Um dos filmes mais aguardados nesta futura temporada de premiações está em cartaz nos cinemas. O Agente Secreto é uma caixinha de surpresa: nem a sinopse, nem o trailer ou as imagens te contam sobre o que esperar. E depois de assistir, o espectador se surpreende ao ver algo que, talvez, nem havia passado pela sua cabeça.
Pelo menos é esta sensação que tive depois de assistir a nova produção de Kleber Mendonça Filho. Mesmo sem saber o que esperar, o filme, de fato, é bom sim, mas não acho que tenha o mesmo peso emocional como Ainda Estou Aqui teve para o público. É possível compreender o que o diretor transcreve na tela, no entanto, algumas decisões de narrativa poderiam tornar a trama um pouco mais atraente e impactante, ao público, seja especializado ou leigo.
Com direção e roteiro de Kleber Mendonça Filho, O Agente Secreto se passa em 1977, época da ditadura militar no Brasil. A trama acompanha Marcelo, um especialista em tecnologia, que volta para Recife para se esconder do seu passado, mas ele percebe que a cidade está longe de ser o refúgio pacífico que tanto procura.
Agora vou transcrever a verdadeira premissa. Marcelo está na faixa dos 40 anos, é viúvo e tem um filho, que fica sob os cuidados dos avós maternos. Ele é professor da área de ciências e tecnologia e foi promovido a chefe do departamento da universidade.
Claro que o espectador vai ter que assistir para descobrir o que acontece, mas a verdade é que Marcelo volta para Recife para se esconder daqueles que o perseguem, após divergências com um ricaço que tinha como objetivo financiar projetos da universidade.
A partir daqui, acompanhamos Marcelo em sua jornada como “refugiado” em Recife, que abre portas para conhecermos outros personagens e suas condições similares e até bem inferiores ao de Marcelo.

O Agente Secreto pode ser visto como uma grande crônica cinematográfica, em que Kleber Mendonça Filho usa o cotidiano para analisar aspectos da sociedade dentro de um contexto histórico do Brasil. Neste caso, o recorte histórico é a ditadura militar, em que o filme não utiliza a palavra em si no roteiro, mas desenha esta época nas ações, nos objetos apontados em cena, no background dos personagens, na imprensa e polícia. De exemplo, o diretor faz questão de enquadrar a câmera no retrato de Ernesto Geisel, presidente do Brasil de 1974-1979, a fim sempre lembrar ao espectador sobre a sociedade contextualizada nessa época.
Junto a isso, o diretor também coloca Recife como personagem principal, e não apenas uma mera ambientação. Neste cotidiano recifense, o espectador vê a história ser emoldurada pelo sotaque, o clima, os trejeitos dos personagens, a rotina, também destacando as problemáticas como a ausência da educação escolar, carência na área da saúde, preconceito, racismo, entre outros, especialmente com os personagens ‘refugiados’.
O maior palco que abraça essa história é o Edifício Ofir, que acolhe estes personagens, incluindo o protagonista. Dona Sebastiana (Tânia Maria) é a responsável por comandar o local, ciente de quem entra e sai, correspondências que chegam, quem faz as entregas no prédio, além do fato dela saber sobre cada um que mora ali. E afirmo de olhos fechados que esta é uma das melhores personagens do filme, que vai arrancar boas risadas.
É no Edifício Ofir que escutamos “por cima” a razão para cada um estar ali, seja porque alguém foi jurado de morte; seja para sair do país e viver uma vida de paz; a família que não aceita a orientação sexual do filho; a jovem cuja vida fora interrompida por ter um objetivo maior profissionalmente. No entanto, o púbico não conhece a fundo cada um, apenas é comentado sobre eles estarem se escondendo. Talvez isso incomode alguns.

Em meio ao contexto da ditadura militar, O Agente Secreto também coloca em pauta o luto interrompido, pessoas que não puderam se despedir daqueles que “desapareceram” nessa época; pessoas que tiveram a vida cessada por divergências de opiniões dentro do quadro político, o mais forte dentro da história.
Claro que o filme traz para o espectador assistir e discutir sobre o funcionamento da imprensa e polícia, seja para ocultar provas e encobrir assassinatos; o acobertamento de processos e acusações por diferenças de classes sociais – como vemos na subtrama da patroa acusada de negligência pela morte da filha da empregada; e contratações clandestinas de matadores para executar os alvos da vez.
Na imprensa, vemos como as notícias podiam ser distorcidas facilmente para o povo, criando um mistério sem uma resposta ou resolução. O diretor coloca no meio do filme o mistério da perna cabeluda encontrada dentro da barriga de um tubarão. O diretor usou a recorrência e normalidade de encontrar tubarões nas praias de Recife, junto ao mistério de uma pessoa executada, cujo corpo fora descartado na água.
Com isso, nasce o mistério da perna cabeluda, que vira manchete nos jornais, tornando-se até uma história de terror. Por mais que seja engraçada e interessante de acompanhar, talvez isso desvie a atenção do espectador da história principal, além do fato de que este mistério não tem resposta. Afinal, de quem é perna cabeluda? Qual a razão para querer ocultar tal prova encontrada?

À medida que se acompanha O Agente Secreto, vemos que o filme é dividido em três partes, que vai e volta no tempo, sem pontuar isso na tela o tempo todo, e sim por flashbacks, figurinos, cabelo, diálogos e quem participa da cena.
Wagner Moura está muito bem no papel, de um professor jurado de morte por querer lutar pelo que acredita, ao bater de frente com pessoas com status superior e uma ideia política conservadora. Por conta disso, ele vira alvo da dupla de matadores Bobbi (Gabriel Leone) e Augusto (Roney Villela), cuja parceria é pra lá de bizarra.
Marcelo é um pai ausente (não por escolha), uma vez que a fuga é a melhor solução para sobreviver. Ele usa das armas que pode para se libertar, seja com a ajuda de Elsa (Maria Fernanda Cândido) que articula as fugas e coleta informações sobre as histórias desses refugiados; seja contatos que lhe garante um emprego em uma repartição onde ele possa encontrar informações sobre sua mãe; o próprio Edifício Ofir e o apoio do sogro Seu Alexandre (Carlos Francisco), que comanda o famoso cinema da cidade.
A relação dele com o filho Fernando aparenta ser boa no pouco tempo que passam juntos, seja pela lembrança que Marcelo quer que o filho tenha da mãe Fátima (Alice Carvalho); o impasse em deixar o filho ver ou não ao filme Tubarão (1975), um clássico de Steven Spielberg na qual o diretor faz questão de referenciar à época e o local que a história se passa. O filme dá a entender que pai e filho até tem uma relação estável, mas a verdade é que a presença de Marcelo ao garoto vai se apagando por conta do momento que o pai se encontra.

O Agente Secreto desenha tudo isso que comentei, mas ainda assim, carece de uma emoção maior que saiba tocar com um pouco mais de força no peito do espectador, como Ainda Estou Aqui fez. O filme carece de ímpeto em momentos que poderiam ter, afinal, o protagonista está jurado de morte e é perseguido, no entanto, o filme desenvolve isso em um tom cotidiano até demais que faz perder um pouco a graça.
E essa atmosfera cotidiana também é vista nos dias atuais, com duas jornalistas que escutam gravações antigas e conhecem a história de Marcelo, em que uma delas se dispõe a descobrir mais sobre o protagonista. No entanto, achei as personagens sem energia, meio “pressão baixa”, que não mostram uma veia jornalística mais forte na tela.
Outro ponto que a atmosfera cotidiana afeta no filme são os diálogos que, algumas vezes, o espectador não entende o que está sendo falando (isso não ocorre o tempo todo, tá?). O problema não está no sotaque e nem no vocabulário (que reforça a problemática sobre a educação) e, sim, no trabalho de som e nas atuações para tornar a dicção das falas mais nítida. Algumas vezes, me peguei desejando que o filme tivesse legenda em português para entender direito o que determinado personagem falou.
A reta final de O Agente Secreto toma decisões que, talvez, divida opiniões. O destino de Marcelo é descoberto pelo jornal, vista por uma das jornalistas. Apesar da ideia ser boa, o filme decide não destrinchar tal momento na tela, perdendo a chance de entregar uma cena impactante do protagonista. A ação mesmo fica por conta da sequência do plano dos matadores de encontrar o protagonista.
Considerações finais

O Agente Secreto é uma crônica do cotidiano recifense cru na ditadura militar, de uma sociedade marcada por uma política agressiva, uma violência tanto explícita quanto velada, carência de condições melhores de vida, preconceito, diluição de famílias afetadas pelas problemáticas que esta época histórica trincou o país.
Crítica: Corra Que a Polícia Vem Aí
Em uma análise mais crítica, O Agente Secreto é bom, mas algumas decisões diminuem o peso maior que este filme poderia ter, podendo causar um impacto positivo maior no espectador. Fica o questionamento se as pessoas, de fato, vão mesmo entender as entrelinhas do que é contado. Torço para que sim.
Ficha Técnica
O Agente Secreto
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Alice Carvalho, Tânia Maria, Carlos Francisco, Hermila Guedes, Roney Villela, Thomás Aquino, Isabél Zuaa, João Vitor Silva, Rubens Santos, Luciano Chirolli, Igor de Araújo, Udo Kier, Ítalo Martins, Kaiony Venâncio e Robson Andrade.
Duração: 2h38min
Nota: 3,9/5,0


















