A dupla de filmes A Menina Que Matou Os Pais e O Menino Que Matou Meus Pais retratam a mesma história em duas versões sobre um dos crimes reais que chocou o Brasil no início da década de 2000, a história da família Von Richthofen, em que a filha Suzane Von Richthofen arquitetou o assassinato dos pais Manfred e Marísia von Richthofen junto com o namorado Daniel e o irmão Christian Cravinhos.
Caso seja um grande fã de séries e filmes true crime, estes filmes irão saltar aos olhos imediatamente. Mas não espere um retrato fidedigno da história real, pois a frustração pode ser grande. A trama traz apenas um recorte específico deste crime baseado nos depoimentos questionáveis dos condenados que, por sinal, foram descartados pela Lei na época do julgamento, após suas versões serem desconstruídas.
Os filmes são interessantes? Sim! As atuações ficam a desejar? Não! Houve uma ousadia em trazer longas semelhantes, aterrados a mesma trama apenas para apresentar visões diferentes da mesma situação. Mas também, era possível construir um único filme com as duas visões contrapostas para criar um conflito maior na trama, o que tornaria interessante e curioso. Quem não conhece os detalhes sobre o caso ou tenha certa preguiça de pesquisar, talvez estes dois filmes sejam um desserviço em que as pessoas podem comprar essas versões ou uma das como verdade absoluta. Por isso, sugiro que vocês assistam aos longas, mas não comprem essas versões e pesquisem sobre o caso real.
Narrativa
A Menina Que Matou Os Pais e O Menino Que Matou Meus Pais tem como fonte de informação e inspiração os autos do processo do caso, em especial as versões constantes nos depoimentos dos próprios condenados pelos crimes de homicídio, no caso, a Suzane e o Daniel.
Os dois filmes apresentam a mesma estrutura narrativa em que ambos iniciam com a mesma sequência (da polícia chegando ao local do crime) e cenas semelhantes em que os detalhes se modificam de acordo com o ponto de vista do personagem que comanda a narrativa do filme.
Assistindo aos dois longas, é possível enxergar que as histórias se complementam, ou seja, uma trama preenche a lacuna da outra trama, como o formato do jogo Tetris, o que é um ponto interessante, na minha opinião.
Além disso, os filmes trazem um recorte limitado do crime real, ambientado de 1999 a 2002, em que a narração é realizada em 2006, ano do julgamento, ou seja, as tramas são desenvolvidas desde o primeiro dia que a Suzane e o Daniel se conhecem, transitando por toda construção do relacionamento dos dois, até o fatídico dia do assassinato do casal von Richthofen, ganhando um corte brusco no final em que os filmes não relatam nada à respeito do pós-assassinato e a investigação até chegar nos verdadeiros culpados.
A frustração pode começar neste ponto, uma vez que as tramas não abrangem o crime real, trazendo um recorte pequeno em dois filmes sendo que ambas perspectivas poderiam ter sido exploradas em um único filme, abordando conflitos interessantes da história e despertando mais o interesse e a indagação do espectador.
Ainda assim, os filmes chamam a atenção em como a mesma história ganha moldes diferentes e cínicos pelas perspectivas dos protagonistas, que entregam atuações boas em que as nuances dos personagens mudam drasticamente e de forma positiva.
Primeira versão
A Menina Que Matou Os Pais é narrada por Daniel que, obviamente se coloca na posição de inocente, pintando a sua figura como a de um garoto apaixonado e manipulado pela namorada rica, com traumas e intenções sombrias que crescem no decorrer da história. Pelo ponto de vista do personagem, temos a perspectiva de um rapaz bom e de boa família, dedicado à profissão do aeromodelismo em que esforça diariamente para juntar dinheiro para sua independência. Por sua visão, o público entende que desde o início do relacionamento, Daniel sempre fora criticado pelos pais de Suzane, que não aceitavam o namoro por conta das diferentes classes sociais e os objetivos de vida, colocando os pais nos papéis de vilões.
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Os traumas, relatos e o humor oscilante de Suzane e a forma como lida com o autoritarismo dos pais alimentam o lado sombrio de Daniel, que retrata tais circunstâncias como manipulação que mexeram com sua mente, encaminhando-o para o plano maquiavélico da namorada.
Segunda versão
O Menino Que Matou Meus Pais ganha a narração de Suzane que também cria sua própria versão em que se coloca como a jovem doce e inocente cujo relacionamento abusivo e manipulador a corrompe aos poucos e em pequenos detalhes, como fumar maconha, beber, faltar nas aulas de caratê e na faculdade, além do sufoco crescente de um relacionamento em que Daniel sempre a coloca como culpada quando não podem ficar juntos, alimentando a ideia de que o autoritarismo dos pais atrapalha a vida do casal constantemente. A visão de Suzane apresenta a figura de pais rígidos, mas amorosos, em que a conexão de mãe e filha é mais desenvolvida neste filme.
Personagens
Mesmo apresentando a mesma estrutura narrativa da mesma história, o ponto alto dos dois filmes são as atuações desenhadas em cada versão que, na minha opinião, apesar de uma ressalva ou outra, não ficam a desejar.
A atriz Carla Diaz é a cereja do bolo nos dois filmes em que traz uma performance oscilante e dúbia da personagem. Em A Menina Que Matou Os Pais, vemos uma atuação que traz uma Suzane intensa, densa e sombria, cujo humor ganha nuances drásticas tanto nas cenas mais sexy quanto nas cenas mais maquiavélicas em que ela expõe a impaciência, raiva e seus desejos obscuros, especialmente quando se trata dos pais.
Já em O Menino Que Matou Meus Pais, a atriz esbanja cinismo e hipocrisia nas cenas do julgamento em que entrega uma versão sua mais doce e inocente que se desestrutura aos poucos, desmanchando-se até o ápice da submissão e manipulação na relação, lhe anestesiando diante do crime antes e depois de acontecer.
O ator Leonardo Bittencourt está bem nos dois filmes e é possível notar o esforço em sua atuação nos dois filmes, mesmo que em algumas cenas a sua performance seja um pouco robótica em certos diálogos e expressões. Seu destaque fica por conta da atuação em O Menino Que Matou Meus Pais, em que vemos um Daniel manipulador e agressivo em uma atmosfera sufocante crescente que ele mesmo cria dentro do relacionamento.
No geral, o elenco está bem e ajuda a complementar satisfatoriamente a história, com destaque para os pais de Suzane, Manfred (Leonardo Medeiros) e Marísia (Vera Zimmerman), que entregam boas nuances nas duas versões, enquanto que os pais de Daniel, Nadia (Debora Duboc) e Astrogildo (Augusto Madeira) entregam performances semelhantes nos dois filmes, assim como Andreas (Kauan Ceglio) irmão de Suzane que, por sinal, poderia ter sido desfrutado nas cenas de julgamento em que sua testemunha entraria em conflito com os demais depoimentos.
Já o personagem Christian Cravinhos (Allan Souza Lima), sofre uma pequena mudança no final de cada filme, na forma em como age e reage ao ser convidado a participar do assassinato.
Considerações finais
A Menina Que Matou Os Pais e O Menino Que Matou Meus Pais apresenta a mesma história com a mesma estrutura narrativa em que as cenas ganham detalhes modificados a partir do ponto de vista narrado em suas versões. A trama ganha um recorte limitado do crime real, baseado em depoimentos já desconstruídos, mas com o propósito de focar no desenvolvimento do relacionamento de Suzane e Daniel, em que as atuações são o ponto alto dos filmes, trazendo nuances instigantes de cada personagem, entre uma ressalva e outra.
Os dois filmes sobre o caso von Richthofen são interessantes, mas não devem ser considerados como verdade absoluta em momento algum, uma vez que a história real está aí para mostrar as verdadeiras facetas maquiavélicas de Suzane e os irmãos Cravinhos.
Os filmes são legais, mas cai no conto quem quer.
Ficha Técnica
A Menina Que Matou Os Pais/O Menino Que Matou Meus Pais
Direção: Mauricio Eça
Roteiro: Raphael Montes e Illana Casoy
Elenco: Carla Diaz, Leonardo Bittencourt, Vera Zimmerman, Leonardo Medeiros, Debora Duboc, Augusto Madeira, Allan Souza Lima e Kauan Ceglio.
Duração: 1h20 cada filme
Nota: 7,0