Depois da Caçada (After the Hunt) é um filme que desperta o interesse não só pela premissa instigante, como também pelo elenco de peso e o nome por trás da direção, especialmente para quem já conhece suas outras obras. No entanto, a surpresa fica por conta da promessa que a produção cumpre: deixar o seu público desconfortável com uma trama dúbia e interpretativa, que o leva a refletir, questionar, talvez escolher e, ainda assim, continuar duvidando diante de poucas respostas.
Talvez não seja um filme para amar ou odiar, muito menos direcioná-lo ao certo ou errado e, sim, para incomodar e provocar reações diante de uma situação bem delicada que, consequentemente, balança as peças enfileiradas de um dominó. Não é perfeito, mas é um filme interessante.
Com direção de Luca Guadagnino, Depois da Caçada acompanha Alma Imhoff, uma professora universitária renomada e prestigiada por seus alunos e o corpo docente, que a coloca como promissora a conquistar um título importante na Universidade Yale.
No entanto, a rotina regrada de Alma leva uma grande chacoalhada quando sua aluna pupila, Maggie, faz uma denúncia grave: ela acusa o professor Hank Gibson – que, por sinal, é amigo íntimo de Alma – de agressão sexual. A partir daí, ela se vê em uma encruzilhada para saber quem está falando a verdade, enquanto tenta evitar que o seu próprio segredo não venha à tona por conta desta situação.

O propósito de Depois da Caçada é, de fato, deixar o espectador desconfortável, a começar pela trilha e os efeitos sonoros, que são barulhentos, repetitivos e, muitas vezes, mais altos ao ponto de camuflar os diálogos dos personagens em determinados ambientes que se encontram.
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Além de trazer tal incômodo, também complementa o que a cena retrata, assim como desenha os sentimentos dos personagens naquele momento, seja o tic tac alto do relógio que emoldura a rotina metódica de Alma; o som alto das músicas clássicas que Frederik coloca em casa, seja para demonstrar a sua personalidade, seu bom humor que contrasta com a angústia de sua esposa ou, até mesmo, o coloca por fora da situação que Alma está passando; músicas altas que abafam conversas entre os personagens, silenciadas quando um terceiro interrompe tal conversa, a fim de mostrar que aquele conflito é pontual e concentrado naquelas respectivas pessoas. E nisso, o filme acerta em cheio, pois realmente mexe com os nervos de quem está assistindo.
A sequência inicial traz a rotina matinal de Alma e um jantar na casa dela e de Frederik com os seus tutorados, descrevendo tais personagens justamente para entendermos suas personalidades e trejeitos que serão fundamentais no destrichamento da situação e análise da postura em como cada um é colocado nesta espiral.
Alma (Julia Roberts) é uma professora da área de filosofia que defende fortemente o lado progressista e os direitos das mulheres, especialmente no mundo acadêmico que é fortemente liderado por homens. Ela desafia os alunos a refletir diante de assuntos que, muitas vezes, não há respostas certas e o tiram da zona de conforto. Ela é muito admirada pelos colegas de trabalho, em especial Maggie e Hank.
Hank (Andrew Garfield) é um professor cujo charme é óbvio, dividido entre toques de narcisismo e flertes explícitos, ressaltando o homem branco e heterossexual que é, que lutou para chegar no auge de sua profissão. Sua postura e seu jeito malemolente de falar traz um levíssimo receio sobre ele, se escancarando quando a denúncia é feita.

Maggie (Ayo Edebiri) é uma mulher negra e lésbica, vinda de uma família rica e de reputação. Mas tal prestígio não a faz se destacar no cenário acadêmico, sendo vista como uma aluna mediana, sem grandes talentos, mas esforçada em querer crescer. No entanto, sua admiração por Alma é exagerada, o que a faz querer ganhar validação e apoio da professora constantemente. E isso também desperta curiosidade e dúvida no espectador.
Frederik (Michael Stuhlbarg) é terapeuta e marido de Alma. Por muitas vezes, ele deixa evidente o seu certo desgosto pelas amizades da esposa, em especial à Hank e Maggie, mesmo que a postura e educação refletem o oposto.
Quando a acusação cai sob o colo de Alma, um lado conservador da personagem se sobressai, questionando a credibilidade de sua aluna, mas também demonstrando apoio à decisão que for tomada por Maggie, enquanto tenta defender o seu status na área acadêmica que lutou ao longo dos anos para construir.
Percebe-se que Frederik fica em uma postura distante – assim como o espectador – ou seja, aquele que observa a situação por fora, conhecendo uma das partes envolvidas (Alma), enquanto analisa friamente sobre os demais.
À medida que a acusação toma forma e se espalha pelo campus da universidade, Depois da Caçada ramifica a trama em discussões polêmicas, delicadas e importantes, mas que vão incomodar, cutucar bastante, questionar e gerar conflitos e debates, especialmente, em torno de gerações (millenials e Z), status quo, cor da pele, gênero, cancelamento e o comportamento diante da situação proposta.

Não há certo ou errado aqui e, sim, perspectivas diferentes. Cada espectador pode concordar com as falas da personagem de Julia Roberts ou Ayo Edebiri e, ainda assim, discordar de outras e continuar defendendo o lado que escolheu. E mesmo assim, dúvida perdura e a verdade por trás de tal acusação continua camuflada.
E isso pode ser visto nos detalhes instigantes que ocorrem aqui, como o fato de Maggie pegar uma carta íntima de Alma, escondida no banheiro (por que ela fez isso?); o fato de Alma falar a verdade ao dizer que realmente não viu nada acontecer entre Maggie e Hank durante o jantar, com ambos indo embora juntos e com consentimento; Frederik fazer comentário árduos, mas com fundo de verdade; Hank fazer uma acusação sobre Maggie que é compreensível e completamente com sentido, o que faz a gente entender o lado dele, mas continuar bem desconfiado; e o fato do filme nunca focar ou transcrever por completo cenas que contêm uma carta, foto ou e-mail, cujas poucas revelações são feitas mais a frente.
Mas quando Depois da Caçada se direciona totalmente à Alma, colocando-a no meio da espiral, o filme se distancia do problema, diminuindo ainda mais o seu foco quando Andrew Garfield sai de cena por muito tempo da história e, até mesmo, quando Maggie trata o assunto que lhe atinge como algo mais vantajoso a si do que, de fato, uma justiça ou reparação a ser a fazer. Talvez seja proposital? Talvez, mas isso se torna um deslize em um desenvolvimento que vinha caminhando bem.
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Acrescento também o desperdício da Dra. Kim (Chloe Sevigny), que atua na área de psicologia do RH, uma personagem fundamental que poderia trazer uma avaliação mais filtrada, analisando todos os lados, mas que, no fim das contas, é resumida a uma pessoa que acusa Alma de pegar remédios controlados na farmácia da universidade, forjando prescrições em seu nome. Alma faz isso para esconder as fortes dores no estômago, que piora conforme o caos infla em sua vida.

Diante dos efeitos colaterais afetando a vida pessoal e profissional de Alma, Depois da Caçada dá a cartada final, alimentada desde o começo da história: o segredo da professora é revelado, o que faz o público entender as atitudes que ela tomou diante da acusação até agora.
Ainda assim, o filme se esquiva de trazer a verdade sobre a acusação. Afinal, Maggie realmente foi assediada por Hank ou não? Algumas respostas são dadas a outros assuntos, mas para a denúncia que fez tudo eclodir, o filme faz questão de plantar mais dúvidas com a última cena do reencontro de Maggie e Alma anos depois, mostrando o quão complexo este assunto pode ser.
Considerações finais

Depois da Caçada não é um filme perfeito, desliza em certo ponto do seu desenvolvimento ao se distanciar do caminho que começou. Ainda assim, o filme cumpre o que promete e acerta no desconforto e incômodo diante de uma situação que gera desconfiança, questionamentos, reflexão e debates sem o objetivo de ter uma resposta certa para quem assiste, observa e até deseja um final explicado.
Ficha Técnica
Depois da Caçada
Direção: Luca Guadagnino
Elenco: Julia Roberts, Andrew Garfield, Ayo Edebiri, Michael Stuhlbarg, Chloë Sevigny, Lio Mehiel, Will Price, Thaddea Graham e Lailani Olan.
Duração: 2h19min
Nota: 3,0/5,0