De uma manifestação a quase destruição completa da cidade. Em cinco dias, no verão de 1967, Detroit se tornou uma zona de guerra. Baseado em fatos reais, Detroit em Rebelião faz um recorte dessa tragédia e se concentra no episódio dramático ocorrido na terceira noite dos distúrbios dentro do Motel Algiers. Dirigido por Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror), a diretora conheceu a história do motel na época dos protestos que estouraram em 2014 em Ferguson, cidade do estado Missouri, após o assassinato do garoto negro Michael Brown por um policial branco.
Por se especificar em um único momento, o filme faz um breve panorama sobre os distúrbios em Detroit, já começando com o episódio da batida policial em um bar ilegal e emendando para as cenas de motins pelo bairro e bairro vizinhos. Mesmo com algumas cenas documentais, o filme não mostra como era a cidade antes, o convívio social da classe média negra e, muito menos, o início da tensão inter-racial entre brancos e negros. A diretora dá logo o tapa na cara do público com os distúrbios, criando uma tensão crescente e angustiante até o estopim do filme: a tragédia no Motel Algiers.
Ao mesmo tempo em que o espectador fica com a atenção completamente presa à história, ele nota que o certo e o errado estão misturados e não há uma peneira para separá-los. De um lado, você compreende a repressão dos negros e a ausência e inutilidade dos direitos civis; por outro, você julga pelos motins e a destruição da cidade, um ato que faz os cidadãos negros perderem a razão sobre aquilo que estão lutando. De um lado da autoridade você encontra policiais corretos, que seguem as regras e as leis e não usam a força para combater os motins; do outro lado, há policiais agressivos, violentos e extremamente racistas que abusam do poder a fim de colocar um ponto final nos distúrbios a qualquer custo. Analisando esses pontos, pode se dizer há certa ambiguidade no filme, além de depender muito da forma como cada espectador irá analisar e reagir à trama.
Com a introdução aos personagens e a tensão instalada, o estopim eclode no segundo ato do filme, relatando detalhadamente o que aconteceu no Motel Algiers. Esse ato é palco de excelentes cenas de tensão, medo, pânico, violência e muito, mas muito jogo psicológico. Sem contar com o show de interpretação dos atores, com destaque para Will Poulter e John Boyega. A câmera se movimenta a todo o instante, indo até o chão para seguir cada personagem e mostrar o desespero e o choque estampado nos rostos naquela noite.
Personagens
É através dos personagens como o segurança local Dismukes, o policial Krauss, o cantor da banda The Dramatics e seu amigo Fred (Jacob Latimore), o ex-soldado da infantaria de paraquedismo, Greene (Anthony Mackie), e as garotas Karen (Kaitlyn Dever) e Julie (Hannah Murray) que o público acompanha os momentos de terror da forma mais nua e crua, dando a sensação ao espectador de que ele também está entre os corredores do motel.
Por ser negro e trabalhar como segurança, Dismukes se vê dividido. Alguns o olham com certo desprezo, mas a verdade é que ele segue os passos corretamente até o instante em que ele se vê na cruzada de fogo com o policial Krauss. John Boyega interpreta o personagem muito bem e o público consegue sentir a mesma coisa que ele: sufocado, encurralado e sem voz no momento em que ele se vê sem saída diante da situação em que foi colocado.
O grande destaque vai para Will Poulter, que encarna um policial arrogante, truculento, agressivo e ultra racista. Instantaneamente o público sentirá desprezo pelo personagem, o que é positivo, pois isso significa que o papel prometido é bem executado. Não quero dar muitos detalhes para não dá spoilers, mas Poulter é responsável pelas melhores cenas e os momentos mais angustiantes do filme. Fiquem atentos.
Quem também não fica para trás é Algee Smith, que interpreta Larry, vocalista da banda The Dramatics. O personagem inicia com o grande sonho de levar a sua banda ao topo do sucesso, mas tal sonho se dissolve na tragédia ocorrida no motel, o que lhe dá uma visão nítida, triste e cruel sobre a sociedade.
Considerações finais
As cenas finais revelam o desfecho verdadeiro desse colapso em Detroit, mostrando os culpados e inocentes e quem, de fato, pagou pelos erros. Detroit em Rebelião é um recorte dos distúrbios ocorridos na cidade, o que traz certa ambiguidade na trama por não mostrar a história completa. Mesmo assim, é possível entender a trama e o quão forte ela é, com uma narrativa tensa e angustiante que cresce conforme as cenas são bem costuradas até chegar ao estopim e ao desfecho do filme. Além de contar uma boa história, outro ponto alto são as excelentes interpretações. Sem dúvida, é um filme que não deve passar batido no cinema.
Curiosidades
– Detroit em Rebelião é baseada nos fatos que aconteceram em Detroit na década de 60. Distúrbios eclodem na cidade após uma intervenção policial em um bar ilegal na esquina das ruas 12 e Claremont. Frequentadores do local foram presos, incluindo 82 negros. Moradores da área iniciaram um protesto contra a ação, o que se transformou em quebra-quebra, saques e incêndios.
– O colapso durou cinco dias, resultando em 43 mortes (33 negros e 10 brancos), 1189 pessoas presas; mais de 2000 lojas saqueadas; 388 famílias desamparadas e 412 prédios incendiados e destruídos.
– A tragédia no Motel Algiers resultou na morte de três jovens negros, no espancamento de outros sete, além de duas mulheres brancas.
Ficha Técnica
Detroit em Rebelião
Direção: Kathryn Bigelow
Elenco: John Boyega, Will Poulter, Algee Smith, Jacob Latimore, Anthony Mackie, Jason Mitchell, Hannah Murray, Kaitlyn Dever, Jack Reynor, Samir Wiley, John Krasinski, Chris Chalk, Tyler James Williams, Laz Alonso, Leon Thomas III, Malcolm David Kelley, Gbenga Akkinagbe, Austin Hébert e Jeremy Strong.
Duração: 2h23min
Nota: 8,5