Se tem um tipo de série que gosto de dar chance para saber se é bom ou não são séries médicas. E o play desta vez é em Sutura, a nova série médica brasileira do Prime Video que, digamos assim, é um ‘Grey’s Anatomy do crime’.
Com uma trama envolvente e dinâmica, a produção aborda questões sobre o direito ao atendimento médico, burlação do sistema de saúde, clandestinidade médica, corrupção nos hospitais, saúde mental e disputa de egos que, consequentemente, geram traições, puxadas de tapetes, segredos e boas reviravoltas.
É possível ficar com o pé atrás inicialmente, no entanto, Sutura é instigante e sabe prender a atenção com boas surpresas a cada episódio. Vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
Criada por Fábio Montanari e escrita por Marcelo Montenegro, Sutura é ambientada no São Dimas, um hospital de elite em sua maior parte, onde conhecemos os personagens principais. A trama acompanha Ícaro, um jovem da periferia de São Paulo, recém-formado em Medicina e muito competente no que faz. O seu maior sonho está prestes a se realizar: trabalhar ao lado da Dra. Adriana Mancini, sua maior referência no ramo.
Começando como residente no São Dimas, Ícaro guarda um segredo: ele não tem CRM, o registro profissional obrigatório para todos os médicos que desejam exercer a profissão no Brasil. Isso se dá pelo fato do rapaz não ter conseguido pagar o restante da dívida da faculdade.
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Do outro lado, o espectador conhece a Dra. Adriana Mancini, uma renomada e respeitada cirurgiã, que desenvolveu a técnica da sutura para médicos canhotos, assim como ela. Afastada do hospital por conta de um trauma, Dra. Mancini quer retornar à sala de operação. Porém, tal abalo a deixou com tremores nas mãos, um segredo que, se descoberto por muitos, pode afetar sua profissão drasticamente.
Quando Ícaro socorre um paciente que não tem condições financeiras para arcar com as despesas médicas, Mancini o ajuda, atuando na clandestinidade. E isso faz um descobrir o segredo do outro. Além disso, os dois são colocados em uma encruzilhada quando socorrem a RC (Yara de Novaes), uma chefe do crime que foi baleada. Agradecida e satisfeita com a atuação dos dois, a chefona propõe abrir uma clínica médica clandestina no subsolo do hospital São Dimas, para atender companheiros criminosos.
Imediatamente, Dra. Mancini aceita, uma vez que tal adrenalina e pressão a deixam sem tremor nas mãos e lhe dão uma nova perspectiva sobre a medicina. Já Ícaro, aceita sob a condição de pagar a dívida e ter o seu registro médico o quanto antes.
À medida que os médicos vivem esta vida dupla no hospital, os riscos aumentam, colocando a profissão e o destino de cada um em grande perigo.
A narrativa se destrincha em subtramas boas que se conectam em algum momento. De um lado, acompanhamos o início do grupo dos novos residentes no hospital – Anna, Theo, Ícaro e Maya, sob o comando da Dra. Paula (Naruna Costa) que testa e desafia o potencial de cada um; do outro lado, acompanhamos a elite de São Dimas, comandado pelo chefe Dr. Romanelli (Leopoldo Pacheco), que está disputando a presidência do hospital. Ele inaugura o Dimas Plus, uma ala renomada para atender autoridades, figuras importantes e, é claro, quem tem dinheiro e status. Mas ele também suja as mãos para chegar aonde quer.
Além disso, também acompanhamos a reputação da Dra, Mancini no São Dimas, abalada com a morte de um dos residentes. Adriana é uma excelente médica, mas tem uma personalidade afiada, cuja convivência não é nada fácil, por conta do tratamento abusivo e radical que ela tem com os seus parceiros de trabalho.
Além da dívida, Ícaro se vê totalmente envolvido na medicina clandestina ao aceitar a proposta de atuar no crime. E junto com Mancini, os dois vivem momentos intensos e muito jogo de cintura entre o crime, segredos pessoais e o que o próprio hospital burla no sistema em nome do status e dinheiro.
O mais intenso de acompanhar em Sutura, de fato, são as cenas em que os médicos precisam atender clandestinamente no subsolo do hospital, onde fica o necrotério, lugar em que pouquíssimas pessoas vão. Com a ajuda do técnico de necropsia, chamado Sean Connery (sim, o mesmo nome do ator hollywoodiano), toda a tensão se instala neste cenário, em que Mancini e Ícaro precisam ajudar quem a RC envia para lá, seja qualquer circunstância como um atropelamento, um tiro, uma doença misteriosa, ossos quebrados e até situações que os obrigam a fazer cirurgias arriscadas.
À medida que os médicos provam a qualidade do trabalho, a clínica se beneficia e cresce, seja com a ajuda de dois novos funcionários, como o Fino – braço direito de RC e amigo de infância de Ícaro – e a anestesista Bárbara (Claudia Missura), cuja personalidade é duvidosa, mas ela prova ser leal para quem trabalha.
É impossível não ficar tenso com cada criminoso que chega, seja pelo estado de saúde ou a verdadeira intenção de estar ali, o que pode colocar tudo a perder. Aliás, você percebe o quanto o mundo do crime é perigoso, sempre colocando a pessoa perto da morte a todo o momento. Aliás, a técnica e todo o planejamento de levar os pacientes para dentro e fora do local é genial.
E esta espiral criminosa se intensifica com o medo de alguém descobrir o que acontece neste submundo, já que, por muitas vezes, a ausência do Ícaro chama a atenção da chefe, especialmente dos residentes.
Outro ponto interessante de Sutura é a abordagem de questões sociais e políticas comuns (infelizmente) no Brasil, como o precário direito à saúde pública, corrupção no sistema de saúde e o luxo voltado para quem tem status, camuflados pela falta de ética médica. E esses pontos minimizam a glamourização que vemos em séries médicas, trazendo o espectador para uma realidade muito vivida pelas pessoas.
Personagens
Claro que a medicina e o crime são a base principal da série, mas Sutura também apresenta um bom desenvolvimento dos personagens e suas questões pessoais, envolvendo família, romances e amizades.
O ator Humberto Morais é uma grata surpresa em Sutura. O espectador fica encantado com a inteligência e perspicácia de Ícaro em analisar, examinar e detectar o problema dos pacientes, o que faz a torcida por ele aumentar. Ao mesmo tempo, o público teme que esta vida dupla, entre o hospital e a clínica clandestina, coloque tudo a perder, pois ele não merece. Além disso, Ícaro é visto como o filho perfeito pelos olhos da mãe, o que o faz sentir vergonha por seus atos, e lutar para sair desta situação e, assim, seguir nos trilhos corretamente, como sempre sonhou.
A Cláudia Abreu é o pilar da série. Ela é uma versão afiada da Dra. Amelia Sheperd de Grey’s Anatomy. Dra. Adriana Mancini sabe que é uma excelente médica e quer recuperar o seu posto no hospital, mas não quer encarar e curar o trauma que sofreu, pois sabe a parcela de culpa que carrega. Ela não tem papas na língua, tem os melhores diálogos, provoca na hora certa e não tem medo dos chefões que a cercam, o que a faz usar as cartas certas do jogo e equilibrar todos os pratos. Mas por quanto tempo ela vai conseguir fazer isso?
A química da Dra. Mancini e do Dr. Ícaro é de mentor e aprendiz, com cumplicidade e parceria, em que, algumas vezes, Adriana sabe quando precisa abaixar a cabeça e pedir ajuda ao residente, e vice-versa.
Outro personagem que chama a atenção é o Fino (José Trassi), que conquista o espectador pelo carisma, lealdade, parceria e jogo de cintura entre os médicos e a chefe RC. O público torce por ele, fica feliz com suas conquistas e teme pelo pior.
Anna (Juliana Paiva) é uma residente promissora, mas quer provar seu talento e profissionalismo, sem depender do fato de ser filha do chefe do hospital. Ela se envolve romanticamente com Ícaro e, aos poucos, fica ciente de alguns de seus segredos (não todos).
Uma personagem que chama a atenção e se destaca bem é Maya (Lara Tremouroux), uma residente descolada, aplicada e inteligente. Ela demonstra carinho e afeição aos pacientes, preocupação com os colegas de trabalho, tem seus momentos de prazer, mas não deixa que os sentimentos abalem sua relação com ninguém, muito menos a sua atuação médica.
Já Theo (Danilo Mesquita) é o típico personagem competitivo, o residente que quer chamar a atenção, iniciando uma disputa de ego para se tornar o número 1. E isso acaba afetando a sua saúde mental, colocando-o em situações de ansiedade e desespero, ao ponto de fazer qualquer coisa para ser o melhor. Theo parece ser uma boa pessoa, mas essa competição e o ego inflado o tornam um rapaz chato e metido em vários momentos. É um personagem que divide opiniões.
Considerações finais
A reta final de Sutura amarra todos os plots, culminando em reviravoltas intensas e instigantes, que deixam boas pontas soltas para uma 2ª temporada.
Sutura é a nova série médica brasileira que mistura medicina e crime em meio a questões sociais e políticas que fisgam o espectador logo no primeiro episódio, além do ótimo elenco que dá vida a esta história empolgante.
Fica a dica de um bom drama médico e espero que tenha boa audiência para garantir uma 2ª temporada.
Ficha Técnica
Sutura
Criação: Fábio Montanari
Elenco: Cláudia Abreu, Humberto Morais, Juliana Paiva, Gabriel Braga Nunes, Danilo Mesquita, Lara Tremouroux, Leopoldo Pacheco, Naruna Costa, Yara de Novaes, José Trassi, Cláudia Missura, Mauricio de Barros e Clarisse Abujamra.
Duração: 1ª temporada (8 episódios)
Nota: 3,9/5,0