A minha curiosidade sobre o drama Pequeno Segredo se deu não só pela trama ser baseada em uma história real como também o filme foi pré-indicado ao Oscar para representar o Brasil na categoria de “melhor filme estrangeiro”, concorrendo ao lado de Aquarius. Pensei: “pelo visto, o filme deve ser muito, mas muito bom mesmo”. A verdade nua e crua é que, de fato, Pequeno Segredo é até bom, mas será que é bom o suficiente para entrar na lista desta premiação e ainda ter chances de ganhar? Na minha opinião, o drama dirigido por David Schürmann apresenta leveza ao contar uma história que vai deixar o público com lágrimas nos olhos, mas os dois maiores pecados do filme estão na forma como a história é contada e a falta de energia de algumas interpretações em cenas cruciais.
Baseado no livro Pequeno Segredo – A Lição de Vida de Kat, a trama conta três histórias que se conectam por um único segredo. No primeiro momento conhecemos Kat (Mariana Goulart), uma menina que nasceu portadora do vírus HIV e foi adotada pelo casal de velejadores Heloísa (Júlia Lemmertz) e Vilfredo (Marcelo Anthony) Schürmann. A menina é fruto do romance do neozelandês Robert (Erroll Shand) com a amazonense Jeanne (Maria Flor) que se entregam a uma paixão turbulenta que sobrevive os percalços até partirem definitivamente para a Nova Zelândia. Lá, Jeanne conhece Bárbara (Fionnula Flanagan), mãe de Robert, uma mulher conservadora que não se conformou com a partida do filho para outro continente e aceita forçadamente o casamento com uma estrangeira. Anos depois, Bárbara entra na justiça para recuperar Kat e trazê-la de volta a sua terra natal.
O grande problema do filme está na narrativa, que entrelaça três histórias em flashbacks do passado, presente e futuro, podendo confundir o espectador em algum momento. Vou ser bem sincera: teve uma hora que fiquei confusa e precisei pedir a minha amiga que explicasse o que estava acontecendo. Digo isso, pois a narrativa pula de uma história para outra instantaneamente e se o público se distrair um pouco não irá perceber se tal cena se passa no passado ou no presente ou se as histórias são contadas paralelamente em uma mesma linha temporal. Não há nenhuma indicação em formato de legenda que diga que tal cena se passa em tal época. Não que isso seja necessário, pois um filme pode, claramente, fazer isso sem indicar a época em que se passa. No entanto, Pequeno Segredo falha nesse quesito, já que uma cena pula para outra rapidamente.
O segundo ponto que pode incomodar alguns são os diálogos mesclados entre inglês e português, afinal, o filme apresenta um estrangeiro que até fala bem o português e três brasileiros que se esforçam para entender e falar inglês. Ver a dificuldade em falar inglês misturado ao sotaque brasileiro e vice-versa (como vemos com Robert) não me incomoda pelo fato de que isso é uma realidade. É normal você encontrar um estrangeiro que fala português com sotaque carregado, assim como o brasileiro falar inglês com sotaque. Mas, por ser um filme, talvez o público exija uma performance melhor ou quase perfeita.
Outro ponto que pesa um pouco são as interpretações. Por se tratar de uma história delicada, que começa aparentemente leve e vai aumentando a dor durante o seu desenvolvimento, falta uma injeção de energia em alguns personagens, principalmente em cenas importantes, como quando Heloísa conta a verdade para Kat e bate de frente com a avó malvada. Com relação à fotografia, cenário e trilha sonora, achei esses três pontos bem elaborados e bem utilizados.
Personagens
Mariana Goulart é o grande destaque deste filme na pele de Kat. A atriz traz leveza e inocência à personagem, ao mesmo tempo em que mostra inteligência, audácia e coragem diante de tudo o que está acontecendo. A menina bate de frente com as atitudes da mãe, não hesita em falar a verdade para os outros sobre sua condição e deseja ardentemente em fazer tudo o que quer ou ama até o fim de sua vida. Tudo isso pode ser visto no dia a dia da pequena: ela faz balé, natação, estuda etc. Ela se sente acuada quando as outras garotas zombam do seu tamanho, mas não hesita em fazer novas amizades e se declarar para o garoto por quem está apaixonada. Mariana faz um belo trabalho e dá à Kat esperança e força até o último momento.
Júlia Lemmertz está na medida no papel de Heloísa. A mãe adotiva é presente, preocupada e zelosa com Kat, chegando até a invadir a privacidade da filha, uma atitude não correta, mas até compreensível. No entanto, como disse anteriormente, falta energia na personagem em certas cenas, algo que poderia aumentar ainda mais as expectativas sobre o filme. Esta é uma falha que poderia ter sido evitada.
Nessa mesma linha segue Fionnula Flanagan como a avó Bárbara. Por ser considerada a vilã da história, faltou também aquela dose de energia ao botar pra fora seus sentimentos. Não fica totalmente claro o ressentimento que ela tem com a partida de Robert para o Brasil. Qual problema eles tiveram no passado? Ela era uma mãe extremamente protetora a ponto de mandar em cada passo do filho? Sua atitude com Jeanne é até clara, já que na sua cabeça o romance dos dois não passava de uma aventura passageira de Robert. Um pensamento feio, explícito e até preconceituoso.
Não poderia deixar de falar do casal que originou todo esse drama: Robert e Jeanne. Erroll Shand e Maria Flor estão muito bem nos papeis e eles entregam um romance que convence o público, apesar da construção desse amor ter sido rápida, tirando a oportunidade de o espectador apreciar melhor os detalhes dessa paixão. No primeiro momento eles se conhecem de forma estranha e, logo em seguida já estão dançando e transbordando afeto um ao outro. A birra de Robert com a mãe em alguns momentos é chata e, como disse, você não entende perfeitamente como essa briga se originou. Já Maria Flor nos mostra uma transformação lenta e gradual de Jeanne, que sai do Brasil apaixonada, mas tal felicidade diminui aos poucos quando ela passa morar em outro país, longe dos amigos e dos seus costumes. O nascimento da filha lhe enche de alegria, porém a doença recentemente descoberta definha toda a esperança que ela tinha de ter um futuro ao lado da família que construiu.
Infelizmente Marcelo Anthony fica quase que totalmente ausente no filme. Ele poderia ter dividido melhor as cenas de Vilfredo com Heloísa e, junto com ela, ter ganhado uma dose extra de energia. Uma presença mais forte do pai teria acrescentado bastante ao filme, principalmente nas cenas de conflito com a doença da filha e a briga com Bárbara.
Considerações finais
Pequeno Segredo é um filme delicado que vai apertando o coração do público até que uma lágrima caia. Quase todas as tramas que retratam uma doença sempre vão para um caminho triste e o filme de Schürmann não foge disso. Mesmo assim, o drama traz uma mensagem de esperança, de luta e força. É um filme que traz uma premissa forte que a Academia gosta, porém a narrativa mal utilizada e a falta de força em algumas interpretações pode diminuir as chances do filme de entrar nessa lista. Se entrar, as chances de ganhar a premiação não são tão altas e nítidas. É apenas minha opinião. Até lá, tudo pode mudar, não é mesmo?
Pequeno Segredo estreia hoje nos cinemas e vale a pena assistir, assim cada um poderá tirar as suas próprias conclusões e avaliar se o filme tem chances ou não de levar o Oscar.
Ficha Técnica
Pequeno Segredo
Direção: David Schürmann
Elenco: Júlia Lemmertz, Mariana Goulart, Marcelo Anthony, Maria Flor, Erroll Shand e Fionnula Flanagan.
Duração: 1h48min
Nota: 7,0