Sem Amor (Loveless) foi um dos filmes que chamou a atenção durante a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e minha grande curiosidade era saber o que esse filme tinha a ponto de ter sido tão requisitado. Agora que tive a chance de assistir ao drama russo, notei o seu grau de relevância, especialmente por retratar um assunto que se dissolve por muitos lugares e por muitas pessoas, mas poucos percebem.
Dirigido por Andrey Zvyagintsev, Sem Amor conta a história de Zhenya (Maryana Spivak) e Boris (Alexey Rozin), um casal que está atravessando um divórcio conturbado, marcado pelo ressentimento, pela frustração e por recriminações. Com vidas novas já iniciadas com os seus respectivos parceiros, eles estão impacientes para virar a página e, a partir daí, iniciam uma discussão sobre o que farão com filho de 12 anos. Mas, em meio a tantas palavras pesadas e uma rotina repleta de desprezo, Alyosha (Matvey Novikov) desaparece repentinamente sem deixar uma pista se quer.
O roteiro de Sem Amor retrata com frieza extrema uma família desprovida de sentimentos que, junto com a era tecnológica, ficam ainda mais inertes e vazios diante de uma tela luminosa. O filme não se preocupa em mostrar uma razão crucial para o divórcio do casal; a história já parte de uma série de frustrações e revoltas que gera uma das cenas que parte o coração: em meio a uma discussão repleta de ódio, Alyosha escuta as palavras mais duras de sua vida, que filho nenhum gostaria de ouvir. É uma cena que arde e dói, pois em poucos minutos, o público sente o desprezo atingir no peito, surgindo a vontade urgente de abraçar o garoto.
A partir do desaparecimento do menino, o público acompanha o desespero de Zhenya e Boris em encontrá-lo, ao mesmo tempo em que passamos a conhecê-los em diálogos simples, diretos, latejantes e excepcionais, em que cada um retira a sua capa de proteção e mostra exatamente quem é de verdade. E mesmo expondo os sentimentos mais nus e crus, a ficha de nenhum dos dois cai pra valer, uma vez que não percebem que o desaparecimento do filho é 100% culpa deles. Zhenya revela os problemas que teve com sua mãe, mas em momento algum ela admite que age igual. Além disso, a personagem conta ao atual namorado tudo o que pensa sobre a maternidade e o porquê de ter casado tão cedo, o que justifica ainda mais o sumiço do filho. Já Boris revela ser um bobão, pai ausente e frio. Um homem que só se importa com o trabalho, cuja empresa preza pela tradicional família russa, pelo casamento intacto, repelindo qualquer tipo de contratempo matrimonial. Tal cena chega ser a cômica de tão contraditória que é. Nem mesmo a gravidez da atual namorada ou o sumiço do filho o faz mudar, o que é lamentável.
O diretor abre caminho para também criticar como a tecnologia afeta o cotidiano e as ações. Na trama, o público nota a constante fixação de Zhenya em ficar no celular o tempo todo, seja no metrô, na sala de estar ou, até mesmo, durante a discussão com o ex-marido. É irritante vê-la com a cabeça abaixada olhando somente para a pequena tela luminosa, enquanto expele uma série de palavras revoltantes. Mas entre os dois, ela é a única que ainda mostra um resquício de sentimento e remorso pela ausência de Alyosha. Mas sinceramente, não é possível sentir pena ou compaixão nem por ela, nem por Boris.
A temática ganha mais peso com o cenário extremamente gélido, onde o inverno torna-se protagonista e enfatiza ainda mais a ausência do amor. Aliás, nem mesmo a polícia demonstra certa preocupação em procurar pelo garoto, o que torna o desprezo ainda maior. Quando um grupo voluntário liderado por um detetive é acionado, somos um pouco animados por ver que existe alguém que ainda se importa.
E o garoto? Bom, o diretor faz questão de não deixar pistas sobre o desaparecimento, fazendo o espectador pensar nas inúmeras possibilidades do que poderia ter acontecido com Alyosha.
Considerações finais
Sob uma atmosfera fria e melancólica, Sem Amor é o retrato da família disfuncional, desprovida de qualquer sentimento que resulta no sumiço de um inocente, atingido pelo desprezo das pessoas que mais poderiam protegê-lo. É uma árdua crítica sobre a ausência dos pais (não fisicamente), o abuso da tecnologia no cotidiano, a falha humana e, é claro, a falta do maior sentimento que tentar tornar tudo um pouco mais harmonioso.
Ficha Técnica
Sem Amor
Direção: Andrey Zvyagintsev
Elenco: Maryana Spivak, Alexey Rozin, Matvey Novikov, Varvara Shmykova, Andris Keiss, Daria Pisavera, Yanina Hope e Maxim Stoianov.
Duração: 2h08min
Nota: 7,9