As obras escritas por Stephen King são umas das mais difíceis de adaptar no mundo cinematográfico, na minha opinião, seja pela rico e complexo detalhamento da história e seus respectivos personagens ou, pela aceitação do público que avalia o grau de fidelidade do filme com a obra original. Até agora, poucas adaptações agradaram a gregos e troianos, como é o caso de O Iluminado (1980) (até esse foi desaprovado por King na época do lançamento), À Espera de um Milagre (2000) e Um Sonho de Liberdade (1995), enquanto outras como A Torre Negra, além das séries O Nevoeiro (The Mist) e Sob a Redoma (Under the Dome) ficaram a desejar até mesmo para aqueles que não acompanham os livros, mas sabem apreciar uma boa história e produção.
Em 2017, o cinema bate o martelo novamente e adapta um dos livros mais famosos de King: It – A Coisa. Com a produção da Warner Bros Pictures, o primeiro filme retrata a primeira parte do livro, sendo que a continuação ganhará as telonas em breve. Com 2 horas e 15 minutos de duração, a nova adaptação dirigida por Andrés Muschietti vai SIM agradar a todos, assim como agradou até o próprio autor.
A trama começa em 1988 no cenário de Derry, uma cidade do Maine, onde vamos acompanhar a história de sete crianças: Bill (Jaeden Lieberher), Ritchie (Finn Wolfhard), Beverly (Sophia Lillis), Ben (Jeremy Ray Taylor), Mike (Chosen Jacobs), Stanley (Wyatt Oleff) e Eddie (Jack Dylan Grazer). Eles se auto intitulam como o Clube dos Perdedores, justamente por todos sofrerem bullying dos garotos mais velhos, com destaque para Henry Bowers (Nicholas Hamilton), a pior pessoa deste filme. É pela perspectiva dessas crianças que o público acompanha os desaparecimentos, um assunto que tem abalado a cidade por muito tempo. Após o sumiço de Georgie (Jackson Robert Scott), Bill dá início a uma investigação que conecta o desaparecimento do irmão e das demais crianças até a vasta rede de esgoto da cidade. A partir daí, ele e seus amigos descobrem que por trás dessa série de crimes está Pennywise (Bill Skarsgard), uma figura medonha que ganha a forma de um palhaço para atrair a sua próxima vítima. Com a informação nas mãos, o Clube dos Perdedores embarca em uma jornada assustadora para derrotar A Coisa, mas para vencê-lo, cada um precisa enfrentar os seus próprios medos.
Mesmo quem não leu a obra original, entenderá com clareza a primeira parte dessa trama, pois o roteiro se preocupa em deixar claro cada situação, começando pelo desaparecimento de Georgie, quem é quem no clube dos perdedores, como eles se conhecem, quais são os medos de cada um, quem é o palhaço Pennywise e o que ele faz, a conexão do monstro com os crimes e o desfecho dessa primeira parte. Por se tratar de uma obra de King, é claro que o livro trará mais detalhes, mas o filme não fica a desejar nesse quesito, pois mesmo deixando alguma coisa ou outra apenas de relance, o roteiro constrói uma ótima ambientação e um contexto claro e eficiente para a trama aterrorizante, em que os personagens principais são as crianças que vão te conquistar no primeiro minuto de cena, deixando de lado os adultos ou qualquer outra coisa que possa interferir ou desfocar a história do grupo e o vilão.
O primeiro ato é mais introdutório, pois apresenta cada criança, o vilão e o crime que dá início à investigação e o seu desenrolar. O segundo e terceiro atos já avançam para os diversos encontros dos personagens com a figura demoníaca e o desfecho desta primeira parte da trama.
Enquanto seguimos uma boa história sendo contada na tela do cinema, o público acompanha um cenário meio rústico, assustador e até nojento, como as cenas que se passam no esgoto; um figurino simples que ganha cores na pele do vilão: Pennywise ganha uma vestimenta medonha de palhaço e uma excelente maquiagem, que dá o tom certo de terror e contribui para que o vilão expresse as suas melhores/piores expressões, principalmente nos momentos de ataque. Pennywise é uma figura que vai dar medo do começo ao fim.
A edição de som contribui muito no filme, principalmente nas várias cenas de tensão, fazendo o público entrar em um clima de agonia constante e temer pela próxima ação, seja das crianças ou da Coisa.
It – A Coisa não perde tempo em apresentar o vilão, muito menos deixa para o final o grande confronto entre as crianças e a entidade do mal. Andrés Muschietti introduz rapidamente o palhaço Pennywise cometendo o primeiro crime da trama que, para mim, é a mais triste e chocante de todas. Todas as cenas do antagonista são ótimas, porque assustam muito, mas há duas cenas que farão alguns se encolherem na cadeira: a primeira se passa na biblioteca; a segunda se passa na garagem onde as crianças analisam imagens antigas da cidade em slides. Se você não se assustar com essas cenas (até mesmo as demais), ou você é muito forte ou desprovido de medo.
Muito além de um simples palhaço assassino
It – A Coisa não é apenas uma história sobre um grupo de crianças que investigam e perseguem um palhaço assassino. O filme vai mais além e mostra os medos que atormentam cada personagem. Bill teme e não aceita o desaparecimento do irmão; Ritchie tem medo de palhaços; Stanley se sente incomodado com um quadro que se encontra no escritório de seu pai; Eddie é hipocondríaco; Mike receia pelas suas escolhas, além de não ser aceito pelos outros; Ben é inteligente e não tem amigos; e Beverly tem uma relação muito estranha com o seu pai. É a partir dessas características que a narrativa dá espaço para os momentos assustadores que chegam a ser absurdos, mas a verdade é que tal atmosfera é uma mistura de medo e suspense psicológico, ou seja, a ideia é usar a imaginação e o temor da pessoa contra ela mesma. Se você mantiver essa visão, você vai aceitar com mais facilidade os acontecimentos na trama, que são muito bem executados.
Por falar em personagens, posso dizer que todos eles são a melhor coisa que o filme tem. Os quatro amigos são apresentados com enorme afinidade e a facilidade com que eles têm em fazer amizade com Mike e Beverly é muito natural. O espectador se encanta e torce por todos eles, devido à personalidade única de cada um. Bill pode ser considerado o líder do grupo, aquele que mantém todos unidos e os guia com suas ideias e planos; Ritchie, sem dúvida, é o melhor personagem do filme, pois ele é desbocado e descolado, mesmo com sua aparência de nerd que diz totalmente o contrário. Mais do que isso, Ritchie é aquele amigo que você pode contar de verdade tamanha a sua lealdade e a forma como ele enxerga o significado de amizade. Ele me conquistou na primeira frase que saiu da sua boca; Eddie vai fazer o público rir com suas paranoias sobre doenças e higiene; Além de ser o mais fofo de todos, Ben chama atenção por sua inteligência, curiosidade em ir atrás dos fatos, coragem para enfrentar e fugir dos inimigos na hora certa, além do seu lado romântico; Assim como Ben, Mike também tem força e vê-lo em conflito com suas escolhas é interessante, principalmente quando ele passa a tomar atitudes, o que faz aumentar a torcida a favor dele; Beverly aparenta fragilidade, mas não se deixe levar por isso, pois o que não falta nessa garota é força! Ela irá surpreender quando você menos esperar; Stanley é legal, mas achei ele o mais apagado do grupo. Talvez isso aconteça porque o medo toma conta do personagem, o que o impede de agir em alguns momentos. Mas é totalmente compreensível a forma como Stanley age, afinal, você também morreria de medo se ficasse frente a frente com o mal.
Um palhaço de múltiplas formas
Pode se dizer que o figurino, a maquiagem e os efeitos trazem uma alta porcentagem de contribuição, mas show de horror em si fica por conta da brilhante interpretação de Bill Skarsgard. O ator encarna um Pennywise medonho, horripilante, um palhaço que muitos jamais passariam por perto. Eu não sei se o livro explica, mas o filme não revela a verdadeira forma do monstro (se é que existe mesmo), uma vez que ele se transforma naquilo que a vítima mais teme. Seu formato tradicional é o de palhaço, uma figura que facilita a aproximação das crianças, o seu prato principal. Pra falar a verdade, eu prefiro que a trama não revele a verdadeira forma do mal e deixe para que cada um imagine o que pode estar por debaixo daquelas roupas coloridas.
Considerações finais
Quando você acha que o final está para chegar, novas reviravoltas acontecem, o que estendem um pouco filme, mas isso não torna a história cansativa e nem a prejudica, no entanto, a agonia dos espectadores aumenta ainda mais, justamente para saber quem vai vencer essa batalha. It – A Coisa é uma ótima adaptação que vai deixar todos (fãs ou não de Stephen King) orgulhosos. O elenco é maravilhoso e os personagens arrasam. O roteiro é bem estruturado e apresenta uma narrativa gradativa e de excelência. O vilão é medonho e a melhor coisa do filme. E, é claro, o desfecho é ótimo, deixando uma leve abertura para a segunda parte do filme. Mantendo o mesmo nível de excelência da obra original, It – A Coisa é uma bela obra-prima do horror que vai agradar e superar as expectativas do público.
Ficha Técnica
It – A Coisa
Direção: Andrés Muschietti
Elenco: Bill Skarsgard, Jaeden Lieberher, Finn Wolfhard, Jack Dylan Grazer, Sophia Lillis, Jeremy Ray Taylor, Wyatt Oleff, Chosen Jacobs, Nicholas Hamilton, Jackson Robert Scott, Owen Teague, Stephen Bogaert, Steven Williams, Ari Cohen, Megan Charpentier e Javier Botet.
Duração: 2h15min
Nota: 10