Posso dizer que 2017 está sendo o ano do cinema brasileiro. Depois de surpreender com bons filmes como O Rastro, Soundtrack e Malasartes, Bingo – O Rei das Manhãs chega para dar aquele tiro certeiro no público e na imprensa. Dirigido por Daniel Rezende, o filme conta a história das desventuras de Augusto Mendes (Vladimir Brichta), um artista que sonha em encontrar um lugar nos palcos e que se depara com a oportunidade de ser o palhaço Bingo, apresentador de um programa infantil que é sucesso absoluto lá fora e, agora, pretende ser no Brasil também. No entanto, uma cláusula no contrato não permite revelar a identidade por trás do nariz vermelho e a peruca azul. Assim, Augusto ou novo “rei das manhãs” se transforma no anônimo mais famoso do Brasil. Debochado e ex-astro da pornochanchada, ele conquista a criançada em um espaço curto de tempo. Mas, por levar uma vida cheia de excessos, loucuras, drogas e muito álcool, o rapaz se afasta do filho que tanto ama e ainda corre o risco de perder tudo o que conseguiu.
Inspirado na vida do ator e apresentador Arlindo Barreto, um dos intérpretes do Bozo nos anos 80, cujo programa teve recordes de audiência, pode se dizer que esse filme apresenta um roteiro impecável. A trama leva o público de volta aos anos 80 por meio de uma trilha sonora nostálgica, uma São Paulo da época, revelando como é o funcionamento dos bastidores de um programa, uma novela e emissora. Tudo isso é contemplado à excelente direção de Rezende (Cidade de Deus) e um elenco formidável.
Pra começar, a cidade de São Paulo é o cenário principal da história, que ganha uma paleta de cores mais “antiga” para remeter a cidade daquela época. Mas não é só no cenário que o diretor arrasa. O seu bom trabalho é provado com quatro excelentes e marcantes cenas que não saíram da minha cabeça. O plano sequência de uma das cenas, o movimento das câmeras que faz o público caminhar pelas ruas junto com os personagens e a semiótica (leitura e interpretação das cores, imagens, dos objetos e iluminação) são elementos que engrandecem ainda mais o filme. Tenho que ressaltar que um dos momentos mais marcantes para mim foi ver uma cena gravada no Bom Retiro, bairro onde moro. Se o filme já tinha ganhado a minha atenção logo no começo, depois dessa cena, me conquistou de vez.
O elenco não fica para trás em nenhum momento e, junto com as técnicas (edição, fotografia, montagem e trilha sonora), o longa prende a atenção do público do começo ao fim, sem cansar um minuto se quer. O espectador sai do cinema com vontade de assistir novamente.
Vladimir Brichta marca a sua carreira com o personagem Augusto Mendes/Bingo. Sua interpretação é formidável e oscila perfeitamente quando está com e sem a maquiagem de palhaço. De um lado, performance é fidedigna a de Arlindo Barreto e “bipolar” no sentido de mostrar, com clareza, um Augusto lutador, bom pai, determinado e profissional que entra em uma decadência gradativa à medida em que o excesso do álcool e das drogas se agravam e se misturam com as exigências do trabalho. Do outro lado, vemos Brichta incorporar o famoso Bozo, carinhoso e muito brincalhão com as crianças, mas sem escrúpulos quando o seu objetivo é bater o recorde de audiência na TV e ultrapassar a emissora concorrente.
Mas não são só nas cenas individuais que Vladimir arrasa. O ator tem uma química prazerosa com Leandra Leal, Cauã Martins, Emanuelle Araújo e, especialmente, Ana Lucia Torre, que interpreta Martha Mendes, mãe de Augusto. As provocações, broncas e o tesão entre apresentador e produtora são formidáveis, além de engraçadas; a relação mãe e filho e pai e filho são lindas, únicas e reais. Muitas cenas desse trio vai fazer o público se emocionar; a participação de Emanuelle na pele da cantora Gretchen é curta, mas o suficiente para ser marcante. É provável que você saia do cinema cantando “Conga, Conga, Conga”.
Considerações finais
Bingo – O Rei das Manhãs é mais um acerto (e dos bons) do cinema brasileiro. Fidedigno a história de Arlindo Barreto e aprovado por ele mesmo, o filme ganha pontos positivos em todos os quesitos: história, elenco, cenário, trilha sonora, fotografia, montagem, edição e direção. O desfecho dessa trama não faz o público torcer contra ou a favor do protagonista, mas mostra a realidade e a verdade sobre uma figura icônica que ganha os holofotes e entra em decadência com suas falhas e exageros. Vale a pena assistir! Já separou o dinheiro para comprar os ingressos?
Curiosidades
– Arlindo Barreto foi um dos intérpretes do palhaço Bozo, no programa infantil transmitido no SBT na década de 80;
– Aos 64 anos, Arlindo é casado com a produtora Elizabeth Locatelli e tem três filhos;
– É filho da atriz Márcia de Windsor, que teve influência muito importante em sua vida. Após a morte da mãe, a tristeza levou Arlindo para o mundo das drogas e do álcool. Após um acidente, ele encontrou a salvação e paz na palavra de Deus e se tornou evangélico e pastor.
– Atualmente, Arlindo faz turnês com o seu espetáculo “Mr. Clown”, uma comédia religiosa. Por ser um trabalho social, ele não cobra pelos ingressos, apenas pede a doação de alimentos e roupas.
Ficha Técnica
Bingo – O Rei das Manhãs
Direção: Daniel Rezende
Elenco: Vladimir Brichta, Leandra Leal, Ana Lucia Torre, Cauã Martins, Tainá Muller, Emanuelle Araújo, Augusto Madeira, Pedro Bial, Domingos Montagner, Soren Hellerup, Raul Barreto e Ricardo Ciciliano.
Duração: 2h
Nota: 10