Após quase três anos de espera, finalmente Stranger Things retorna em sua 4ª temporada com episódios mais longos e densos que trazem a mesma fórmula narrativa cujo desenvolvimento da história é mais dinâmico, uma vez que os problemas são discorridos em um ritmo mais acelerado a fim de evitar firulas no enredo. Os personagens veteranos ganham mais força, enquanto a temporada destaca alguns novos personagens enquanto outros ou ficam de escanteio ou não conquistam tanto quanto se imagina.
No geral, posso dizer que a 4ª temporada migra da atmosfera sombria para o terror medonho e angustiante na qual o susto pode ser relativo, mas não é prioridade, caminhando com profundidade em questões sobre saúde mental e traumas, um dos pontos principais que serve de gatilho ao novo mal que ronda Hawkins. As subtramas ganham bom desenrolar dando os primeiros encaixes no 7º episódio que entrega excelentes ganchos e reviravoltas que serão dissecadas nos dois últimos episódios que chegam em julho.
******CONTÊM SPOILERS******
Pós Batalha Starcourt
A 4ª temporada de Stranger Things se passa em 1986, meses após a batalha no shopping Starcourt que deixou cicatrizes traumatizantes nos personagens fazendo com que alguns se despedissem de Hawkins a fim de se afastar de tudo, mas sem esquecer do que aconteceu.
Com isso, a série não perde tempo e já entrega um primeiro episódio introdutório revelando como está a vida e o emocional de cada após a tragédia sofrida na temporada anterior. Em Hawkins, Mike e Dustin se juntam ao Hellfire, um clube nerd para os apaixonados por Dungeons & Dragons, liderado por Eddie Munson. Cansado de ser rotulado de ‘loser’, Lucas entra para o time de basquete da escola com a finalidade de ganhar status e popularidade. Já Max é quem mais sentiu os efeitos colaterais de tudo o que ocorreu, uma vez que ela viu o irmão Billy se sacrificar para salvar todos, inclusive ela. Com isso, a Max sofre as dores isoladamente, o que servirá de gatilho ao novo mal que começa a assombrar a cidade. Por fim, Nancy continua trabalhando no jornal com novas parcerias, enquanto sua relação com Jonathan se estremece tanto pela distância quanto pelas circunstâncias que envolvem a universidade.
Já na Califórnia, Joyce tenta dar um novo recomeço à família enquanto trabalha com telemarketing. Com a distância e os planos com Nancy cambalearem, Jonathan mergulha na maconha para ficar fora do ar ao lado do seu novo amigo Argyle (Eduardo Franco).
Enquanto isso, Will tenta dar os primeiros passos neste recomeço, mas o personagem ainda se sente inerte por conta de sentimentos e assuntos ainda mal resolvidos desde a batalha em Starcourt. Por fim, temos Eleven disposta a encarar a nova vida, uma vez que agora ela faz parte da família de Joyce após a suposta morte de Hopper. Mas nada será fácil, uma vez que seus poderes sumiram ao fim da batalha e, agora, ela vem sofrendo bullying na escola por ser considerada estranha, o que faz ela questionar quem ela é de verdade: uma heroína ou um monstro?
Tal questionamento sobre a Eleven começa a ser nutrida tanto na personagem quanto no espectador, especialmente pela cena de abertura aterrorizante que revela o massacre no laboratório de Hawkins que ocorreu em 1979, quando vemos Eleven ainda pequena e ensanguentada em meio a todas as crianças mortas e o Dr. Brenner questionando o motivo por ela ter feito isso. Mas será a Eleven é a responsável pelo massacre? No início, ela era mesmo uma vilã? Será que ainda é? Não se preocupe, porque as dúvidas são respondidas.
A nova maldição
Enquanto a série apresenta o atual status dos personagens, uma nova maldição é engatilhada em Hawkins entregando as primeiras vítimas de um mal que se alimenta dos traumas que tal pessoa está passando, o que a torna vulnerável e o alvo perfeito para o objetivo deste novo vilão que, desta vez, não é o devorador de mentes literalmente.
É aqui que Stranger Things dá início a sua atmosfera de terror na forma como esta maldição destrói as vítimas, aterrorizando suas mentes com imagens medonhas a partir do seu respectivo trauma servindo como isca, resultando em uma morte assustadora com o corpo deformado e os olhos furados. Infelizmente a primeira vítima deste mal é a nova personagem Chrissy (Grace Van Dien), líder de torcida da escola, que chama a atenção de Max com os sintomas e as estranhas ações.
Mas afinal, que mal é este? Logo no segundo episódio, Stranger Things revela que a nova maldição é comandada por Vecna que, a princípio, aparece como um simples personagem do jogo D&D, mas é uma figura maldita cuja história ganha camadas profundas e conectadas não só ao Mundo Invertido, mas como esse mal se iniciou em Hawkins bem antes do que vimos na 1ª temporada com o desaparecimento de Will Byers.
Novos personagens
Um dos pontos positivos desta 4ª temporada de Stranger Things é que o roteiro não perde tempo tanto para apresentar a nova maldição e a investigação quanto introduzir os novos personagens.
Das novas adições, o maior destaque é o personagem Eddie Munson (Joseph Quinn), líder do Clube Hellfire que, na minha opinião, ganha certas características e doses de referência ao à Charles Manson, justamente para mostrar que ele é o oposto deste serial killer e as aparências enganam muito.
A princípio, é possível acreditar que o Eddie será um personagem insuportável, que faz bullying e pode atrapalhar tudo, mas ele se torna um dos personagens mais queridos desta temporada com sua personalidade forte, divertida e sarcástica, mostrando cumplicidade, parceria e química imensurável com Dustin, que até cria um triângulo com Steve, o que causa certo ciúme um no outro, mas o trio se complementa, tornando-se perfeito para esta temporada.
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Mas as coisas vão se complicar para Eddie, uma vez que ele é o suspeito número 1 pela morte de Chrissy, já que eles estavam juntos e a maldição a pega dentro do trailer do rapaz, que testemunha o ato aterrorizante e detalhe o ocorrido ao Dustin que acredita no amigo e decifra as primeiras pistas sobre o Vecna.
Enquanto a polícia investiga, outras pessoas acreditam que as mortes são frutos de um culto satânico (Hellfire) liderado por Eddie, como é o caso de Jason (Mason Dye), que traz o fanatismo e a cegueira para dentro da história, deixando Lucas encurralado, uma vez que seus amigos estão na mira do atleta da escola por conta da morte da namorada. Sinceramente, não curti muito este personagem que traz um arco que, na minha opinião, mais atrapalha do que complementa a trama.
Do grupo de atletas na qual Lucas tenta fazer parte, também está Patrick (Myles Truitt), novo personagem que só entrou na série para ser mais uma vítima de Vecna, cuja morte é testemunhada por Jason que fica ainda mais insuportável por querer ser e fazer mais que a própria polícia. Quem também fica na mira da maldição é Fred (Logan Riley Bruner) parceiro de Nancy no jornal que, infelizmente, também não sobrevive.
Enquanto isso, uma das maiores expectativas desta 4ª temporada é a participação da atriz Amybeth McNulty, conhecida pela série Anne With An E. Ela interpreta Vickie, uma nerd da banda da escola que tem contato apenas com a Robin que faz parte do grupo. Infelizmente, a personagem só aparece em um episódio, tem pouquíssimos diálogos e nenhum desenvolvimento. O que se pode dizer é que, talvez, ela apareça mais para frente e tenha um envolvimento amoroso com Robin. Mas ver a atriz ter uma participação medíocre nestes sete episódios pode ser bem frustrante ao público. Mas as portas ainda estão abertas para a personagem.
Fórmula repetida e funcional
Desta vez, Stranger Things entrega uma temporada mais densa com episódios longos com mais de uma hora de duração que, na minha opinião, consegue ser tão envolvente tanto nas dinâmicas entre os personagens quanto no ritmo que o espectador não sente o tempo passar.
Um ponto que vemos desde o início é a fórmula da narrativa dividida em subtramas conectadas ao mesmo assunto, liderados pelo elenco separados em grupos que, novamente, se repete, mas ganha uma formação diferente a fim de tanto resolver assuntos inacabados quanto apresentar novas dinâmicas e soluções ao problema, o que é funcional e positivo.
O primeiro grupo e o mais avançado na história é Dustin, Lucas, Steve, Max, Nancy, Robin e Eddie, uma vez que eles estão cientes de que o Vecna é quem está por trás dos assassinatos em Hawkins e conectado ao Mundo Invertido.
Mas antes desta reunião, o espectador acompanha outras formações interessantes como a dupla Robin e Nancy que, por sinal, é muito boa e traz revelações pertinentes. Elas descobrem sobre a lenda da Casa Creel que, anos atrás, a maldição dizimou a família Creel, deixando apenas o pai Victor Creel (Robert Englund) vivo e preso, uma vez que todos acreditaram que ele seria o verdadeiro assassino quando, na verdade, este mal acontece muito antes. Mas novas informações virão mais à frente.
Paralelamente, Lucas, Dustin e Steve descobrem que Max é a próxima vítima do Vecna, uma vez que ela se torna o alvo ideal por conta do seu isolamento e o trauma da perda do irmão Billy, o que a faz ter os mesmos sintomas e visões que as vítimas anteriores.
Ao se reunirem e terem informações pertinentes sobre o Vecna e a maldição, o grupo descobre sobre a existência de outro portal para o Mundo Invertido, o que faz Steve, Nancy, Robin e Eddie irem para lá, enquanto Dustin, Lucas, Max ficam em Hawkins e tentam ajudá-los, enquanto lidam com os pais preocupados e a polícia. Se vocês estavam com saudade de Érica Sinclair, a personagem ganha força neste momento ao receber informações sobre a maldição para ajudar o grupo.
Este mal não fica em Hawkins e acaba chegando até a Califórnia de forma indireta, uma vez que as autoridades governamentais acreditam que a Eleven esteja envolvida neste mal que está acontecendo, porém as intenções do líder não são nenhum pouco boas.
Antes que as autoridades coloquem as mãos em Eleven, a garota é levada de volta ao laboratório onde está o Dr. Brenner (Matthew Modine) que está decidido a ajudá-la a recuperar os poderes e, assim, salvar Hawkins. Mas para isso, Eleven terá que reviver momentos traumatizantes vividos no laboratório, o que a faz não só ter o poder de volta, mas também ter respostas chocantes sobre o massacre no laboratório e a origem do primeiro portal ao Mundo Invertido que vimos lá na 1ª temporada.
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É compreensível ficar um pouco confuso com o arco da Eleven, uma vez que o passado da personagem é contado enquanto ela revisita e revive os traumas através de suas memórias. Ou seja, enquanto ela está ‘hibernando’ em um tanque de água, o espectador acompanha o seu subconsciente que revela tudo o que aconteceu, de verdade, no laboratório na época em que ela ainda era pequena, mesclando suas versões mirim e juvenil.
Com a viagem de Joyce para o Alasca e a partida de Eleven, Mike, Will e Jonathan ficam sob os cuidados das autoridades do laboratório, mas logo são ameaçados quando as forças governamentais invadem a casa e os obrigam a fugir com a ajuda de Argyle. Ao descobrirem sobre o envolvimento de Eleven com o Projeto Nina do Dr. Brenner, o quarteto inicia uma road trip perigosa e fugitiva para pedir a ajuda à Suzie, namorada de Dustin, para decodificar os números que levam ao paradeiro de Eleven.
Sobre a dinâmica deste grupo, há três pontos interessantes: a primeira é a conversa entre Will e Mike, cuja amizade estava abalada não só pela distância, mas pelos últimos acontecimentos, o que faz eles resolverem parte dos sentimentos provando que a amizade ainda é forte; a dupla Jonathan e Argyle traz um alívio cômico merecido à série, tornando Argyle mais uma adição positiva nesta temporada; e, é claro, a participação especial de Suzie ajudando o grupo, revelando o quão a família da garota é disfuncional e muito engraçada.
Resgate de Hopper
Enquanto tudo acontece em Hawkins e na Califórnia, Joyce recebe pistas de que Hopper está vivo e precisa ser resgatado. Assim, ela e o Murray viajam até o Alasca, seguindo à risca as regras dadas pelo soldado e informante russo que está ajudando Hopper.
Sinceramente, o que posso dizer deste arco da 4ª temporada é que o enredo é bastante conveniente para todos que estão envolvidos nesta subtrama, o que é até aceitável, pois não sei se teria outro jeito mais fácil de fazer o personagem sair daquela situação caótica em uma prisão russa gélida e perigosa, uma vez que eles mantêm preso um demogorgon lá.
Quando se diz conveniente é por conta de as circunstâncias ganharem soluções práticas, como o fato de Yuri (Nikola Djuricko) trair o soldado e capturar Joyce e Murray em troca de mais dinheiro; a dupla enganar o Yuri e prendê-lo enquanto o avião cai e nada acontece com os dois; ambos chegam até a prisão e conseguem lidar com os russos, enquanto Hopper e o amigo informante lutam com o demogorgon que mata todos os prisioneiros, menos eles. Por fim, temos o emocionante reencontro de Joyce e Hopper que, no final das contas, dá esperança aos personagens e ao público de que as coisas podem melhorar.
Um ponto interessante é a visão que o Hopper ainda tem sobre si mesmo, de um homem que coloca as pessoas que ama em perigo e que não merece ser salvo, o que não é verdade, pois Joyce confirma o quão importante ele é e sua ausência ainda é muito sentida, especialmente por ela e a Eleven.
Além disso, Hopper faz uma leitura importante de que o Mundo Invertido ainda existe e o mal não acabou por conta da existência de um demogorgon, um detalhe que, talvez, dê força ao personagem para levantar e retornar ao seu cotidiano, pois Eleven e a cidade Hawkins vão precisar de sua ajuda.
Maldição: como funciona?
Enquanto tudo vai acontecendo, o espectador encaixa peça por peça deste quebra cabeça sobrenatural e começa a entender como a maldição funciona. A princípio, as primeiras revelações acontecem quando os personagens descobrem sobre a história da casa Creel, em que a família passa a ter visões e lidar com o lado sombrio na casa, o que faz cada membro ser morto e o pai Victor Creel ir preso.
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É a partir desta casa que os sintomas são gerados a fim de que as vítimas do Vecna sintam como um sinal de aviso de que o mal está chegando, como a visão do relógio da casa com o objetivo de revelar que o tempo da pessoa está acabando; sangramento do nariz, dores de cabeça e visões horripilantes. Mas, o sintoma principal é o trauma que serve de isca para o Vecna escolher sua vítima, como é o caso de Max, que foi salva temporariamente pela música, efeito colateral que atinge o mal, um antídoto que também salvou Victor Creel, uma vez que no momento ele ouvira sua música favorita.
É aqui também que o espectador descobre que o Vecna usa a casa Creel no Mundo Invertido para se alimentar com as vítimas e ter mais forças. Mas quem é o Vecna? Qual a verdadeira razão para fazer tudo isso? Ele é um servo do Devorador de Mentes? Será que a Eleven é a única capaz de derrotá-lo?
As respostas sobre a origem de Vecna, o massacre no laboratório de Hawkins, a abertura do primeiro portal ao Mundo Invertido, o poder de Eleven e se ela é vilã ou não são reveladas no fatídico 7º episódio de Stranger Things que traz reviravoltas ainda mais chocantes com ótimos ganchos para os dois últimos episódios da 4ª temporada que serão lançados em julho (2022).
Sobre o 7º episódio, farei um texto à parte explicando o final desta primeira parte da 4ª temporada de Stranger Things.
Stranger Things: Quem é Vecna? – 7º episódio explicado
Stranger Things retorna com a mesma fórmula narrativa e funcional, cria novas dinâmicas, entrega resoluções convenientes e aceitáveis, apresenta um novo mal cuja atmosfera de terror é mais pesada, retrata sobre os traumas dos personagens para falar sobre a saúde mental como as vulnerabilidades ficam à mercê desta nova maldição gerando destinos infelizes para alguns e salvação para outros. A história não acabou, mas para acabar, é preciso saber como tudo começou e isso está dando certo.
Ficha Técnica
Stranger Things 4 – Parte 1
Criador: Matt Duffer e Ross Duffer
Elenco: Millie Bobby Brown, Finn Wolfhard, Noah Schnapp, Caleb McLaughlin, Gaten Matarazzo, Winona Ryder, David Harbour, Sadie Sink, Dacre Montgomery, Natalia Dyer, Charlie Heaton, Joe Keery, Maya Hawke, Joseph Quinn, Robert Englund, Priah Ferguson, Brett Gelman, Cara Buono, Joe Chrest, Jake Busey, Matthew Modine, Rob Morgan, John Reynolds, Paul Reiser, Eduardo Franco, Amybeth McNulty, Grace Van Dien, Tom Wlaschiha, Myles Truitt, Mason Dye, Nikola Djuricko, Regina Ting Chen, Logan Riley Bruner e Catherine Curtin.
Duração: 7 episódios – 60 a 70 min.
Nota: 4,2/5,0