O mundo virtual é aquele lugar onde a privacidade deixa de ser um direito e passa a ser um privilégio de cada um. Até que ponto vale a exposição da vida de uma pessoa em troca de popularidade e aceitação? Será que ter os segredos revelados e a verdade transparente seria a solução para o funcionamento da política, do ambiente e da humanidade? A ausência da privacidade se tornaria uma arma nas mãos erradas? Essas e mais questões são discutidas explicitamente em O Círculo (The Circle), adaptação cinematográfica da obra de Dave Eggers.
Dirigido por James Ponsoldt, a trama conta a história de Mae Holland (Emma Watson), uma jovem que leva uma vida simples no interior, não é satisfeita com o atual emprego e passa por problemas financeiros que a impede de ajudar na saúde do pai que sofre de Esclerose Múltipla. Com a indicação da amiga Annie (Karen Gillan), a vida de Mae muda radicalmente ao conseguir uma entrevista em O Círculo, uma das maiores empresas do mundo que comanda a base de informações na internet, permitindo que todos vejam e acompanhem as atividades diárias fora do mundo virtual. O Círculo é uma mistura do escritório do Facebook e Google, onde todos desejam trabalhar não só por ser extremamente renomado no mercado de trabalho mundial, mas também por oferecer uma estrutura de ponta, desde atividades e recreação 24 horas por dia até academia, cursos, dormitórios e lanchonetes totalmente abertos e de graça aos seus funcionários. Uma espécie ‘lar doce lar’ dentro do trabalho.
Ao ser aprovada na entrevista (aliás, é uma entrevista bem perspicaz e inteligente), Mae logo se encanta com a empresa em que tudo acontece. Quem não se encantaria? Mas, por ser pouco comunicativa, ela se vê assustada em meio a tanta tecnologia que expõe os minutos vividos de cada um ali dentro. Para que Mae tenha um crescimento progressivo e ganhe pontos com a empresa, ela precisa deixar a vergonha de lado e se entregar ao mundo virtual para ganhar popularidade com todos. À medida que ela é absorvida por esse mundo, o espectador nota uma mudança radical nas atitudes da personagem, ao ponto da garota até esquecer-se da vida pessoal com os amigos, especialmente com seu affair Mercer (Ellar Coltrane), com sua família e até do propósito de ajudar na saúde do pai, uma vez que ela até passa a ‘morar’ no trabalho.
Acredito que o grande objetivo do roteiro é mostrar explicitamente as consequências ao abrir mão da privacidade e transparecer os segredos em nome da popularidade ou de um bem maior. A cada passo que Mae dá para dentro desse mundo, o público nota o quão claustrofóbico pode ser milhões de pessoas observando cada passo que você dá, seja para dormir ou comer. Até para ir ao banheiro o tempo de privacidade é limitado, o que torna a situação ainda mais absurda e sufocante. As cenas interativas de mensagens, chats e vídeos pulando na tela (são cenas boas e bem feitas) faz o público se sentir exposto junto com a protagonista. Quanto mais Mae experimenta dessa sensação, maior é a sua lavagem cerebral. Aliás, quem a faz ir cada vez mais fundo é Eamon Bailey (Tom Hanks), o fundador da empresa que vê o potencial da garota explodir. Além de mudar da água para o vinho, repentinamente o espectador vê Mae em um cargo mais alto na empresa e, talvez, alguns irão estranhar isso, achando a história corriqueira demais. Afinal, como uma simples funcionária que trabalha na área de atendimento ganha tanto poder do dia para a noite a ponto de ter mais destaque que o próprio líder? Talvez esse seja um problema no roteiro de O Círculo.
Aliás, o que também pode incomodar é ver esse crescimento repentino de Mae sem uma explicação mais consistente, enquanto outros personagens como Eamon e Ty (John Boyega), que tinham tudo para brilhar, ficam apagados na trama. Aqui, Tom Hanks encarna um Steve Jobs no palco ao dar suas palestras motivacionais e apresentar os novos rumos da empresa para deixar a privacidade cada vez menor e os segredos ainda mais transparentes. Por um momento, achei que Eamon fosse ter algum tipo de reviravolta e até mostrar um lado mais sombrio no sentindo de revelar o que ele é capaz de fazer para obter poder total sobre a privacidade de todos. Infelizmente isso não acontece e ele fica apenas preso ao papel de representante da empresa, prestes a mostrar algo a mais, mas não mostra. Vou ser sincera: mesmo com um papel mediano, Tom Hanks executa bem e é difícil não gostar dele em cena.
Já John Boyega fica totalmente apagado na trama. O filme vende o seu personagem como um dos criadores de O Círculo e a pessoa que deseja lutar para mudar a empresa e mostrar ao mundo o quão tóxica ela pode ser. Porém, nada disso acontece. Suas cenas se resumem nele mexendo no celular, mostrando um lugar secreto para Mae e, por fim, ajudando a protagonista em um de seus planos. Simplesmente decepcionante.
Considerações finais
O plot twist da trama mostra as consequências mais perigosas de ter a vida totalmente exposta na internet. Mesmo com uma reviravolta interessante, o filme não entrega um desfecho surpreendente. Infelizmente, a cena final é um pouco frustrante, mas talvez o intuito seja mostrar que uma solução para essa história não é tão simples assim. Uma vez exposto na internet, seja lá o que ou quem for, ficará para sempre. E quem entra nesse mundo, como Mae entrou, dificilmente sairá ileso. O Círculo tem uma premissa interessante e até polêmica e acerta ao mergulhar público em um mundo sem privacidade. Porém, o roteiro peca ao não trazer explicações mais consistentes sobre a empresa e a protagonista, além de apagar os demais personagens que tinham muito potencial para mostrar e até fazer contrapontos dentro da trama.
Ficha Técnica
O Círculo
Direção: James Ponsoldt
Elenco: Emma Watson, Tom Hanks, John Boyega, Karen Gillan, Ellar Coltrane, Patton Oswalt, Glenne Headly, Bill Paxton, Ellen Wong, Mamoudou Athie, Nate Corddry e Elvy Yost.
Duração: 1h50min
Nota: 5,9