O Poço (El Hoyo) é o mais novo filme da Netflix que está chamando a atenção no streaming pela mensagem forte que a história traz. É um filme que faz uma forte crítica social ao individualismo, a desigualdade social, ao egoísmo e à falta de bom senso do ser humano em meio a uma atmosfera macabra em que o horror não é o bom e velho susto, mas sim, a falta de empatia, violência e escatologia, cujo final é aberto e pode ser interpretado de várias formas, dependendo do ponto de vista que você tiver de tudo o que viu, sentiu e refletiu. É uma trama que chega na hora certa para fazer a sociedade refletir sobre suas atitudes diante do próximo.
Dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, O Poço é um filme espanhol que acompanha o protagonista Goreng (Ivan Massagué) que, um dia, acorda em uma espécie de prisão, cuja cela contém um buraco quadrado no meio em que é possível ver níveis acima e abaixo do seu. Junto com ele está seu “colega de cela” Trimagasi (Zorion Eguileor), um senhor que está há meses preso e lhe explica o funcionamento do poço. Localizados no nível 48 (considerado um nível bom), uma vez ao dia, um grande e requintado banquete desce para que todos possam comer. Em cada nível há duas pessoas e à medida que o banquete vai descendo, a comida vai diminuindo. O grande problema é que são vários níveis, dando a sensação de que o poço não vai acabar, mas o que acaba é a comida, deixando as pessoas nos níveis abaixo absolutamente sem nada.

Goreng também descobre que os prisioneiros passam um mês em cada nível, sem saber para qual plataforma irá na próxima vez: pode ser os primeiros níveis, considerados um privilégio; pode ser os últimos, o grande terror para todos. À medida que Goreng passa o tempo no poço e vai trocando de níveis, ele começa a entender o funcionamento do local, mas também a compreender a falta de empatia dos demais ao lidar com uma vasta comida em que o mínimo não chega para os mais necessitados. Por que isso acontece? Quantos níveis existem? O que acontece com quem fica sem comer? Por que as pessoas matam umas às outras? A fome alucina? Qual o objetivo disso tudo?
O Poço é um filme extremamente reflexivo que traz mensagens sobre o ser humano e a sociedade tanto literal quanto metaforicamente. Antes de mais nada é preciso entender que o objetivo do longa não é trazer explicações mastigadas sobre o poço: quem o criou, quem é o responsável por colocar aquelas pessoas, quem os tira dali, entre outros questionamentos, apesar de que essas dúvidas pairam em nossa cabeça a todo momento em que estamos assistindo, o que é completamente normal.

As ações dos personagens, o funcionamento do poço, o horror e o possível objetivo dali faz o telespectador compreender que o roteiro entrega uma mensagem sobre desigualdade social, em que o ser humano não tem empatia com o próximo, olhando apenas para o seu próprio umbigo. Se um grande banquete pode servir vários níveis, porque a comida acaba antes? As atitudes de cada dupla de níveis mostram o lado primitivo do homem, em que, no desespero, eles pulam em cima da comida, devoram, pisam, cospem, defecam, vomitam e até matam sem ao menos imaginar que um único prato, uma única porção é capaz de satisfazer um indivíduo, dando a chance ao outro para comer.
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As consequências vão ficando maiores à medida que a comida vai acabando, uma vez que a fome cresce, cultivando alucinações e ações selvagens no ser humano, capaz de fazer tudo para se alimentar. É isso que vemos pelo olhar de Goreng e suas ações a cada nível que ele vai passando.

Junto a isso, acompanhamos a subtrama de uma mulher que desce com o banquete a vários níveis em busca de uma criança. Seria verdade ou alucinação desta personagem, uma vez que ela demonstra instintos selvagens e assassinos para encontrar o filho (ou filha) custe o que custar? Quando Goreng conhece esta história, ele passa a ajudá-la, ao mesmo tempo que tenta compreender o funcionamento do poço, chegando a uma possível conclusão de que todos podem ser libertados se todos fizerem a sua parte e deixar que a comida chegue até o último nível.
Final explicado (CONTÊM SPOILERS)

Ao tentar compreender o local para sair dali e conseguir o certificado que precisa – sim, Goreng está no poço voluntariamente e não sabemos o porquê – ele conta com a ajuda de seu novo companheiro de cela Baharat (Emilio Buale) que, juntos, descem com o banquete e impedem que várias pessoas se alimentem a fim de que, pelo menos uma única porção, chegue ao último nível. Além disso, eles também procuram pela criança, acreditando ser a chave para a libertação de todos.
Esta sequência é forte, violenta e extremamente reflexiva levando a um final que fica aberto, dando a possibilidade de o telespectador pensar em várias explicações. O Poço não tem um único desfecho e a interpretação é livre, ganhando várias vertentes a partir dos distintos pontos de vistas.
Quando Goreng e Baharat chegam ao último nível (333), eles finalmente encontram a criança que aparenta boa saúde, alimentando-a com o único prato que ficou intacto. A partir daqui podemos interpretar várias coisas.
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A minha interpretação é de que o poço possa ser uma espécie de jogo da vida em que vemos o lado primitivo e digno do homem. Talvez a menina estivesse bem alimentada e cuidada e apenas colocada no último nível de forma estratégica para que os mais inteligentes e dignos chegassem e a encontrassem ali, reforçando que a empatia ao próximo e a igualdade são a chave para a liberdade. Ou seja, quem soube dividir o banquete para todos os níveis, entenderia o significado do poço e seria libertado.
A outra interpretação é que tudo não passa de uma alucinação de Goreng. Até a reta final, tanto o personagem quanto o espectador perdem a noção do tempo ali dentro, fazendo indagar algumas questões: há quanto tempo Goreng está sem comer? O que é real ou não para ele e para o telespectador? Será que a menina realmente existe ou é fruto da alucinação do rapaz que chega ao último nível sem nada? Será que todo o seu esforço foi em vão?
Outra possibilidade é que Goreng realmente encontrou a menina, decodificou todo o significado do poço, encontrando a esperança para os demais enquanto a sua jornada terminava ali, uma vez que o personagem se encontra em uma vasta escuridão, olhando apenas para uma luz brilhante. Seria o fim para ele (ele morre) e recomeço para os sobreviventes dos demais níveis?
Essas são apenas algumas interpretações de muitas outras que o filme pode ter. O Poço traz um retrato reflexivo, cruel e de horror de uma sociedade em que o homem desfaz suas camadas diante da desigualdade e desumanidade que o próprio cria, trazendo uma atmosfera primitiva em meio ao egoísmo e a falta de solidariedade ao próximo.
Ficha Técnica
O Poço
Direção: Galder Gaztelu-Urrutia
Elenco: Ivan Massagué, Zorion Eguileor, Antonia San Juan, Emilio Buale, Mario Pardo, Alexandra Masangkay e Zihara Llana.
Duração: 1h34min
Nota: 9,0