisões que afetam Emilia Pérez é a escolha do elenco e o idioma, em que uma se conecta e prejudica a outra. Temos um diretor francês contando uma história sobre mexicanos com um elenco americano. Tal mistura teria dado certo se cada um tivesse se preparado para executar sua parte na missão.
Infelizmente nota-se a ausência de pesquisa e estudo, o que faz o filme apresentar estereótipos sobre a cultura mexicana. O elenco se esforça para falar em espanhol, mas o tom nos diálogos exige uma dicção treinada e bem trabalhada, o que não acontece aqui.
Sabemos que o elenco é bom, mas não é a escolha certa para este filme. Quem se salva e segura toda a história nas costas é Zoe Saldaña, que entrega o máximo que pode em sua atuação, além de uma dicção satisfatória ao falar outro idioma. Ela é a protagonista e não quem carrega o título do filme.
Karla Sofia Gáscon está bem como Emilia Perez e nota-se que seu papel é afetado pelas decisões de direção e roteiro. Sua atuação é satisfatória, mas não digna de uma indicação ao Oscar, ainda mais na categoria de Melhor Atriz, sendo que ela é coadjuvante na própria história.

Selena Gomez está no elenco do filme errado. Ela é uma boa atriz e isso já foi reconhecido em outras produções, como a atual série Only Murders In The Building.
A verdade é que Jessi aparece pouco, ganha um desenvolvimento raso, assim como toda a trama envolvendo a família. O entrosamento dela com Emilia pouco acontece, não é aprofundado, assim como o romance dela com Gustavo, que acaba gerando um desfecho desgostoso ao olhar do público. Selena Gomez falando em espanhol é a prova da falta de treino (relevando o sotaque, o que é normal) para encarnar sua personagem. Para complicar, a personagem solta frases em inglês no meio dos diálogos completamente descabíveis.
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Edgar Ramirez cai de paraquedas em Emilia Pérez, pois seu personagem surge apenas como interesse amoroso de Jessi e sem maiores explicações, desencadeando ações e reações que afetam negativamente na reta final da história.
Considerações finais

O desfecho de Emilia Pérez é o resultado das más decisões do roteiro e a superficialidade para contar qualquer subtrama apresentada neste filme. Acredito que a maioria ficará dividido com o final dado para esta história que até começa bem, tropeça e vai ladeira abaixo.
Emilia Perez dá o primeiro passo com o pé direito em uma premissa interessante, mas que camufla um desenvolvimento problemático em todo o conjunto da obra. Zoe Saldaña é quem mais se salva e justifica o merecimento a uma indicação ao Oscar.
No fim das contas, Emilia Pérez poderia ser apenas um filme estranho, mas a queda de seu pedestal, falas polêmicas e bastidores problemáticos e exageradamente fervorosos deixam esta obra com gosto bem amargo.
Ficha Técnica
Emilia Pérez
Direção: Jacques Audiard
Elenco: Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez, Adriana Paz, Edgar Ramirez, Mark Ivanir, Eduardo Aladro, Emiliano Hasan, James Gerard e Daniel Velasco-Acosta.
Duração: 2h12min
Nota: 2,0/5,0