Tive a grande oportunidade de assistir ao filme The Square durante a 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, mas posso dizer que este filme não é fácil de ser digerido, pois além de exigir muito da sua atenção, a obra abre um leque de múltiplas interpretações, o que pode ser ruim para quem não gosta de filmes assim. Mas afinal, do que se trata a história? Dirigido por Ruben Östlund, o longa acompanha Christian (Claes Bang), um respeitado curador de um museu da arte contemporânea que apoia boas causas. Sua próxima exposição é a The Square, uma instalação que convida as pessoas a serem mais altruístas, lembrando-se de seu papel como seres humanos responsáveis. Mas, às vezes é difícil viver de acordo com os seus próprios ideais. Por causa do roubo de seu celular e outros pertences, Christian passa por situações vergonhosas. Enquanto isso, o museu contrata uma agência de relações públicas que cria uma inesperada campanha para promover a nova exposição The Square. A reação é exagerada e conduz Christian (junto com o museu) a uma crise existencial.
O roteiro de The Square é ousado, mas confuso, pois a narrativa apresenta mais de um fio condutor em que o público se depara com situações diferentes, mas que, às vezes, não se conectam conforme o desenvolvimento da trama que, por sinal, dura mais do que devia (2h22min), tornando a extensão de certas cenas desnecessárias. Depois de refletir sobre esse filme, conclui que mesmo com algumas cenas espalhadas e desconexas, o filme faz ótimas e provocativas críticas à arte e como a sociedade a vê e a usa a favor de mundo melhor e com direitos iguais.
O primeiro fio condutor que acompanhamos é o questionamento sobre o que é ser arte. Afinal, o que é arte para você? O que é arte para a sociedade? Faço essas perguntas, pois em alguns momentos, o próprio protagonista questiona isso e até exemplifica dizendo que se ele colocar uma bolsa em um museu, ela se tornaria ou não uma obra de arte. Aliás, esse questionamento até ganha um tom jocoso e cômico ao mostrar exposições que, para muitos, pode ser apenas um sujeira no meio do caminho – como acontece quando o faxineiro está limpando o museu e, sem querer, ele limpa e bagunça a exposição de cascalhos; ou um entulho de objetos colocados em um canto da sala – como é o caso da exposição de cadeiras sobrepostas junto com um barulho ensurdecedor, dando a entender de que aquela pilha está caindo, mas na verdade nada acontece enquanto acompanhamos a cena.
No segundo momento, acompanhamos o início da divulgação da exposição The Square, a construção do quadrado e o que ela pode significar. O filme não deixa nada claro e justificado, mas é possível entender que o papel deste quadrado é revelar o quanto as pessoas vivem em seus respectivos mundinhos sem ao menos olhar para o lado para saber o que está acontecendo. The Square, na minha opinião, nada mais é do que a chance das pessoas exercerem o seu altruísmo, mas será que elas estão dispostas a fazer isso? Junto com essa indagação, acompanhamos o brainstorm do grupo de relações públicas para iniciar uma campanha eficiente para essa nova exposição. O resultado vai mais longe do que se espera, pois eles criam um vídeo viral extremamente radical que vai dividir a opinião do público dentro do filme, enquanto que o espectador que está assistindo poderá associar esse momento da ficção com algumas situações reais que aconteceram nos últimos tempos. Isso nos leva a uma questão: a arte tem o papel de abrir os olhos da sociedade, mas seria necessário apelar para divulgações ou imagens chocantes e radicais? Não vou falar qual é o vídeo que eles fazem para não tirar a graça do filme. Mas quem assistir vai entender o que estou falando.
Paralelamente à nova exposição, o público passa a acompanhar a vida pessoal de Christian que, por sinal, nos mostra que nem sempre fazemos exatamente aquilo que pensamos e defendemos com unhas e dentes. Enquanto a ideia do filme é mostrar o papel da arte e o propósito de sermos altruístras, Christian revela ser o oposto. Se por um lado, ele tenta ensinar as suas filhas a saírem do mundo virtual para enxergar o que há de bonito e feio no mundo, por outro, Christian mostra ser bem egoísta, se importando apenas com ele mesmo. Algumas cenas se tornam até engraçadas, pois enquanto ele defende esse pensamento, ele nem se quer dá uma moedinha para ajudar um mendigo. Mas assim que ele é furtado na rua, ele não mede forças e muito menos filtra suas ações para achar o ladrão. O resultado disso é divertido, mas sabe quando você ri e faz comentários sarcásticos de uma situação infeliz? É essa a intenção do filme, pelo menos nesse momento.
O que incomoda bastante é que, em nenhum momento, o público imagina que Christian já foi casado e tem duas filhas, até que o filme revela isso após muitos e muitos minutos de filme, depois de ter sugado bastante a atenção do espectador. Christian também se envolve com Anne (Elizabeth Moss), uma jornalista que chega para entrevistá-lo sobre as exposições no museu. Eu gosto muito da atriz, mas achei que ela não foi muito bem aproveitada na trama e, mesmo rendendo um bom diálogo com Claes Bang e cenas divertidas e estranhas, eu esperava um pouco mais da sua personagem. Uma pena isso não acontecer.
Eis que, depois de tanto tempo assistindo ao filme, a grande cena do jantar finalmente acontece, onde um homem-macaco surge em meio a convidados da classe alta provocando de forma agressiva. É uma cena épica, bem interpretativa, mostrando como as pessoas lidam com a radicalidade da arte. Pelo menos é isso que eu achei, mas essa cena tem muitas interpretações e cabe a cada um assistir e tirar suas próprias conclusões. No entanto, achei que tal cena icônica demorou muito para acontecer e, quando finalmente acontece, ela ficada jogada no filme, nos dando a sensação de uma montagem não muito bem realizada.
Considerações finais
A cena final era a grande chance de o filme justificar algumas de suas pontuações, mas acredito que essa ideia nunca passou pela cabeça do diretor. The Square é ousado ao falar sobre a arte e criticar como a sociedade a enxerga e se é aplicada no cotidiano, tornando o desenvolvimento desse assunto jocoso, cômico, sarcástico e trágico. No entanto, por ter mais de uma linha narrativa, algumas cenas ficam espalhadas e desconexas em um filme que se estende mais do que devia. The Square não impacta tanto quanto se espera e exige muita atenção, paciência e uma boa dose de interpretação que será diferente para cada um que assistir.
PS: The Square ainda não tem data de estreia em circuito nacional. Mas o filme está em cartaz nos dias 27/10, às 17h20 (Espaço Itaú Augusta); 29/10, às 21h15 (Cinearte 1); 30/10, às 19h20 (Espaço Itaú Frei Caneca); 1/11, às 19h10 (Cinesesc).
Ficha Técnica
The Square
Direção: Ruben Ostlund
Elenco: Claes Bang, Elizabeth Moss, Dominic West, Terry Notary, Christopher Laesso e Sofie Hamilton.
Duração: 2h22min
Nota: 6,9