A Garota no Trem é o exemplo de que é possível fazer uma adaptação cinematográfica de um livro sem ter a necessidade de mudar os fatos ou distorcer os personagens. Fiel à obra da autora Paula Hawkins do começo ao fim, a trama dirigida por Tate Taylor conta a história de Rachel Watson (Emily Blunt), uma mulher solitária que se tornou alcoólatra após ser traída e abandonada pelo marido Tom (Justin Theroux). Todos os dias, Rachel pega o trem para ir de sua casa ao trabalho e, durante o caminho, ela observa o cenário e as casas, mas especialmente Megan (Haley Bennett) e Scott (Luke Evans), um casal da qual ela fantasia a história de vida e o romance dos dois ao ponto de virar uma obsessão. Um dia, Rachel vê algo inusitado acontecer na casa de Megan e, consequentemente, descobre que a mulher que tanto observa está desaparecida. Ao investigar sobre o que aconteceu, Rachel se torna uma das principais suspeitas aos olhos da detetive Riley (Alisson Janney), se afunda cada vez mais no álcool e, continua no martírio de ir atrás de seu ex-marido e de sua atual esposa Anna (Rebecca Ferguson).
O filme segue a mesma narrativa não linear do livro: cada capítulo ou cada momento é contado por uma personagem, alternando entre Rachel, Megan e Anna, revelando os fatos que aconteceram quatro meses atrás até os dias atuais com o intuito de que o público monte o quebra cabeça para desvendar o mistério do sumiço de Megan. O roteiro é bem desenvolvido e o ritmo é um pouco lento e progressivo, pois ele mostra em detalhes não só os acontecimentos, mas a personalidade de cada um.
Assim como a obra de Hawkins, você também questiona a postura dos personagens no filme e, muitas vezes, torce para que eles não tenham atitudes tão banais ou babacas a ponto de se prejudicar sem ter culpa nenhuma, como é o caso de Rachel, a que mais sofre com tudo isso justamente por ter alguns apagões na memória com o exagero do álcool.
O cenário se divide entre cidade e área campestre, uma vez que o próprio público é levado pelo trem, junto com a protagonista, para ambientes opostos, trazendo movimento e calma especialmente nas cenas de suspense.
Personagens
Quero falar separadamente sobre os personagens, pois são eles que irão fazer o público gostar ou não do filme. A começar pela protagonista Rachel. Emily Blunt está excelente no papel e entrega uma personagem bem sofrida, maltratada, com características bem explícitas de uma alcóolatra. No primeiro momento, o espectador irá questionar tal obsessão da personagem por Megan e Scott, mas no decorrer da trama, ele irá entender melhor as razões. Tanto no livro quanto no filme, algumas vezes você sentirá um pouco de raiva das atitudes da personagem, como o fato dela estar sempre correndo atrás do ex-marido e sendo ofendida constantemente por Anna. Aqui, há claramente uma falta de amor-próprio, mas, mais uma vez, o público vai entender como a protagonista chegou ao fundo do poço e se envolveu em um crime, mas também vai encontrar uma luz no fim do túnel para ela.
Interpretada por Hayley Bennet, Megan é uma mulher que esconde um passado frio e triste, é casada, mas não se sente completamente satisfeita com o marido e com a vida que leva. Mesmo quem não leu o livro, vai entender as atitudes de Megan que confessa gostar de sair com outros caras, justamente por não estar satisfeita com sua rotina. É uma personagem confusa e bem sexual e a conhecemos melhor durante suas consultas com o psicólogo Dr. Kamal Abdic (Édgar Ramirez), que também é uma peça importante nesse suspense.
Anna (Rebecca Ferguson) é uma mulher que se dedica inteiramente à família e a casa. Não esconde nenhum momento que “roubou” Tom de Rachel e se vangloria por isso. No livro, a personagem é mais bruta, rude e ofende demais Rachel, chegando a ter pensamentos machistas. No filme, essa personalidade foi reduzida, mas ela demonstra medo por se sentir cercada pela ex do marido e faz de tudo para mantê-la distante.
Jason Theroux interpreta Tom, que tenta a todo o momento afastar Rachel de sua vida. Sua personalidade até certo ponto é neutra e o público irá perceber que, no fundo, ele não se desconecta de Rachel tão fácil assim. É um personagem que, aparentemente, não acrescenta tanto à história, mas é sempre bom ficar de olho.
Já a participação de Scott, papel de Luke Evans, é bem reduzida. Ele é apenas o marido que entra para a lista de suspeitos do desaparecimento de sua esposa Megan. No livro ele até tem momentos mais marcantes, mas no filme sua participação é mais banal.
Laura Prepon interpreta Cathy, amiga de Rachel que apenas faz uma participação e você ainda se pergunta: ela realmente é amiga mesmo? Que tipo de amiga é essa que não ajuda a outra? Que tipo de amiga é essa que não chacoalha Rachel para mostrar que ela está indo para o caminho errado? Que tipo de amiga é essa que não estende a mão para tirar a outra do fundo do poço? Quem leu o livro, fez todas essas perguntas. Já no filme, a participação de Cathy é banal e até sem razão. Já a detetive Riley, papel de Alisson Janney, conduz a investigação, mas não se aprofunda mesmo para saber quem está falando a verdade ou não, deixando esse papel para a própria Rachel. Ela apenas recolhe as pistas e fica enquadrando a protagonista sem acreditar em suas palavras, por justamente ela ser alcóolatra.
Considerações finais
O final traz mais suspense e um desfecho frio e satisfatório, exatamente igual ao do livro. Não tem o que tirar e nem por. Por seguir a mesma linha de Garota Exemplar, A Garota no Trem é um bom thriller, simples, totalmente conduzido pela protagonista com participações especiais. O filme apresenta os fatos exatamente iguais do livro, dispensando alguns que não acrescentariam tanto à trama. Se você gostou do livro, vai gostar do filme. Se você não gostou do livro, talvez não goste ou até pode se surpreender com a trama. Só assistindo para saber. O filme estreia hoje nos cinemas.
Ficha Técnica
A Garota no Trem
Direção: Tate Taylor
Elenco: Emily Blunt, Hayley Bennett, Luke Evans, Justin Theroux, Rebecca Fergunson, Allison Janney, Laura Prepon e Lisa Kudrow.
Duração: 1h53min
Nota: 8,9
