Trama Fantasma é um filme inteligente que exige atenção e extrema sutileza não para somente entender a simples história que passa diante de nossos olhos durante duas horas e dez minutos de duração e, sim, compreender os detalhes nas entrelinhas de uma história aparentemente perfeita, repleta de defeitos. Dirigido por Thomas Paul Anderson, o longa se passa na década de 1950 e apresenta Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), um renomado, confiante e famoso estilista que trabalha ao lado da irmã, Cyril (Lesley Manville), para vestir grandes nomes da realeza e da elite britânica. A inspiração de Reynolds vem de suas musas, mulheres que constantemente entram e saem de sua vida. Um dia, tudo muda quando ele conhece a forte e inteligente Alma (Vicky Krieps), que vira sua companheira e atual inspiração.
Fazendo jus ao título, o roteiro apresenta com extrema sutileza uma relação estranha, tóxica e cheia de sentimentos conturbados entre Reynolds e Alma. O ponto positivo do filme é que o diretor, ao lado de seus excelentes protagonistas, nos conta uma história sobre submissão, falta de amor e agressividade de forma eloquente e cheia de requinte em uma roupagem elegante que podem fazer muitos até passarem despercebidos se não estiverem concentrados à narrativa. No primeiro ato, conhecemos Reynolds e sua fama em criar vestidos que fazem sucesso na classe nobre britânica. Assim que o público adentra pelos corredores da casa e do ateliê, a rotina fica mais explícita, entregando intimidades e manias do personagem. Reynolds é vaidoso e muito metódico, desde arrumar o seu cabelo com duas escovas até ter o perfeito café da manhã para que, assim, tenha um excelente dia. Se as horas matinais não saírem à sua maneira, o dia será desconfortável, terrível. São esses detalhes que entregam a verdadeira essência do protagonista, um estilista exigente e egoísta no dia a dia, bajulado por empregados e familiares para que, assim, ele seja o mais perfeccionista possível com o trabalho e entregue um resultado deslumbrante para aqueles que realmente merecem vestir a sua marca.
Assim que a garçonete Alma entra em cena, um rápido envolvimento se inicia, trazendo vida, criatividade e produtividade à Reynolds, uma vez que ele encontra sua mais nova musa inspiradora. E mesmo com a delicadeza em conduzir as palavras, ele expele dizeres diretos, cortantes e sem rodeios a ela, sem se importar se a conhece a poucas horas. A partir daqui, Trama Fantasma desenvolve uma narrativa quase que invisível em que o espectador acompanha o crescimento de uma relação tóxica e intrigante, em que você duvida se há amor verdadeiro. Alma demonstra sentimentos ao seu affair, no entanto, se mostra completamente avessa ao lado metódico e chato de Reynolds. A cena do café da manhã é sensacional. Enquanto ela apenas quer tomar um simples café ao lado de quem gosta, Reynolds se irrita profundamente quando o silêncio é quebrado com o barulho da faca na torrada ou o chá sendo despejado na xícara, e o filme faz questão de enfatizar esses sons a ponto de incomodar o próprio espectador, colocando-o na posição do protagonista.
O mais interessante é que essa situação vai mais além de forma muito singular, com atitudes sutis de fundo drástico e até trágico cômico, em que Alma ama Reynolds, mas não aceita o jeito sistemático e agressivo do amado. Enquanto isso, o estilista não abre mão de suas manias e se sente completamente desconcertado, incomodado por ter uma estranha quebrando a sua perfeita rotina. Essa “guerra” elegante entre os dois é tão formidável de se assistir que até esquecemos que existe essa toxidade, mas o filme faz questão de nos relembrar com uma boa reviravolta, em que Alma mostra do que é capaz. Sinceramente, eu não esperava isso e me surpreendi bastante não só com sua atitude, mas a forma como é conduzida e aceita por ambos. A relação desse emaranhado de provocações é muito bem conduzida por Daniel Day Lewis e Vicky Krieps, que entregam personagens singulares e bem desenhados a ponto de você nem enxergar o próprio ator/atriz. Se Lewis realmente se aposentar, como ele mesmo disse, posso dizer que o seu adeus ao cinema é mais do que satisfatório.
Além do casal, quem também se destaca de forma impecável é Lesley Manville na pele de Cyril. A irmã de Reynolds é tão maravilhosa que não necessita de palavras para traduzir o que está dizendo: apenas o olhar e a expressão entregam tudo o que ela está pensando. Sua elegância é tão extrema que até os seus dizeres mais pesados caem como luva sem perder o pulso firme. Ela é a única que bate de frente com Reynolds e consegue ser superior à chatice do irmão, ao mesmo tempo em que ela respeita suas manias, afinal, ela sabe que a rotina metódica resultará em um excelente vestido. Há também momentos em que ela cria certa ressalva se gosta ou não de Alma, mas a meu ver, Cyril a admira.
Trama Fantasma é um filme bonito, resultando uma ótima fotografia e um figurino que, em conjunto, torna-se elegante. Mas vou ser sincera: a narrativa é progressiva, mas em um ritmo bem lento. Ou seja, se você não prestar atenção e não mergulhar na história para captar a mensagem nas entrelinhas, o filme não será bem aproveitado. Aliás, se você não gosta de filmes mais lentos, subtendidos, em que as imagens e as expressões são os protagonistas, colocando o diálogo em segundo lugar, Trama Fantasma não é uma boa opção. De resto, o longa é uma ótima experiência para se ter, uma boa dica para assistir ao cinema e um linda despedida de Daniel Day Lewis.
Ficha Técnica
Trama Fantasma
Direção: Paul Thomas Anderson
Elenco: Daniel Day Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville, Harriet Samsom Harris, Camila Rutherford, Brian Gleeson, Julia Davis, Gina McKee, Richard Graham, Jane Perry, Gino Picciano e Silas Carson.
Duração: 2h10min
Nota: 9,0