Ser um doutrinador é propagar opiniões, pregações, relatos ou fundamentos de princípios de um sistema que você acredita. Mas será que existe uma única forma de pregar tal credibilidade? A mais correta? Este é apenas o começo do que se pode esperar em O Doutrinador, filme dirigido por Gustavo Bonafé que tem uma história potencial, mas que poderia ter sido melhor trabalhada em alguns pontos, especialmente ao se tratar de um assunto delicado em uma época tão áspera no Brasil.
Inspirado na HQ de Luciano Cunha, a trama acompanha Miguel, um agente federal altamente treinado que vive em um Brasil governado por quadrilhas de políticos e empresários corruptos. Uma tragédia pessoal o leva ao momento mais sombrio de sua vida, fazendo-o eleger a corrupção endêmica brasileira como sua inimiga mortal. Assim, ele dá início a um plano de vingança sobre a elite brasileira durante o período de eleições presidenciais, entrando em um caminho sem volta contra a corrupção.
O Doutrinador deixa a desejar em alguns momentos com um roteiro que tem potencial, mas não é tão bem trabalhado como merecia, especialmente em seus detalhes. Logo no primeiro ato, o público toma conhecimento de que vai acompanhar uma narrativa não linear, em que manifestações pela cidade dão indícios de que algo ruim está prestes a acontecer. O filme leva o espectador ao passado para conhecer Miguel, o seu papel para com a sociedade e sua família e, é claro, a grande tragédia que o transforma repentinamente. Acredito que essa introdução poderia ter sido um pouco mais tratada aos olhos do público, trazendo informações complementares, como a formação do protagonista, a rotina de trabalho (aparece, mas é superficial) e o principal: a reviravolta que o motiva a se transformar no anti-herói, uma vez que o acontecimento choca, mas não faz com o que o público se sinta tão atraído com a situação até o final do filme.
Ainda no começo, a história fecha a narrativa não linear, voltando ao tempo presente para acompanharmos a jornada do Doutrinador, uma vez que o personagem ganha vida em Miguel. Mais uma vez, o filme peca por não trabalhar melhor essa transformação, trazendo o anti-herói nas telas de forma brusca, mas que é possível relevar. Quem for fã de séries e filmes de heróis, irá lembrar bastante do personagem Justiceiro (e de muitos outros) e é exatamente isso que o doutrinador é, encabeçado em um único nicho: a corrupção brasileira.
A tragédia, transformação, aceitação da missão e execução definem o protagonista, no entanto, o seu papel traz vários questionamentos. De início, atire a primeira pedra quem nunca pensou que os corruptos deveriam ser eliminados. Um pensamento forte, egoísta e macabro por você desejar a morte do outro? Sim, mas acredito que isso já tenha passado pela cabeça de alguém e essa é a premissa desenvolvida no filme.
Com o surgimento do Doutrinador, a temporada de caça aos corruptos entrega várias cenas fortes e cruas, com lutas brutas e uma série de tiroteios mortais em que nenhum inimigo sobra para contar história. É aqui que entra o questionamento: em que determinado momento Miguel acredita que esta é a única saída para tornar o país melhor? Será que matar os políticos corruptos é a melhor solução, uma vez que a lista é enorme e muitos não se salvam?
É nessa caçada que conhecemos aqueles que apoiam o anti-herói, como a hacker Nina (Tainá Medina) – o que faz a gente lembrar ainda mais das séries em que o herói combate o mal com o auxílio de seu ajudante; seus arqui-inimigos, como governador Sandro Correa (Eduardo Moscovis), o candidato à presidência Antero Gomes (Carlos Betão), a ministra Marta Regina (Marília Gabriela); e, é claro, aqueles que lutam ao lado da justiça e do correto, como o agente Edu (Samuel de Assis), o delegado Siqueira (Tuca Andrada) e a ex-esposa de Miguel, Isabela (Natália Lage). Não há um aprofundamento desses e de outros personagens, mas todos funcionam bem dentro da trama.
Kiko Pissolato entrega uma boa atuação, mas acredito que falta força e exploração na construção das camadas de Miguel e do Doutrinador. O filme poderia ter trabalhado melhor o lado psicológico do personagem, a perturbação dentro de sua mente e os detalhes que o levam a se transformar no anti-corrupto do Brasil. A história ganharia um tom mais sombrio e atraente com esses elementos.
O terceiro e último ato prende a atenção até os créditos finais, entregando um desfecho estrondoso e trágico-cômico, em que o protagonista encontra a forma mais radical de erradicar a doença que mata o Brasil a longo prazo. O final é exagerado, forte e pode provocar até risadas de nervoso no espectador.
Considerações finais
O Doutrinador é um filme com potencial, tem um protagonista satisfatório e uma boa premissa que poderiam ter sido melhores trabalhados a fim de mergulhar em um atmosfera mais sombria, psicológica e menos radical como é.
Mesmo com ressalvas, o filme é bom e acredito que vai levar muitos curiosos ao cinema para saber um pouco mais sobre o anti-herói mascarado.
Ficha Técnica
O Doutrinador
Direção: Gustavo Bonafé
Elenco: Kiko Pissolato, Samuel de Assis, Tainá Medina, Marília Gabriela, Eduardo Moscovis, Natália Lage, Carlos Betão, Tuca Andrada, Helena Ranaldi, Natallia Rodrigues, Gustavo Vaz, Nicolas Trevijano e Eduardo Chagas.
Nota: 6,5