O Brutalista (The Brutalist) é um filmão. E não digo isso por conta da duração, que até assusta, mas o tempo não é sentido, e sim, pela construção arquitetônica de uma história impecável sobre passado, dores, recomeço, conflitos e impactos que marcam, cujo desfecho amarra todas as pontas levando a uma conclusão forte e sensível aos olhos do público. Não é um filme para se ver várias vezes – talvez, daqui alguns anos possa ser revisto – mas é para sentir, apreciar, absorver, refletir e digerir, à sua maneira, o que esta história passa. Vale a pena assistir e vou te dizer o porquê.
Com direção de Brady Corbet, O Brutalista se inicia em 1947, no pós-Segunda Guerra Mundial, e acompanha o arquiteto húngaro László Toth, que foge da Europa rumo aos Estados Unidos em busca de um recomeço. Enquanto ele consegue ir direto para a América, tal fuga o separa temporariamente de sua esposa, Erzébet, que fica refugiada com sua sobrinha Zsófia até conseguir se reencontrar com o marido.
Enquanto isso, László tenta dar os primeiros passos com a ajuda do primo Attila (Alessandro Nivola), casado com Audrey (Emma Laird), que lhe oferece um teto e a oportunidade para trabalhar em sua loja de móveis. Infelizmente, as circunstâncias nada amigáveis fazem László ser expulso pelo primo, o colocando em uma situação de pobreza, cujo trabalho esforçado é sua única opção momentânea.
Porém, os serviços prestados por László para reformar um grande escritório e biblioteca da mansão Lee Van Buren – presente surpresa dado pelo filho Harry – chamam a atenção do patriarca e milionário Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), mesmo não tendo gostado nenhum pouco da surpresa inicialmente.

Encantado com o talento de László, Harrison o convida para ir à sua mansão e se enturmar com grandes figuras. Mas, mais do que isso, o ricaço faz uma proposta irrecusável ao arquiteto: projetar um grande monumento modernista, uma espécie de igreja que fará parte de uma cidade construída pela família Lee Van Buren.
Com a proposta aceita, László começa a dar passos importantes, desde uma vida financeira melhor, um trabalho árduo que irá alavancar sua carreira, até a chance de trazer esposa e sobrinha para perto de si.
Mas é na chegada de Erzsébet nos EUA e o auge da construção de tal monumento, que as discrepâncias, os conflitos e as reviravoltas acontecem, além dos próprios problemas internos de László que eclodem, trazendo consequências inimagináveis.
Assim como a construção em ampla escala deste grande monumento, O Brutalista entrega uma narrativa em que o espectador acompanha pedaço por pedaço da formação de sua estrutura, seja nos diálogos, nas ações e reações dos personagens, as intenções de cada um, as vulnerabilidades e determinações, além de cenas contemplativas a se observar.

Ao todo, são 3h36 minutos de duração, um tempo que poderia ser mais enxuto, uma vez que o filme opta ao entregar cenas contemplativas para o público observar e sentir. No entanto, apesar da duração assustar, é tal contemplação que faz o espectador imergir na história ao ponto de não sentir o tempo passar. Outro fator que ajuda muito são os 15 minutos de intervalo inseridos pelo diretor ao final da primeira parte do filme (após 1h40min). Tal tática é de grande ajuda e isso facilita na apreciação do filme, além de afastar o público de um possível cansaço mental.
A história é minuciosa, usando a primeira parte do filme para apresentar os personagens e ambientações, estabelecer conexões e inserir conflitos iniciais que colocará o protagonista exatamente aonde precisa estar. As imagens, obviamente, desenham as informações que serão importantes a frente.
Mas são as palavras, de suma essência, que explicam as intenções, os pensamentos e julgamentos de cada um, a forma como se enxergam e enxergam o outro, revivendo um passado sofrido, que jamais deverá ser esquecido; se entregando a vulnerabilidades que camuflam as dores; e expondo um lado que jamais deveria existir, muito menos ganhar conhecimento.
László é húngaro, um arquiteto renomado e de sucesso em seu país, com um currículo invejável com obras estonteantes que embelezam seu país na qual pode dizer que fez parte. Mas a Segunda Guerra Mundial apagou quem László era, recuperando sua identidade pouco a pouco ao chegar nos EUA, em meio a dificuldades e julgamentos.

Há uma briga entre Laszló e o primo Attila que, claramente, boa parte da culpa é da esposa Audrey, que julga o protagonista friamente, com acusações apoiadas pelo marido injustamente.
A relação de László e Harrison soa estranha e duvidosa, uma mistura de confiança e desprezo, uma vez que Harrison dá o poder para László realizar a maior arquitetura já feita, mas sempre puxando o tapete para lembrar o protagonista de onde veio e qual altura do pedestal ele pertence.
Já László sabe da sua importância e o que o seu talento é capaz de fazer, o que o faz bater de frente inúmeras vezes quando tentam interferir no seu trabalho. Existe uma intenção muito forte por parte dele e é no final que o público descobre.
Mesmo com a mudança geográfica, O Brutalista faz questão de trazer o passado de László, e tanto o filme quanto o seu protagonista estão cientes desta decisão com a intenção de fazer o público e os demais personagens tomarem conhecimento para nunca esquecer.

O ator Adrien Brody está impecável no protagonismo de O Brutalista. Ele injeta em suas expressões e conflitos internos os sofrimentos que passou na época da guerra e como tais dores o faz ir atrás deste recomeço nada fácil. O personagem externaliza tal padecimento seja pelo vício que tem ou pela determinação em realizar a construção do monumento, mesmo que isso custe sua sanidade ao lidar com ricaços que levam a arquitetura como uma brincadeira de LEGO.
A atuação de Brody está real, crua, brutal e sensível. Sua indicação ao Oscar na categoria de melhor ator é mais do que merecida e justificável, com possibilidade de ganhar.
Mas é a segunda parte de O Brutalista que se encarrega de trazer as reviravoltas do filme, rumo a uma conclusão arquitetônica da história. É somente nesta parte que a atriz Felicity Jones dá as caras na tela no papel de Erzsébet, esposa de László, que chega aos EUA em uma cadeira de rodas, com a ajuda da sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy).
Erzsébet foi sucumbida por uma forte osteoporose devido à fome que passou na época da guerra, causando intensas dores nas pernas ao ponto de não andar. Tal reencontro, deixa László feliz, mas incapaz de ajudar a esposa em tal situação.

Mesmo debilitada, a personagem demonstra destreza, sensibilidade, audácia, força e ousadia, tanto nas palavras quanto nas atitudes, especialmente no final. Felicity Jones também está excelente no papel ao entregar uma mulher sofrida e disposta a dar a volta por cima, recuperar sua família e reconstruir a vida sem abaixar a cabeça.
Mesmo László ciente com quem está lidando, é Erzsébet quem coloca a coragem a frente para dizer o que realmente pensa sobre a família Lee Van Buren e a construção na qual o marido se dedica dia e noite. E sim, o espectador vai concordar com ela inúmeras vezes, assim como vai entender quando László vai embora e retorna para finalizar este projeto.
Uma curiosidade é que O Brutalista usa da inteligência artificial para corrigir a pronúncia dos diálogos húngaro entre Adrien Brody e Felicity Jones. Talvez, tal artifício tenha reduzido a porcentagem de chances do filme no Oscar, mas não drasticamente. E sinceramente, ao assistir, você nem nota que esta técnica foi utilizada. Se não tivessem falado, talvez ninguém desconfiaria.
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Enquanto a história é construída junto com tal monumento (e sim, ela acaba quando a obra acaba), O Brutalista entrega cenas contemplativas ao estilo pintura a ser observada e apreciada em um museu. Tal momento é de imersão, enquanto as informações são absorvidas.

E quando as reviravoltas acontecem, em específico uma que ocorre na Itália, O Brutalista finalmente mostra o que vem sendo costurado até então. O passado de László é redesenhado através das relações com os demais personagens, seja pelo relacionamento quente e frio entre ele e Harrison; o desprezo que Harry (Joe Alwyn) tem pelo protagonista, até como se comporta diante de Zsófia, que já havia percebido e demonstrado em suas pequenas ações; até mesmo a relação com Attila já havia engatilhado o que estaria por vir.
As consequências mexem com László, que vê novamente sua vida mudar e a esposa também sofrer dos efeitos colaterais, culminando em um final inicialmente cru e intenso, com um desfecho emocionante e revelador, que faz a ficha do espectador cair quando, finalmente, se depara com a verdadeira intenção de László em nunca ter desistido de construir o monumento.
Final explicado (contêm spoilers)

Uma das vulnerabilidades de László é o vício a drogas (talvez consequência guerra?) que, infelizmente, o coloca em duas situações, sendo uma delas incapaz de se defender.
Ao viajar à Itália para fazer compras para a construção do monumento, László é estuprado por Harrison em um beco de rua, após sair de uma festa completamente bêbado e vulnerável. E sim, ele lembra o que aconteceu e isso o marca profundamente, fazendo sua postura mudar diante da esposa e da família, mas não ao ponto de largar o trabalho.
Em uma noite, ao ver sua mulher gritar de dor, o desespero fala mais alto e László injeta drogas em Erzébet, que sofre uma overdose, mas não morre.
Anteriormente ao fatídico acontecimento, o protagonista revelara à esposa o que havia acontecido na Itália, o que faz Erzsébet ir até a mansão Lee Van Buren e confrontar o patriarca sobre o abuso que cometeu com László na frente de todos.
A cena é tensa e intensa, pois o filho Harry é agressivo com a personagem, arrastando-a no chão, ciente de que ela não consegue andar direito, mesmo tendo uma melhora. Mas a cena é interessante, pois após o ocorrido, Harry vai atrás do pai para questionar sobre tal acusação, dando a entender de que o filho já sabia que Harrison poderia fazer algo assim, pois, talvez, tenha feito no passado em algum momento. Será? É apenas uma conclusão minha.
Mas Harrison foge e desaparece aos olhos de todos, dando a entender que o personagem comete suicídio.

O Brutalista se encerra nos anos 1980, em uma grande homenagem ao arquiteto László Toth que, agora, se encontra debilitado devido à idade. Erzsébet já falecera e, assim, durante o evento, a sobrinha Zsófia fala sobre o monumento finalmente concluído e os perigos da época em volta desta construção. Mas é o discurso de László que deixa o espectador de queixo caído.
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O protagonista revela que o monumento foi construído com o intuito de lembrar a prisão que László foi mantido durante a guerra. Por dentro, a única visão que ele tinha, era a luz solar no formato de uma cruz, exatamente como ele arquitetou para o monumento. A intenção era construir esta obra arquitetônica a fim de fazer todos nunca esquecerem o que ele e os demais inocentes sofreram durante a guerra. Um passado que jamais será apagado.
É compreensível que toda vez, quando a construção sofria interferências externas, László ficara revoltado, pois era como se alguém tentasse mudar a sua vida, apagar e remodelar algo que ele viveu, desmontando a sua verdade.
Considerações finais
Mesmo não necessitando de mais de três horas de duração, mas completamente assistível, O Brutalista é um filme contemplativo cuja estrutura narrativa constrói, pouco a pouco, um passado a ser lembrado e redesenhado, dores, recomeço, conflitos, vulnerabilidades e reviravoltas que levam o protagonista a finalizar a sua maior obra: a história de sua vida.
O Brutalista é um filmaço que deve ser assistido pelo menos uma vez. Merece as indicações ao Oscar, e arrisco a dizer que deve levar na categoria de Melhor Filme.
Ficha Técnica
O Brutalista
Direção: Brady Corbet
Elenco: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Alessandro Nivola, Stacy Martin, Emma Laird, Isaach De Bankolé, Ariane Labed, Michael Epp, Peter Polycarpou e Zephan Hanson Amissah.
Duração: 3h34min
Nota: 4,0/5,0