O cinema pode ainda não ter acertado ao adaptar um videogame para as telonas, mas quando o assunto é criar uma história no mundo dos games, Hollywood manda bem e Jogador Nº1 (Ready Player One) é a prova disso.
Baseado na obra de Ernest Cline e dirigido por Steven Spielberg, o filme é ambientado em 2045, com o mundo à beira do caos e do colapso. Contudo, as pessoas encontraram refúgio no OASIS, um amplo universo de realidade virtual criado pelo genial e excêntrico James Halliday (Mark Rylance). Quando Halliday morre, ele deixa a sua fortuna para a primeira pessoa que encontrar o easter egg escondido por ele mesmo em algum lugar do jogo, dando origem a uma competição mundial. Quando um jovem e improvável herói chamado Wade Watts (Tye Sheridan) decide participar da competição, ele é lançado a uma caça ao tesouro arriscada e capaz de distorcer a realidade através de um fantástico universo de mistérios, descobertas e perigos.
Por ser passar em um futuro não tão distante para nós, a vida real é medíocre e exatamente o que não esperávamos em um futuro que prometia riqueza e evolução. Aqui, o filme retrata uma vida pobre, precária, triste e esquecida. A classe média baixa e os mais miseráveis vivem em Columbus, um bairro amontoado por pilhas de trailers, um em cima do outro, sem privacidade ou qualquer tipo de estrutura mínima que se vive o ser humano. Para escapar dessa vida quase arruinada, sem comida e condições mais apropriadas, as pessoas encontram refúgio em realidade virtual nunca antes vista.
O OASIS proporciona uma experiência inusitada no mundo fantástico do videogame. Não é à toa que todos passam a maior parte do tempo nessa ilusão. O funcionamento é quase como a vida real: as pessoas passeiam, comem, conversam, fazem amizades, vão a bibliotecas, andam de carro e até podem sentir o toque do outro (caso o jogador tenha a roupa apropriada para isso, uma vez que ela é bastante cara). Nesse mundo, cada um tem o seu tipo de avatar e nome, sem que a identidade real do jogador seja revelada. Isso significa que uma menina pode se passar por um rapaz e vice-versa. No OASIS, as pessoas podem ser quem elas quiserem. Um ponto que chama muito a atenção é o cenário do jogo que ganha um toque mais real com os efeitos especiais, holográficos e coloridos, um verdadeiro show visual. A sensação que dá é que os espectadores estão dentro do jogo e fazem parte daquele mundo extraordinário. Os avatares são bem construídos, o que distancia bastante das animações mais robóticas e se aproxima mais da naturalidade, tanto no jeito de falar, quanto no de andar e expressar as emoções. Mas assim como na vida real, para você sobreviver e conhecer novos lugares do jogo é preciso juntar moedas para conquistar os artefatos necessários. Quem já jogou videogame, sabe como funciona esse esquema.
É também dentro do jogo que o público conhece e acompanha o Grupo dos Cinco (High Five), responsáveis por dar continuidade a disputa após cinco anos da morte de Halliday. No OASIS os avatares que acompanhamos são: Parzival, Artemis, Aech, Sho e Daito. Acredite, você vai se divertir nessa aventura ao lado deles.
Referências, muitas referências
Se você é fã de videogame e cultura pop, então Jogador Nº1 é um prato cheio para você. Quem é assim é Halliday e, por causa disso, o personagem implanta uma série de referências maravilhosas no jogo, seja em uma fase, um artefato ou até na roupa do avatar. Spielberg aproveita e utiliza essas referências não só em imagens, mas também nos diálogos, e eles são muitos. No decorrer do filme o público irá se deparar com o Chuck, o Brinquedo Assassino, Freddy Krueger, Bettlejuice, Rex do Jurassic Park, King Kong, Godzilla, Mario Kart, etc. No mundo da música há menções honrosas a Michael Jackson e Duran Duran. Há também referências aos filmes Curtindo a Vida Adoidado, Clube dos Cinco, De Volta Para o Futuro, Indiana Jones e pequenas homenagens para Peter Parker, Bruce Wayne e Clark Kent. Até Stephen King não fica de fora e o filme faz questão de homenageá-lo em uma cena magnífica referente ao O Iluminado. Além de divertida, é uma das minhas cenas favoritas. Acho que King gostou mais da referência do que do próprio filme do Stanley Kubrick. A trilha sonora composta por Alan Silvestri (Forrest Gump, De Volta Para o Futuro) também está incrível e traz uma ótima playlist com faixas dos anos 80.
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Mesmo com tantas e boas referências, a narrativa não se perde e entrega uma história bem ao estilo ‘Sessão da Tarde’: simples, boa, gradativa e satisfatória, tornando uma grata surpresa para o público. O filme constrói bem as pistas para descobrir o easter egg e não apenas truques superficiais ou baratos de videogame, o que aumenta ainda mais o desafio e provoca os mais curiosos e persistentes em querer vencer.
Personagens
Nessa aventura, acompanhamos tanto o jogador quanto o seu avatar. Na vida real, a história de vida de Wade Watts faz uma homenagem ao lembrar de Homem-Aranha e Batman: Wade perdeu os pais quando era pequeno e, agora, mora com sua tia Alice. Tye Sheridan não tem nenhum grande destaque memorável no filme, mas também não tem como negar o quanto ele está bem e confortável no papel, além de se divertir interpretando um garoto e um avatar. Aliás, boa parte do tempo o espectador acompanha Perzival e este, sim, tem momentos mais marcantes dentro do jogo, engraçados e emocionantes.
Eu esperava um James Halliday magnata, vaidoso e até mesmo arrogante, mas me enganei completamente e fiquei surpresa e feliz ao me deparar com o criador do OASIS simples, nerd puro, calado e extremamente apaixonado por games e cultura pop. A caracterização e a performance de Mark Rylance está ótima e a empatia por Halliday é instantânea.
Destemida tanto no jogo quanto na vida real, Samantha/Artemis (Olivia Cooke) é outro ponto positivo do filme, braço direito e o amor de Wade/Perzival. Ao mesmo tempo em que ela tímida por ter medo das pessoas se decepcionarem sobre quem ela é, Samantha tem força e determinação em defender o jogo das mãos daquele poderá arruinar ainda mais um futuro praticamente esquecido.
Nolan Sorrento é o chefe da empresa da IOI (Innovative Online Industries), que domina a internet e deseja conquistar o OASIS. Ele é o vilão no jogo e na vida real que persegue o Grupo dos Cinco, porém ele não amedronta tanto quanto eu esperava. Ben Mendelsohn está bem no papel, mas não cria tantas expectativas como antagonista.
O elenco de apoio funciona bem, mas gostaria de saber mais sobre Aech (Lena Waithe), Daito, Sho e co-criador Ogden Morrow, personagem de Simon Pegg. Mas ele surpreende no final.
Considerações finais
A reta final fica um pouco a desejar por ganhar uma carga melodramática e pouco forçada, mas isso não prejudica o filme. Jogador Nº1 é uma grata surpresa que o cinema nos presenteia. O filme nos conquista com uma boa história que mistura videogame e realidade, personagens carismáticos, avatares divertidos, um cenário fantástico e, é claro, uma overdose de referências clássicas da cultura pop que muitos fãs irão amar. Jogador Nº1 é um acerto de Hollywood e mais uma bela obra de Steven Spielberg.
Ficha Técnica
Jogador Nº1
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Tye Sheridan, Mark Rylance, Ben Mendelsohn, Olivia Cooke, Simon Pegg, Lena Waithe, T.J Miller, Hannah John-Kamen, Ralph Ineson, Susan Lynch, Clare Higgins, Perdita Weeks, Lynne Wilmot, Mark Stanley, Letitia Wright, Mckenna Grace, Julia Nickson, Jacob Bertrand, Cara Pifko, Kit Connor e Armani Jackson.
Duração: 2h20min
Nota: 9,0